Agência Brasil

Dá para imaginar que o seu antigripal de confiança que custava R$ 3, em média, poderia chegar a R$ 8? Se já não bastava a palpitação que deu ao ver o preço do álcool em gel mais do que dobrar no início da pandemia, os antigripais, antitérmicos, analgésicos, a vitamina C e o extrato de própolis também ficaram mais caros para o consumidor e aumentaram o ganho das farmácias em plena crise do coronavírus.

“Itens como máscaras descartáveis e luvas tiveram um aumento superior a 80%, assim como o álcool em gel, mas como se trata de produto brasileiro, o mercado já está regularizado. O preço final da vitamina C, por conta da redução dos descontos, subiu cerca de 20%. Quanto aos outros itens, a alta chegou a 30%”, admite o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do Estado da Bahia (Sincofarba), Luiz Trindade.

Ainda segundo ele, nos meses de maio e junho há um aumento histórico nas vendas devido às gripes, resfriados, doenças respiratórias e alérgicas. Com a covid-19, a população procurou mais ainda as farmácias, levando a um incremento de vendas na Bahia superior a 20%. “É a velha lei da oferta e procura que prevalece. Com a falta de substâncias, os descontos diminuíram ou até acabaram e o consumidor sentiu no bolso”, acrescenta.

As farmácias online seguem a mesma tendência. Só na Bahia, a plataforma Farmácias APP registrou no quadrimestre de janeiro a abril de 2020, comparado com o mesmo período do ano passado, um ganho de 469% no faturamento obtido com a venda de vitamina C — quase duas vezes mais do que o do álcool em gel, que aumentou em 268%. Os antigripais tiveram 32% de alta.

“São produtos que auxiliam na prevenção da covid-19 e, consequentemente, o preço também sobe já que estes não são tabelados. No caso da vitamina C, trata-se de um item que está  ligado à imunidade, outro fator preponderante para minimizar os efeitos do coronavírus”, pontua o diretor técnico do Farmácias APP, Robson Parzianello.

O comportamento destes preços tem mesmo um gosto amargo. O funcionário público Francisco Oliveira precisou comprar um antitérmico para a neta que apresentou sintomas de chikungunya e gastou em torno de R$ 50. “Ficamos sem escolha porque precisamos do medicamento e, com a necessidade de isolamento social, não dá para ficar pesquisando de loja em loja e somos obrigados a aceitar este valor. Saúde é prioridade”.

Os dados mais recentes de denúncias registradas na Superintendência de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-BA) demonstram a insatisfação com os preços. Considerando os meses de março até maio foram registradas 5.252 queixas contra as farmácias baianas. Destas, 742 seguem em apuração.

“O descumprimento de oferta, ausência de dados obrigatórios do fornecedor e ausência de informações sobre parcelamento estão entre as principais infrações. As denúncias podem ser feitas pelo aplicativo Procon-BA Mobile”, destaca o superintendente do órgão, Filipe Vieira.

Bem de saúde
Ainda que o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) argumente que o aumento médio real dos medicamentos tem ficado abaixo da inflação e do reajuste anual permitido pelo governo federal de 5,2%, o presidente do Sincofarba, Luiz Trindade, afirma que o mercado é quem dita o preço. “Os fabricantes repassam para os distribuidores, que repassam para as farmácias e as farmácias para o consumidor. Por isso, eu sempre digo que ele precisa pesquisar”, defende.

Segundo o Sindusfarma, no acumulado de 2001 a 2019, a inflação geral somou 216,07%, enquanto a variação de preços dos produtos farmacêuticos ficou em 167,19%, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No mesmo período, o reajuste concedido pelo governo federal somou 181,04%.

Enquanto as farmácias e a indústria farmacêutica vão muito bem de saúde, a crise atingiu diretamente o varejo como um todo. É o que mostra ainda a Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) do IBGE. Em abril deste ano, no comparativo mensal, o varejo baiano teve a sua pior queda em 20 anos, com redução de 17% em relação a março de 2020, diante do efeito da pandemia.

