(Daniel Aloisio/CORREIO)

A cena virou comum nos mercados: as pessoas enchem o carrinho de compras e, na hora de passar no caixa, a conta não bate com o dinheiro disponível. O jeito é tirar itens do carrinho e voltar pra casa sem tudo o que estava previsto. A sensação é a de que, a cada semana, os produtos estão mais caros. Para evitar surpresas desagradáveis como essa, já tem muito consumidor usando a calculadora pra somar tudo que vai colocar no carrinho e evitar pagar mico na boca do caixa.

Esse é o caso da dona de casa Celidalva Maria, 58 anos, que considera ter feito uma “revolução” nos seus hábitos de compra. É que, antes, ela ia ao supermercado e levava tudo que precisava no mês por cerca de R$ 400. “Esse ano, os preços começaram a disparar e se tornou comum eu retirar produtos quando passava no caixa. Era uma situação muito chata. Agora, eu estou fazendo contas para evitar que isso volte a acontecer”, disse a consumidora, mostrando a função calculadora aberta no seu smartphone.

Celidalva conversou com a reportagem enquanto pesquisava os preços na seção de grãos do GBarbosa da Avenida Antônio Carlos Magalhães. Ela afirmou que esse era o sétimo mercado que ela tinha passado nos últimos cinco dias. “Eu abandonei as compras do mês. Agora eu tenho batido perna mesmo para encontrar as promoções e levar o que está mais em conta, não o que é mais barato. Às vezes a gente compra um produto de uma marca inferior por ser mais barato e ele não tem qualidade, não presta. Acabamos perdendo o dinheiro”, explicou.

Toda essa pesquisa é feita para que as compras da dona de casa continuem custando cerca de R$ 400 por mês. Ainda assim, com a alta no preço de alguns alimentos, ela admite que tem comprado menos comida do que antes. “Sei que estou andando mais para comprar menos. Mas, espero que essa situação passe e os preços voltem a cair”, disse.

Com o taxista Ronaldo Souza e Silva, 67 anos, a situação constrangedora aconteceu no Atakarejo de São Cristõvão, no início da pandemia. As compras iam custar no total R$ 520, mas não havia limite suficiente para o cartão de crédito. “Escolhi tirar as carnes, pães e biscoitos, que são os alimentos que mais pesavam no preço e reduziu para R$ 450. Como sou taxista, busquei fazer umas corridas para conseguir o dinheiro que faltava e comprar o restante”, recordou.

Já a dona de casa Valdirene Araújo, 38 anos, escolheu retirar material de limpeza e farinha, produtos que ela considerava não essenciais para aquele momento, para compensar o aumento do arroz. “É uma comida importante para o nosso almoço, não dá para ficar sem. Lembro que as compras iam dar R$ 500 e diminuiu para R$ 400. Mas, agora o mercado já está custando R$ 600 e não tem como retirar mais itens”, apontou a moradora de Pernambués, que, junto com o marido, vive com apenas um salário mínimo. A alimentação equivale a cerca de 50% da renda deles.

Por outro lado, a família de Jucilene Queiroz, 48 anos, se encontra numa situação financeira mais confortável. Lá os gastos com alimentação correspondem a 30% da renda, Mesmo assim, a cada mês que passa, retirar alimentos do carrinho virou uma rotina. “Agora mesmo, larguei o peixe, o óleo e algumas frutas. E olha que estou levando menos carne vermelha. Tá tudo tendo aumento, menos o nosso salário”, reclamou. Suas compras foram realizadas no Atakarejo de Pernambués.

Cálculo

Para outras famílias, o comprometimento financeiro da renda com as compras de alimentação é ainda mais significativo. Marcia Cristina Rocha da Silva, 45 anos, aponta que 90% do que sua família tem de receita é destinado para compras de comida, por causa da necessidade nutricional de sua mãe. “Ela é de idade e vive de dieta. Todas as comidas são especiais. Então, eu sempre venho com a calculadora para levar o básico, para não ficar com fome mesmo. O hábito de calcular impediu que eu me surpreendesse com o valor total da compra”, disse.

Para o economista e educador financeiro Edval Landulfo, o uso da calculadora é essencial para quem quer realizar compras mais baratas. “Quando você coloca o alimento no carrinho, tem que saber o quanto aquilo vale, para não precisar tirar os produtos no caixa. Quando isso acontece, as pessoas desistem de levar o que ainda não passou e pode ser produto que fará falta depois”, explicou.

Confira mais dicas de economia no supermercado no final do texto.

Para todos os entrevistados, os principais alimentos apontados como vilões das compras são aqueles tradicionalmente mais consumidos pelas famílias baianas: feijão, arroz, carne vermelha e óleo. Em outubro, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), todos esses produtos apresentaram altas no seu preço médio em relação a setembro e ao que custavam em janeiro, no início do ano.

O maior vilão da cesta básica em 2020 foi o óleo de soja, com aumento de 80,26%, seguido pelo tomate (aumento de 73,8%) e o arroz (aumento de 55,54%). Já os alimentos líderes em alta de setembro para outubro foram o óleo de soja (12,30%), arroz (9,45%) e o leite (4,02%). Já a carne teve alta anual de 28,24% e mensal de 1,37%, enquanto o feijão cresceu 20,52% de janeiro para outubro e 2,97% de setembro para outubro.

No total, a cesta básica do soteropolitano saiu em outubro por R$ 454,50, uma leve queda de 1,05% em comparação ao que era comprado em setembro, mas um aumento de 26,07% de janeiro a outubro e de 30,73% em comparação com setembro de 2019, segundo o Dieese. Comparada com as outras 17 capitais pesquisadas pelo órgão, Salvador foi a cidade que mais reduziu mensalmente o valor da cesta básica em outubro. Os dados completos de todos os itens da cesta básica do baiano você confere no final do texto.

