Correio da Bahia

O coronavírus não é mais aquele. Suponhamos que fosse possível tirar duas fotos do coronavírus aqui no Brasil, uma em fevereiro de 2020, quando tivemos o primeiro caso registrado, e outra atual. Poderíamos até dizer que não é a mesma “pessoa”, mas é. A diferença é que o registro atual está mais robusto, ganhou novas formas, maior poder de contágio e, em estudos preliminares, mais letais. Não estamos falando de um filme de ficção científica. É a realidade de um vírus que parou o mundo e, enquanto comemoramos o início da vacinação, ele continua evoluindo. Pior: temos uma grande parcela  de culpa.

Desde dezembro do ano passado, cientistas do mundo todo detectaram novas variantes do vírus que estariam contribuindo para um novo pico da pandemia, além de novos casos de reinfecções pelo mundo. Em Londres, a variante batizada de B.1.1.7 foi detectada como responsável pela segunda onda no Reino Unido. Estudos apontaram que esta nova versão do coronavírus sofreu uma mutação que proporcionou ao vírus um poder maior de contágio, que pode chegar a 70%. Não é tudo.

Segundo o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, ele também é mais letal. Estudos preliminares podem provar esta afirmação. “Além de se disseminar mais rapidamente, agora parece haver evidência de que o nova variante detectada em Londres e no sudeste pode estar associada com um grau mais alto de mortalidade”, explicou Boris. Vale lembrar que outros 60 países já detectaram o B.1.1.7.

Afinal, o que são variantes? Como todos os vírus, o Sars-CoV-2 é campeão em sofrer variações genéticas por meio de constantes tipos de mutações. Simplificando, variantes são versões do coronavírus, como uma nova atualização do Iphone ou Android. Já a mutação são como as “melhorias” que esta atualização proporcionou ao celular. Desde sua descoberta, em dezembro de 2019, o coronavírus sofreu diversas mutações genéticas. Algumas são imperceptíveis. Contudo, outras estão se mostrando mais agressivas, com carga viral que facilita ainda mais o contágio, além de serem mais letais.

Para quem gosta de uma aglomeração em plena pandemia, saiba que você está jogando com o inimigo e contribuindo para que o Sars-CoV-2 evolua mais rápido. “O contágio é fruto da ignorância do povo. Vimos as eleições, que foi um erro. Foram frequentes aglomerações neste período de eleições. Depois, Natal e ano novo. As praias estão lotadas. Quando você não liga para esta situação, acontece o que estamos vendo no Amazonas. A população tem muita culpa, pois não se protege contra o vírus. Aglomera, faz festa e paredão”, diz o virologista e coordenador do Laboratório de Virologia da Ufba, Gúbio Soares. Ele também descobriu o zika vírus.

Evolução 
Como todo ser vivo, o grande objetivo do vírus é sobreviver. Para tanto, o coronavírus evolui a cada contágio, criando novos tipos de mutações e variantes com a finalidade  única de permanecer no hospedeiro, neste caso o ser humano. A importância do isolamento social não é apenas para conter o contágio, mas também para controlar  estas variantes do coronavírus, que até então se mostrou mais forte que seus antecessores. Com novas evidências, até que ponto as mutações podem prejudicar as vacinas atuais?

“Ainda não sabemos. Na verdade, nem sabemos se as vacinas serão suficientes para conter o vírus e suas variantes. Se implantou  no mundo que a vacina vai resolver o problema. Não podemos ter certeza disso. Nenhuma vacina  é capaz de neutralizar o vírus para sempre. Ainda vamos ver o vírus durante todo 2021. Talvez, no segundo semestre de 2022 tenhamos uma queda significativa do coronavírus. A população quer agora liberar carnaval, estádio, voltar a ter uma vida normal. Esqueçam vida normal como tínhamos antes”, afirma Gúbio. O virologista não quer dizer que a vacina não tem seu valor. Muito pelo contrário.  Gúbio Soares teme que a vacina sirva como uma falsa segurança de que a pandemia acabou.

“A preocupação não é apenas se teremos uma excelente resposta, mas quanto tempo vai durar o efeito (justamente por conta das variantes). Se ela durar seis meses, daqui a seis meses todos terão que se vacinar novamente, o que vai gerar altos custos. Vamos confiar na vacina, mas não podemos ter a falsa ideia de que estamos totalmente protegidos e que acabou a pandemia. Este é o grande perigo. O vírus RNA, como dengue, zika, coronavírus e HIV, tem várias mutações importantes e sempre vão lutar contra os medicamentos e vacinas. É natural de qualquer vírus modificar sua variante para continuar infectando. Precisamos agora investir na ciência para aprofundarmos os estudos sobre este vírus invisível que mudou o mundo para sempre. A vacina é uma poderosa arma, mas ainda temos que nos proteger usando máscara e evitando aglomerações. É a regra do jogo “, completa o virologista.  A boa notícia  é que, pelo menos por enquanto, nenhuma variante se mostrou tão perigosa a ponto de prejudicar as vacinas que estão sendo produzidas.

Corona brasileiro
Não é motivo de orgulho para ninguém, mas o Brasil pode ter criado uma variante genuinamente brasileira do vírus: o P.1, recém-descoberto em Manaus. Assim como a linhagem encontrada no Reino Unido, esta nova versão brasileira tem a mutação conhecida como E484K, responsável pelo  aumento da transmissibilidade do vírus e casos de pacientes que contraíram novamente o covid-19. Este tipo de mutação está presente também na linhagem B.1.1.248, encontrada recentemente na Bahia e Rio de Janeiro. A 501.V2, encontrada na África do Sul, também tem a mesma mutação.

Apenas um estudo foi feito, até agora, sobre o P.1. Amostras coletadas em dezembro de 2020 demonstraram que 43% das 31 amostras tinham a presença na variante brasileira. Isto em dezembro. Atualmente, ela já foi detectada em Curitiba e no Japão. E pode piorar.

“Essa dimensão que estamos vendo num contexto em que pelo menos 30% a 40% da população já tinha sido exposta ao coronavírus só pode ser porque essa nova cepa se propaga muito mais rápido que todas as 11 variantes que circularam antes na região (de Manaus). E a pior consequência é a possibilidade de dimensionar essa nova cepa Brasil afora, porque estamos mandando dezenas de pacientes daqui para outros estados. Em outras palavras, estamos mandando o vírus para outros estados”, disse  a epidemiologista da Fiocruz Amazônia, Jesem Orellana, ao jornal O Estado de S.Paulo.

Para conseguir controlar as variantes, é preciso catalogar cada uma delas, o máximo possível, para se familiarizar com o inimigo e saber até que ponto ele é perigoso. Para se ter uma ideia, uma empresa da Islândia conseguiu sequenciar o genoma de todas as variantes encontradas no país. No Brasil, só foi possível sequenciar 0,024% de suas variantes. A última morte registrada na Islândia foi no dia 29 de dezembro. Só na última sexta-feira, a Bahia registrou 34 óbitos pelo ´covid-19. (Correio da Bahia)