O setor de farmácias teve o menor recuo entre sete segmentos de atividades no estado. Vale destacar que esta redução não considera os meses antes da pandemia, visto que, na pesquisa por segmento, só é feita a comparação anual. No meio de tantos índices e de justificativas, a pesquisa online é uma alternativa para o consumidor, principalmente, em buscadores comparativos como as plataformas Buscapé, Zoom, Clique Farma e Remédio Barato, por exemplo.

A estratégia pode ajudar a diminuir a conta na farmácia do professor Alex Alves. Se antes o custo era de até R$ 200 por mês, hoje esse valor chega a  R$ 300. “A abusividade cresceu conforme a proliferação do vírus. Os valores quase dobraram. Principalmente nos itens de higiene pessoal. Opto por marcas que eu não usava, mas que estão com os preços mais em conta”, afirma.

Acima do teto 
A pedido do Correio, o Sincofarba levantou o valor que custava antes e quanto está sendo cobrado agora por cinco dos principais produtos mais vendidos pelas farmácias baianas na pandemia. Entre eles estão a vitamina C (1g), os antigripais e analgésicos, o extrato de própolis, Ivermectina (vermífugo que, segundo estudos preliminares, teriam algum efeito contra o coronavírus) e o álcool em gel.

Se o consumidor levasse estes produtos para casa no período antes da pandemia, gastaria em torno de R$ 67. A mesma cesta de itens durante a crise soma R$ 107, aumento de 59,7%. Na análise do economista e coordenador da Pesquisa de Preços ao Consumidor (PPC) da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), Denilson Lima, o estado de pandemia acaba favorecendo o segmento.

“A pressão sobre os preços tende a aumentar o faturamento de farmácias e drogarias. Considerando que remédios são produtos que as pessoas têm de adquirir por uma questão de saúde, os aumentos acabam por penalizar bastante o consumidor”, analisa.

A advogada Michele Santana tem sentido o impacto desta despesa. “Meu filho tem problema de rinite e eu também. Fui comprar um termômetro e o mais barato custava R$ 20. Antes, não passava de R$ 9,90.  A gente se sente desolada com tudo isso. Estamos vivendo um momento em que muitas famílias perderam emprego ou tiveram o salário reduzido e as coisas estão subindo absurdamente”.

Expansão
Só para ter uma ideia do potencial do setor, quando ainda nem se falava em pandemia, as farmácias cresceram muito acima da economia nacional e fecharam o ano de 2019 com faturamento 7,6% maior, comparado ao mesmo período do ano anterior.

A análise foi feita pela Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias (Febrafar) com base nos dados da IQVIA, consultoria especializada em dados de saúde. Ou seja, o segmento se desenvolveu quase sete vezes mais do que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no mesmo período, que expandiu 1,1%.

Apesar das grandes redes de farmácias que atuam na Bahia não divulgarem números de crescimento, grupos como a rede associativista baiana Multmais tiveram um incremento de 30% em março. Durante o mês de abril, o ganho no faturamento permaneceu em um patamar entre 15% e 20% em relação a fevereiro. É o que comenta o diretor comercial da rede, Jorge Peralva. “O boom que aconteceu em março também fez aumentar as vendas antecipadas dos remédios de uso contínuo”, sinaliza.

Enquanto o setor de farmácias só cresce, na casa da professora Leila Silveira está proibido ficar doente. “Achei um absurdo algumas farmácias estocando álcool em gel para aumentar os preços. Passei também a usar mais extrato de própolis e vitamina C para evitar viroses. Sei que não está barato se prevenir, mas se ficar doente tudo fica mais caro ainda”.

ENTENDA COMO FUNCIONA A PRECIFICAÇÃO DE REMÉDIOS

Apesar de não monitorar o comportamento dos preços aplicados pelas farmácias, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por meio da Câmera de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), é quem autoriza, uma vez por ano, o reajuste dos medicamentos.

