Foto: Manu Dias/GOVBA

São 500 km entre a Barragem de Fundão, em Mariana (MG), e a foz do Rio Doce, no Espírito Santo. Outros 250 km separam a saída para o mar e o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, no Sul da Bahia. A distância total de 750 km, no entanto, não foi suficiente para impedir a chegada da lama à Unidade de Conservação (UC) que abriga a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul. O fato está mobilizando o Poder Público em busca de que parte da indenização bilionária a ser paga pela mineradora Samarco seja destinada à Bahia. O acordo, em curso desde 2016, entra em fase decisiva em 2023.

O Parque, chamado de Parna Mar Abrolhos, está localizado na região do Arquipélago de Abrolhos, composto por cinco ilhas: Redonda, Siriba, Guarita, Sueste e Santa Bárbara. O município mais próximo – a 70 km – é Caravelas, Sul da Bahia. Administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia ligada ao Ministério do Meio Ambiente, o Parque completou 40 anos em abril de 2023.

Estudos conduzidos por diversas universidades brasileiras, como a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), apoiados pelo ICMBio, detectaram em Abrolhos a presença de rejeitos provenientes do rompimento da Barragem do Fundão. O fato, ocorrido em 2015, provocou um dos maiores desastres ambientais do mundo. Foram liberados 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos, que deixaram 19 mortos, e destruíram comunidades inteiras ao longo da bacia do Rio Doce.

A ação civil pública aberta em 2016 pelo Ministério Público Federal (MPF) pede, em valores atualizados, mais de R$ 200 bilhões, a serem pagos pela Samarco, – controlada pela BHP Billiton e pela Vale –, responsável pela exploração da Barragem. Os recursos seriam destinados às vítimas, à União, aos estados de Minas Gerais e Espírito Santo e a 49 municípios.

Segundo o procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, que atua na área ambiental e também é procurador regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) no MPF em Minas Gerais, o órgão está trabalhando para que uma parte da indenização seja destinada ao estado da Bahia. (Leia mais na entrevista abaixo)

O que se sabe sobre o processo de acordo com a Samarco

Em 2016, um acordo chamado Termo de Transação e Ajustamento (TTAC) foi assinado. Já em 2018, um novo documento, o TAC GOV, determinou que em até dois anos deveria ser iniciada uma repactuação, alegando a ineficiência do primeiro acordo.

A repactuação, no entanto, prevista para 2020, foi iniciada em 2021, sendo conduzida primeiro pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e, em seguida, passando para o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (MG), que segue como responsável atual.

O novo acordo chegou próximo à finalização nos últimos meses de 2022, mas, devido a problemas no fluxo de pagamentos, a permanência de dúvidas sobre cláusulas e a transição de Governo Federal, foi adiado. O processo de repactuação foi reconhecido pelo governo do novo presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), iniciado em 1º de janeiro de 2023, cujo Executivo já faz parte das negociações.

Paralelamente ao processo que corre na Justiça brasileira, uma ação civil pública corre na Inglaterra sobre o mesmo caso contra a BHP, listada na bolsa de Londres, e pede uma indenização que ultrapassa os R$ 230 bilhões, de acordo com a imprensa internacional. É comum em tragédias como a de Mariana, envolvendo diversas vítimas, que grandes escritórios de advocacia encabecem processos. A ação britânica, aberta pelo escritório Pogust Goodhead e que surgiu a partir da demora em se finalizar um acordo no Brasil, conseguiu a aderência das vítimas, dos estados e dos municípios.

No entanto, como reconhece o próprio procurador Carlos Bruno Ferreira da Silva, o processo britânico se mostra mais célere do que o brasileiro e a conclusão de um fulminaria a conclusão do outro. Trata-se, portanto, de uma corrida contra o tempo, com desvantagem para a Justiça brasileira.

O que se sabe sobre a chegada da lama à Bahia

Como explica o professor do Departamento de Biofísica e Biometria da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Heitor Evangelista, que participou dos estudos em Abrolhos de 2016 a 2021, as pesquisas identificaram a chegada da lama na região. O material teria um alto teor de ferro, em quantidades acima do normal para a região, além de metais pesados como zinco e cobre.

Evangelista destaca, no entanto, que a área de até 10 km da costa, chamada de arco interno, foi mais afetada do que a área de até 50 km da costa, chamada de arco externo e que compreende o Parque. Além disso, os estudos teriam apontado uma diminuição geral dos rejeitos ao longo dos anos.

“Nas últimas análises, mostramos que houve um aumento, um pico, e depois uma diminuição. Quando se despeja algo no oceano, à medida que o tempo passa, a tendência é esse material ir se diluindo através da ação das correntes marítimas e outros processos”, explica o professor, especialista em geociências.

Mesmo com a baixa quantidade de rejeitos identificadas na região do Parque e de sua diminuição ao longo do tempo, os impactos ambientais não são descartados. De acordo com o ICMBio, estudos que comprovem os prejuízos ainda não foram concluídos. Heitor Evangelista coloca alguns dos complicadores.

“A grande dificuldade de se dimensionar o impacto de um advento é que em muitos casos não se havia um monitoramento prévio para poder se identificar exatamente o que mudou. Além disso, esses corais aqui do Brasil em grande parte são endêmicos, ou seja, só se tem aqui. Então há poucos estudos, se sabe pouco sobre eles, o que também dificulta a identificação de impactos biológicos”, afirma.

‘‘Há intenção de que parte da indenização vá para a Bahia’, diz Procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, também procurador regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) no Ministério Público Federal (MPF) em Minas Gerais. Correio da Bahia