Reprodução: Unicef

De 2016 a 2020, 35 mil crianças e adolescentes foram assassinados no Brasil, uma média de 7 mil por ano, é o que revela estudo inédito do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Unicef. O número de crianças até 4 anos mortas aumentou 27% em 2020.

  • 35 mil crianças e adolescentes foram assassinadas no Brasil entre 2016 e 2020
  • 7 mil crianças são mortas em média por ano no país
  • Número de crianças até 4 anos mortas aumentou 27% em 2020
  • Meninos negros são a maioria das vítimas em todas as faixas etárias
“É assustador. Pouquíssimos países no mundo tem mais de 7 mil mortes de crianças por ano. É um volume muito alto”, diz Danilo Moura, Oficial de Monitoramento e Avaliação do Unicef no Brasil. Segundo Moura, os Estados Unidos, que tem uma população maior do que o Brasil, tem cerca de 3 mil mortes de crianças e adolescentes por ano. “A América Latina tem 8% da população mundial e quase metade dos homicídios de crianças, maior parte cometida no Brasil. Os níveis de violência são muito alarmantes”, diz.

Outros destaques do estudo:

O Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes fez uma análise inédita dos boletins de ocorrência das 27 unidades da federação, o primeiro com série histórica e, portanto, comparativo entre os anos. Mortes violentas intencionais ou assassinatos englobam os crimes: homicídio doloso, feminicídio, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenção policial (em serviço ou fora).

Mais de 31 mil vítimas tinham entre 15 e 19 anos. O Unicef trabalha com faixas etárias utilizadas por órgãos internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), que incluem os 19 anos para abranger a legislação de diferentes países. No mesmo período, 1.070 crianças de até 9 anos foram assassinadas, 213 só em 2020, uma a cada dois dias.

O estudo chama a atenção para as características diferentes de mortes de crianças, vítimas de violência doméstica, e adolescentes, vítimas da violência urbana. “São dois fenômenos diferentes, crianças de até 9 anos morrem vitimas de violência doméstica. Crianças e adolescentes de 10 a 19 são mais vítimas de violência urbana, que tem a ver com o que acontece especialmente nas cidades e com um percentual maior de mortes decorrentes de intervenção policial”, explica Sofia Reinach, coordenadora editorial do panorama.

Até nove anos, 40% das crianças foram mortas dentro de casa; 56% eram negras e 33%, meninas. Meninos negros foram a maioria das vítimas em todas as faixas etárias, no entanto, à medida que a idade avança, a prevalência do grupo se intensifica, chegando a quatro em cada cinco entre vítimas de 15 a 19 anos: 90% eram meninos e 80% negros.

O Ceará é a unidade da federação com a maior taxa de mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes em 2020: 46,97. A violência no estado no ano passado foi generalizada. O Ceará teve o maior aumento de mortes de um ano para o outro (76%) e a maior taxa por 100 mil habitantes (45,2). Em 15 de dezembro daquele ano, o adolescente Manuel Pereira da Silva Neto, de 14 anos, morreu durante um assalto no distrito de Caraussanga, zona rural de Caucaia, na Grande Fortaleza. A vítima estava em uma motocicleta com um amigo, que conseguiu sobreviver e fugiu.

Primeira infância

Entre 2016 e 2020, nos 18 estados para os quais o estudo dispõem de dados completos para a série histórica, o número de mortes violentas de crianças com idade entre 0 e 4 anos aumentou 27% – passando de 112 para 142, enquanto caiu o de vítimas nas outras faixas etárias. Em quase 90% dos casos de mortes violentas de crianças entre 0 e 4 anos de idade, o autor é alguém conhecido da vítima.

“Em 2020, as medidas de isolamento social afetaram mais as crianças, que ficaram fora da escola. Então, a criança ficou mais exposta ao agressor, mais exposta à violência doméstica. Não podemos ignorar isso”, disse Sofia Reinach.

Esse aumento da violência na primeira foi causado, especialmente, segundo o estudo, pelo aumento de mortes por armas de fogo nessa faixa etária. O Brasil dobrou o número de armas nas mãos de civis em apenas três anos, de acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado em julho.

Em 2017, segundo a Polícia Federal, o Sistema Nacional de Armas (Sinarm) contabilizava 637.972 registros de armas ativos. Ao final de 2020, o número subiu para 1.279.491 – um aumento de mais de 100%. Em junho de 2020, um menino morreu após ser baleado durante sua festa de aniversário de 4 anos, em Piabetá, na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro.

Enzo, de 4 anos, foi atingido com um tiro no peito durante a comemoração. O autor do disparo, que participava do evento, foi preso em flagrante. “O meu filho estava completando 4 anos de idade, feliz da vida com a festinha do Hulk dele. Ele já estava há um mês perguntando: minha festa é amanhã? Minha festa é amanhã?”, disse o pai em um áudio gravado. O pequeno Enzo chegou a ouvir os convidados cantarem parabéns, mas, logo depois, o menino foi morto com um tiro de revólver na frente de todos, inclusive das crianças.

Sobre o estudo

O Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil reúne dados inéditos sobre os registros de ocorrências de violência letal e violência sexual contra crianças e adolescentes de até 19 anos de idade. Os boletins de ocorrência das polícias estaduais são reunidos no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Entretanto, os casos envolvendo crianças e adolescentes não eram analisados de modo a destacar os segmentos. Por meio da Lei de Acesso à Informação, o Fórum solicitou a cada um dos estados brasileiros os números referentes a mortes violentas intencionais, estupros e estupros de vulneráveis, com o objetivo de obter índices específicos dos boletins de ocorrência registrados nos últimos cinco anos. G1