Devido ao coronavírus, no final do mês de março o governo federal editou a Medida Provisória 933/2020, que adiou até 31 de maio o reajuste previsto para ser publicado naquele mês. Depois da suspensão por dois meses, no dia 1º de junho foi autorizado o aumento de até 5,21%. Os índices não se aplicam aos medicamentos homeopáticos, fitoterápicos e aqueles isentos de prescrição médica.

Os novos preços não podem ultrapassar esse teto até março de 2021. O ajuste não representa, no entanto, um aumento automático nos preços, mas um limite máximo, em que cada empresa pode optar pela aplicação total ou não do índice. Entre outros fatores, como explica a Anvisa, o cálculo do reajuste considera a inflação dos últimos 12 meses (IPCA) acumulada de março de 2019 até fevereiro de 2020. A lista de conformidade está disponível em portal.anvisa.gov.br/listas-de-precos.

Outros produtos
Com relação a outros itens que são vendidos nas farmácias – entre eles produtos cosméticos e de higiene -, o economista e coordenador da Pesquisa de Preços ao Consumidor (PPC) da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), Denilson Lima, explica que não há nenhum teto ou regulação.

É aí onde mora mais uma brecha para que as farmácias possam praticar preços acima do teto de 5,21% estabelecido pela Anvisa. “Uma vez que os preços desses produtos não são tabelados, eles oferecem a estes estabelecimentos uma oportunidade significativa para aumentar as suas receitas”, explica o economista. “Se os preços aumentam, a tendência é que os consumidores comecem a gastar mais para adquirirem a mesma quantidade de produtos que compravam antes”.

Agora a empreendedora Moema Fonseca entende o porquê do susto que levou com o valor do repelente em sua última ida à farmácia: “Tenho lúpus e intolerância a lactose, então às vezes estou na farmácia. Não senti o aumento nos meus medicamentos, mas em produtos de higiene pessoal, sim. Depois do preço que eu vi do álcool em gel, por exemplo, meu susto mais recente foi com o repelente: paguei R$ 12 no mês passado e agora com o surto de chikungunya já vi por R$ 30. O valor subiu de um modo exorbitante”, compara.

FALTA DE MEDICAMENTOS DEVE SER DENUNCIADA À ANVISA

Primeiro foi álcool em gel que sumiu. Em seguida, as máscaras descartáveis. E mesmo sem qualquer comprovação científica de eficácia no tratamento contra o coronavírus, foi a vez da hidroxicloroquina desaparecer das prateleiras e prejudicar até o tratamento de pessoas portadoras de doenças autoimunes. Foi então que começou a circular, principalmente nas redes sociais, que a “cura” estava nos vermífugos nitazoxanida (Annita) e, mais recentemente, no Ivermectina e eles também desapareceram das farmácias.

“A falta de produtos como vitamina C e Ivermectina se deve à escassez das substâncias ativas que são produzidas na China, e como sabemos, o parque industrial chinês ficou fechado de novembro a abril deste ano, prejudicando assim a produção dos medicamentos no Brasil. Houve uma busca exorbitante nas farmácias e os fabricantes não deram conta da reposição”, explica o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do Estado da Bahia (Sincofarba), Luiz Trindade.

No caso da falta de medicamentos, a orientação do advogado e especialista em saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Matheus Falcão, é que o desabastecimento seja denunciado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), principalmente, por causa de anúncios precipitados para o tratamento da covid-19 e os riscos de automedicação. As denúncias podem ser feitas por via telefônica ou pelo site.

“O Idec entende que esse problema é amplo e exige a participação ativa de toda a sociedade, não divulgando informações sem evidências científicas sólidas sobre tratamentos. Quando isso acontece, é comum que a Anvisa altere o status do medicamento, passando a exigir receita médica para a compra”, explica. A exigência de receita foi justamente o que aconteceu com os medicamentos à base de cloroquina e hidroxicloroquina. Os fabricantes têm obrigação de notificar a agência caso a produção de um medicamento seja descontinuada. Informações do Correio da Bahia