Um dos adoçantes artificiais mais comuns do mundo, o aspartame deve ser declarado como possível cancerígeno pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc, na sigla em inglês), que é ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS).
🥤 Contexto: O aspartame é usado em produtos como refrigerantes dietéticos. De acordo com alguns estudos, cerca de 95% dos refrigerantes carbonatados (bebidas efervescentes não alcoólicas) que contêm adoçante usam aspartame.
- A decisão da agência, finalizada no início de junho, deve ser anunciada em 14 de julho e não leva em conta a quantidade que pode ser considerada segura para consumo.
- Essa será a primeira vez que o adoçante receberá essa classificação pela Iarc.
- O objetivo é fomentar pesquisas para avaliar perigos potenciais, com base em todas as evidências científicas publicadas.
- A agência já teve decisões anteriores, sobre outros temas, contestadas. (Leia mais ao final desta reportagem.)
- No Brasil, a Anvisa diz haver consenso entre diversos comitês internacionais considerando o aspartame seguro.
O Comitê Misto FAO/OMS de Especialistas em Aditivos Alimentares (JECFA, na sigla em inglês), também está revisando o uso da substância. A conclusão dos trabalhos do comitê deve ser divulgada no mesmo dia previsto para a declaração da Iarc.
Desde 1981, o JEFCA afirma que o consumo de aspartame é seguro dentro dos limites diários aceitos. Por exemplo, um adulto de 60 kg, para estar em risco, teria que beber todo dia entre 12 e 36 latas de refrigerante diet, dependendo da quantidade de substância na bebida.
Como é no Brasil
👉 No Brasil, um informe técnico da Anvisa sobre a substância publicado em 2020 (e atualizado em 2021) não cita nenhuma correlação do aspartame com o câncer.
O texto ressalta que o aspartame vem sendo objeto de extensa investigação científica, incluindo estudos experimentais, pesquisas clínicas, estudos epidemiológicos e de exposição e vigilância pós-mercado.
Uso de aspartame
O aspartame tem sido estudado por anos. No ano passado, uma pesquisa observacional feita na França com 100 mil adultos mostrou que pessoas que consumiam grandes quantidades de adoçantes artificiais – incluindo aspartame – apresentavam risco ligeiramente maior de ter câncer.
Outra pesquisa feita pelo Instituto Ramazzini, na Itália, no início dos anos 2000, relatou que alguns tipos de câncer em camundongos e ratos estavam ligados ao aspartame.
No entanto, o primeiro estudo não conseguiu provar que o aspartame causou o aumento do risco de câncer. Além disso, questões foram levantadas sobre a metodologia da segunda pesquisa, inclusive pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos.
- O uso do aspartame é autorizado em todo o mundo por reguladores que revisaram todas as evidências disponíveis.
- Os principais fabricantes de alimentos e bebidas defendem o uso do ingrediente há décadas. A Iarc disse que avaliou 1.300 estudos em sua revisão de junho.
Ajustes recentes feitos nas receitas da gigante de refrigerantes Pepsico mostram a dificuldade que a indústria enfrenta quando se trata de equilibrar as preferências de sabor com as preocupações com a saúde. A empresa removeu o aspartame de refrigerantes em 2015, trazendo-o de volta um ano depois. A Pepsico deixou de usar a substância novamente em 2020.
Listar o aspartame como um possível carcinógeno tem como objetivo motivar mais pesquisas, segundo fontes que são próximas da Iarc. Isso poderá ajudar agências, consumidores e fabricantes a tirar conclusões mais firmes.
Mas também, provavelmente, acenderá o debate mais uma vez sobre o papel da agência, bem como a segurança dos adoçantes em geral.
No mês passado, a OMS publicou diretrizes aconselhando os consumidores a não usar adoçantes sem açúcar para controle de peso. As diretrizes causaram furor na indústria de alimentos, que argumenta que os produtos podem ser úteis para consumidores que desejam reduzir a quantidade de açúcar na dieta.
Pressão e críticas
A informação de que a OMS deve apontar a substância como potencialmente cancerígena foi obtida pela agência Reuters com duas fontes que possuem conhecimento no assunto.
Decisões semelhantes da Iarc no passado para substâncias diferentes levantaram preocupações entre consumidores e resultaram em ações judiciais, além de pressionar fabricantes a recriar receitas e procurar por alternativas.
🚨 A agência também foi alvo de críticas, que afirmam que as avaliações da Iarc podem ser confusas para o público.
Essa recomendação do comitê é amplamente compartilhada por órgãos reguladores de países da Europa, além dos Estados Unidos.
Enquanto isso, segundo o porta-voz, o JEFCA “realiza avaliação de risco, que determina a probabilidade de um tipo específico de dano [como o câncer] ocorrer sob certas condições e níveis de exposição”.
No entanto, a indústria e os reguladores temem que manter os dois processos ao mesmo tempo possa ser confuso, de acordo com cartas de reguladores dos Estados Unidos e do Japão, as quais a Reuters teve acesso.
Impacto das decisões da agência
As decisões da Iarc podem ter um impacto enorme:
- Glifosato
Em 2015, a agência concluiu que o glifosato é “provavelmente cancerígeno”. Anos depois, mesmo quando outros órgãos contestaram a avaliação, as empresas ainda sentiam os efeitos da decisão.
Em 2021, por exemplo, a Bayer da Alemanha perdeu seu terceiro recurso contra vereditos de tribunais dos EUA que concederam indenizações a clientes diagnosticados com câncer que culpavam a empresa pelo uso de herbicidas à base de glifosato.
- Trabalho noturno e carne vermelha
Alertas da agência também enfrentaram críticas por provocar alarmes desnecessários sobre substâncias ou situações difíceis de evitar.
Anteriormente, a Iarc colocou o trabalho noturno e o consumo de carne vermelha na categoria “provavelmente causador de câncer”. O uso de telefones celulares recebeu a mesma classificação, que é semelhante à do aspartame.
A associação, cujos membros incluem a Mars Wrigley, uma unidade da Coca-Cola e a Cargill, disse ter “sérias preocupações com a revisão da Iarc, que pode enganar os consumidores”. G1