Foto : Valter Pontes/Secom

Muito antes de os relógios marcarem 12h e os shoppings reabrirem no último final de semana em Salvador, após mais de quatro meses sem funcionar, o que se via na porta dos principais centros comerciais da cidade era justamente aquilo que as medidas de isolamento buscam evitar: aglomerações. As filas para esperar a reabertura das lojas acenderam um alerta em quem trabalha no combate ao novo coronavírus. O Correio da Bahia conversou com infectologistas baianos para entender por que ainda é importante respeitar o isolamento.

Para os médicos a resposta é clara. O comércio está reabrindo mas a pandemia ainda não está controlada. Ir aos shoppings, ou sair de casa para qualquer outra atividade que não seja de primeira necessidade, e que acabe gerando aglomerações, é se colocar em risco. “É inacreditável olhar para as imagens das filas. A perspectiva é sombria, não há qualquer respeito ao distanciamento social. As pessoas estão próximas umas das outras. Você não tem como saber quem está tomando os cuidados de manter as mãos limpas, fazendo o correto ao espirrar, ao tossir, na hora de manipular olho, boca, nariz, e tudo isso acaba contribuindo para disseminar o vírus”, explica o infectologista do Hospital Couto Maia, Fábio Amorim, ao analisar os registros do primeiro dia de reabertura.

O médico diz que as consequências das aglomerações causadas pela reabertura só serão sentidas pelo sistema de saúde daqui a alguns dias. É que o tempo médio entre a pessoa adquirir a doença e manifesta-lá, apresentando a primeira complicação, é de cerca de dez dias. O que precisa ser observado desde já é o cuidado na hora de decidir sair ou não de casa.

“O cuidado é necessário em qualquer lugar que você esteja, porque você pode ser o mais zeloso na sua integridade e no seu cuidar, mas a pessoa que passa ao seu lado pode não ter a mesma preocupação ou cuidado que você”, alerta Fábio. “A gente tem que pensar muito bem quando decide ir para um aglomerado daquele dos shoppings. É preciso se perguntar o que é essencial, se realmente é necessário ir neste momento, ir fazer fila”, diz.

Para os profissionais, um dos maiores riscos é também o de passar o recado de que a pandemia está controlada. “As pessoas não podem entender essa reabertura do comércio como se a gente já estivesse saindo da pandemia, porque não é isso o que tá acontecendo. A gente pode voltar a ver o sistema de saúde sobrecarregado. Uma parcela dessas pessoas que ficarem doente porque estão saindo vão precisar do suporte hospitalar e não tem suporte para todo mundo ao mesmo tempo”, avisa Clarissa Ramos, infectologista do Hospital Cardiopulmonar.

Tempo certo
Apesar de iniciada a primeira fase de reabertura – que começou porque a ocupação de leitos se estabilizou abaixo de 75% nos últimos cinco dias –, os médicos chamam atenção para a possibilidade de essa primeira fase não se estender por muito tempo. Diante do que se viu nos shoppings, o risco de uma nova sobrecarga é grande.

“Quando a gente começou, se falava inclusive em isolamento precoce, porque o vírus ainda não estava circulando tão fortemente na cidade. Hoje, o vírus já circula de forma efetiva na população, com um possibilidade de uma parcela de assintomáticos (tem a infecção sem apresentar sintomas). A partir do momento que as pessoas vão todas para a rua ao mesmo tempo, a quantidade de vírus no ambiente é muito maior. A chance de aquisição da doença é muito maior agora do que foi há quatro ou cinco meses”, explica Clarissa.

Os profissionais de saúde afirmam que os estudos indicam que cerca de 10% a 15% da população podem ser assintomáticos e, ao ir às aglomerações, acabam por contribuir para que o vírus se espalhe.  “A carga viral agora é muito maior. As pessoas estão se expondo e tudo aquilo que foi desenhado, planejado, pode ter ido por terra no dia de hoje”, lamenta Fábio.

Há quem defenda, que o critério utilizado para determinar a reabertura não foi o mais seguro. Segundo a infectologista Ceuci Nunes, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a transmissão esteja em queda por 14 dias antes que as medidas de isolamento sejam flexibilizadas e a cidade reaberta.

“Esse seria o critério mais seguro. Mas está se usando o critério de leitos de UTI. Então existe o risco, o shopping é um ambiente fechado, e por mais que você tenha cuidados, você está se expondo a um risco grande, principalmente sem o distanciamento adequado, que é o que a gente vê nas imagens”, diz a profissional.

Para aqueles que decidirem se expor ao risco um lembrete de quem trata a doença. Na rua, os cuidados de higiene são necessários e importantes, mas nunca anulam o risco de acabar contaminado. “É preciso manter a distância e os bons hábitos de higiene, higienizar as mãos, não pegar no rosto. Máscaras, álcool gel, tudo isso reduz o risco, mas não elimina”, defende Clarissa Ramos. Informações do Correio da Bahia