Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

O deputado federal Afonso Florence, uma das vozes mais icônicas do PT “raiz” na Bahia, avalia que Jerônimo Rodrigues tem alcançado resultados melhores do que os dois principais caciques na legenda da Bahia, o senador Jaques Wagner e o governador Rui Costa. Em entrevista à Tribuna, o fato de o pré-candidato ser desconhecido por 80% da população é um trunfo que pode se mostrar favorável para o grupo lá na frente – já que ele polariza diretamente com o também pré-candidato ACM Neto (União Brasil), que já é conhecido por boa parte do eleitorado. “O problema de ACM Neto é que, como ele sabe que ser associado a Bolsonaro é ruim, ele então recua desse protagonismo até quando for possível. Fingiu que não era bolsonarista, sendo. Jerônimo tem esse ponto negativo, que também é positivo. Não é muito conhecido, mas também não tem rejeição”, avalia o parlamentar. Ele ainda faz projeções sobre o cenário nacional e avalia a chegada da chamada “terceira via”, que tenta furar a polarização já posta entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Lula (PT).

Tribuna – Como está vendo o desenrolar da pré-campanha de Jerônimo Rodrigues? Nas pesquisas, ele ainda aparece distante de ACM Neto. Como o PT está se planejando para virar o jogo?

Afonso Florence – Jerônimo hoje obtém uma pontuação nas pesquisas, inclusive do adversário, que nem Wagner e nem Rui tinham nos anos em que ganharam no primeiro turno. Então, isso é um indicador de tendência muito importante. Além disso, na estimulada, quando desagrega dados, metade do eleitor de ACM Neto diz que vai votar no candidato de Lula. Jerônimo tem 80% de desconhecimento e nenhuma rejeição. ACM Neto tem rejeição normal. Foi prefeito… O que é um ativo de ACM Neto também é um obstáculo. O ativo dele é ser neto de ACM. A popularidade dele no interior é o recall do avô, que é filhote e ficou milionário às custas da ditadura. Esse é o ativo de ACM Neto. Em todo lugar onde você chega, tem a Avenida ACM, o Colégio Luís Eduardo, a escola Arlette… Então, ele larga uma potência eleitoral que é essa: ser herdeiro político de ACM, da ditadura e das oligarquias. Por outro lado, isso também é o negativo, porque as forças democráticas e populares já largam do lado oposto ao dele. Ele é bolsonarista, apoiou Bolsonaro em 2018, o partido dele é da base de sustentação de Bolsonaro e é orientado no Plenário pela liderança do Governo. E hoje o cenário estadual é de saber se a candidatura de João Roma será retirada, para ele ser o candidato oficial de Bolsonaro, ou se vai até o final e isso ajuda o projeto bolsonarista na Bahia com Roma e ACM Neto. O problema de ACM Neto é que, como ele sabe que ser associado a Bolsonaro é ruim, ele então recua desse protagonismo até quando for possível. Fingiu que não era bolsonarista, sendo. Jerônimo tem esse ponto negativo, que também é positivo. Não é muito conhecido, mas também não tem rejeição.

Tribuna – Como o senhor vê essa divisão do MDB em Feira de Santana, já que o prefeito Colbert Martins decidiu apoiar ACM Neto?

Afonso Florence – Não tem imbróglio. Tem imbróglio na campanha de ACM Neto. O MDB da Bahia, que foi aliado do PT, rompeu e foi para a base de ACM Neto… Eles viram que foram melhor tratados pelos governos do PT e optaram por apoiar a candidatura de Jerônimo. Como eles estavam na base de Bolsonaro e têm prefeitos, como em Feira e Conquista, do ponto de vista de análise científica é uma conclusão óbvia. Do ponto de vista do cenário político, é um prognóstico infalível: a guinada à esquerda ocasionaria uma tensão interna no MDB e um racha na orientação política. Se diz que Colbert Martins fica na base de ACM Neto, que ele tem no encalço dele, crescendo nas intenções de voto, a candidatura do deputado federal Zé Neto para a Prefeitura. Ainda que Zé Neto não seja pré-candidato agora, o povo vai migrando até pelo desalento do governo de Colbert. O problema de ACM Neto não é só o MDB. É que se Zé Ronaldo não estiver na chapa majoritária, vai cruzar os braços. A liderança oligárquica de ACM Neto, que é novo de idade e velho de prática política, vai ferindo as lideranças. Nem Zé Ronaldo e nem Colbert Martins estão adequadamente posicionados no grupo que ACM Neto tenta liderar. Então, digamos que as insatisfações no entorno de Colbert com ACM Neto é oriundo da forma de condução de ACM Neto no grupo. Tendo ainda o fato de que a orientação estadual do MDB é pelo apoio para Jerônimo, a situação se agrava mais ainda. Eu considero que o desenlace não será positivo para a candidatura de ACM Neto, não só porque há diversos interesses e projetos políticos para serem liderados por um projeto maior que ele não consegue contemplar, mas pelo método autoritário e elitista que ele conduz as alianças. No caso do PT, é totalmente diferente. Rui lidera em intenção de voto e espontânea de tão bom governador que é. Wagner é conhecido como um cara que talvez, mais que ele, só Lula. Que junta grupo e é um cara magnânimo.