Consumo

Esses dados também refletem na inflação de outubro, que em Salvador foi de 0,45%, com um acumulado no ano de 2,16%. Essa alta foi puxada principalmente pelos preços dos alimentos, cuja variação anual foi de 11,41%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As principais altas registradas foram do óleo de soja (14,07%), arroz (12,08%) e das carnes em geral (1,92%), sendo as principais pressões inflacionárias da capital baiana.

A realidade de inflação e aumento nos preços acontece ao mesmo tempo em que a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado da Bahia (Fecomercio-BA) projeta que as vendas nos supermercados, no mês de novembro, devem ter alta de 18,1% na comparação com igual período de 2019. Ou seja, mesmo com os produtos mais caros, as pessoas vão comprar mais no supermercado.

“Muita gente fala que o mercado está tendo retração de vendas, mas eu acredito que os consumidores vão continuar focando em adquirir alimentos e bebidas, pois são itens essenciais. Isso já aconteceu durante outros meses da pandemia. Por mais que agora tenhamos redução no auxílio emergencial, ele ainda é uma injeção importante. Tem também o 13º, que no final de ano costuma ser um motor de aquecimento desse setor”, pontuou o consultor econômico da Fecomércio-BA, Guilherme Dietze.

Por outro lado, Joel Feldman, presidente da Associação Bahiana de Supermercados (Abase), ressaltou que o crescimento nos preços não reflete necessariamente em mais lucro para as empresas do setor. “Essa alta é ruim em todos os aspectos, pois o consumidor compra menos, cai a venda. Por exemplo, 900mL de óleo de soja por R$ 7,99 faz com que as pessoas não levem, racionem o consumo”, afirmou. Ainda segundo Joel, a Abase já verificou mudanças de hábitos dos consumidores por causa dessas altas.

“O consumidor tem buscado tamanhos de embalagens menores e marcas mais em conta, que ele pode pagar. Houve aumento de compra durante várias vezes na semana e não aquela mensal, mais volumosa. Também cresceu a procura pelos mercados de bairro. Lojas de vizinhança sobem no faturamento, enquanto os atacados de alto serviço perderam clientes”, revelou.

Ainda de acordo com o presidente da Abase, as altas nos preços dos principais produtos da cesta básica do consumidor são explicadas pelo mesmo fenômeno. “É algo que está inteiramente ligado a alta do dólar frente ao real. Os produtores optam por exportar os alimentos do que vender no mercado interno. Aqui há escassez e um consequente aumento de preço”, disse.

Dicas para comprar mais barato segundo o economista e educador financeiro Edval Landulfo:

1 – Elabore um cardápio semanal. Tenha ciência do que você e sua família precisam comer durante a semana para não exagerar, nem passar fome;

2 – Olhe a dispensa e faça uma lista de compras da semana com os produtos e quantidades. Separe as listas em setores como frios, massas, produtos de limpeza e grãos, o que ajuda a otimizar seu tempo no mercado. Lá você estará bombardeado por publicidade que vai querer te influenciar a comprar mais. A lista será a sua proteção. Seja fiel a ela;

3 – Faça compras semanais ao invés de mensal. Na segunda opção, você compra muito mais do que precisa e não aproveita os descontos que o mercado faz. Se você vai toda semana, evita a compra de produtos a mais e consegue perceber a variação de preço, o que vai te fazer investir nos alimentos mais baratos;

4 – Fique de olho nas promoções. Confira os dias específicos das promoções, inclusive nos mercados de bairro, pertos da sua casa. Tem rede de mercados que muitas vezes, em um determinado dia, o preço sai mais barato do que comprar num mercado grande de atacado;

5 – Leve uma calculadora. Quando você coloca o alimento no carrinho, tem que saber o quanto aquilo vale, para não precisar tirar os produtos no caixa. Quando isso acontece, normalmente, as pessoas desistem de levar o que ainda não passou e pode ser que o produto faça falta depois;

6 – Não vá com pressa para o supermercado, nem com fome. Sempre reserve um tempo para olhar os preços e calcular. Quando você vai com fome, acaba levando mais do que precisa;

7 – Aproveite as frutas de época, que são mais baratas. Tenha a sensibilidade de perguntar ao funcionário se o preço alto é esse mesmo ou pode ser reduzido nos próximos dias. Pois, as vezes, o preço de uma fruta varia facilmente com problemas de logística ou entrega;

8 – Mescle frutas verdes com maduras, pois, se levar todas maduras, corre o risco de perder algumas;

9 – Repare no preço e no peso ou volume da embalagem, para levar o que seja mais vantajoso, ou seja, que tem melhor custo-benefício;

10 – Olhe a validade do produto e o preço associado, para não comprar produtos demais e perder quando vencer;

11 – Deixe as crianças em casa. Já não é ideal levar por causa da pandemia, mas também por questões financeiras. Quando chegar em casa, ensine os valores dos produtos. Mostrar as contas aos filhos é um modo de incorporar neles a educação financeira.

Confira a variação anual dos 12 principais produtos da cesta básica em Salvador:

Óleo: 80,26%

Tomate: 73,8%

Arroz: 55,54%

Carne: 28,24%

Banana: 26,52%

Leite: 26,10%

Feijão: 20,52%

Açúcar: 16,59%

Farinha: 6,04%

Pão: 4,73%

Manteiga: 0,47%

Café: -5,08%

Total: aumento de 26,07% na cesta básica do soteropolitano. (Correio da Bahia)