Tribuna – Na esfera nacional, o ex-presidente Lula se aliou a Geraldo Alckmin, que era do PSDB e também foi um grande adversário dos governos petistas. Como o senhor viu essa aliança?

Afonso Florence – Fui um dos que defenderam antes mesmo de ela estar concretizada. Acho que foi uma iniciativa de grande envergadura que finalizou e agora vai se concretizando um cenário de que o campo democrático, um projeto nacional de reconstrução da economia e da República. Ou seja, um projeto de país. E que vem tendo um protagonismo de Alckmin, qualitativamente novo na história recente do Brasil. Nós tivemos José Alencar, que era um cara do mercado e que eventualmente sobre a taxa de juros. Mas, o protagonismo de Alckmin é de articulação política, além de dialogar com o mercado. Porque o desmonte, o entreguismo, a traição e a violência é o governo Bolsonaro. Isso é um desmonte tão grande que esse protagonismo de Alckmin só consolida esse novo perfil da candidatura de Lula. Não é mais só uma candidatura de um projeto das trabalhadoras e dos trabalhadores, marcadamente de esquerda, e que tinha um cara do mercado na vice porque queria construir um país mais justo. É diferente de Temer, que migrou de constitucionalista a golpista, porque queria fazer o entreguismo do orçamento brasileiro para as corporações internacionais. Queria entregar o país ao imperialismo. O Brasil era um país grande. Temer entrou para golpear e derrubar. Alckmin entrar para estabilizar o país. Não é só voto. Talvez seja mais importante a estabilização do mandato do que voto.

Tribuna – Ciro Gomes e Simone Tebet estão se colocando como a chamada terceira via, justamente para quebrar a polarização instalada entre Lula e Bolsonaro. Como vê esse movimento?

Afonso Florence – Eles são linha auxiliar do golpe. Dizer que o União Brasil, que é um misto do PSL bolsonarista com o DEM filhote da ditadura, é terceira via, é uma tentativa de tentar construir uma polarização com Lula. É óbvio que essa terceira via não leva votos do projeto democrático. Leva votos da direita, já que está cheio de bolsonarista e golpista lá, que cometeram crimes contra a nação – como Sérgio Moro, que hoje é um pária. Simone Tebet é uma lavajatista e hoje o lavajatismo é pejorativo. Ela estava no campo do golpe. Nunca fez autocrítica. Quer Doria na vice dela. Então, esse campo é a linha auxiliar de Bolsonaro. Porque Bolsonaro, obviamente, não lidera nada. É um manipulado. São esses setores econômicos e políticos que fizeram o golpe para fazer esse desmonte nacional. Quando um líder empresarial diz que o governo é bom, por que ele diz isso? Porque ele está cumprindo a missão de pegar patrimônio público e subavaliar. O caso da Eletrobras é um escândalo. Tirar os impostos da Eletrobras enquanto estava pública é o quê? Agora vai ser privada e não vai pagar mais? Não existe terceira via e não tem viabilidade eleitoral.

Tribuna – Bolsonaro está dizendo que não vai participar de debates no primeiro turno. Como vê essa declaração?

Afonso Florence – Não surpreende que ele não queira participar de debate. Ele não tem preparo para ser presidente. Ele é um boneco manipulado pelo mercado, que está queimando os ativos, privatizando e desmontando a República no sentido da relação entre os poderes. Está roubando o povo brasileiro. É isso que o governo Bolsonaro está fazendo. Ele é incapaz de ser porta-voz de um projeto. Se ele for num debate, ele vai dizer atrocidades. Pode ser decisivo e ele pode perder no primeiro turno. E essa hipótese está posta pelas pesquisas. Ele é um desqualificado. Ele já era desqualificado até para ser deputado e só é Presidente da República porque o mandato dele está dentro de um novo tipo de golpe, chamado de Guerra Híbrida. Ao invés de fazer um golpe militar, faz um processo que tem cara de institucional, mas é ainda um golpe mais virulento com cara de legítimo. Então, ele não vai aos debates. Tem um documentário obre a facada que eu sugiro que você assista. É tudo uma armação, a investigação do Adélio [Bispo, autor da facada], não vai para a frente. Não propõe para ele uma delação premiada… Não existe independência na Polícia Federal para investigar esses fatos. Então, o risco de ter novos lances golpistas como foi no último 7 de Setembro, existem. Ele tentou um golpe e não conseguiu. Minha expectativa é que haverá outros lances, mas as instituições, a imprensa e  sociedade civil organizada vão fazer valer o voto na urna eletrônica – que sempre funcionou. E que, quem ganhe, leve o resultado e governe com estabilidade o país. Essa é a minha expectativa. Tribuna da Bahia