Foto: Renato Barbosa/WhatsApp

Um supermercado em Recife (PE) cobriu o corpo de um colaborador que morreu de um mal súbito e permaneceu funcionando normalmente até que o Instituto Médico Legal local o removesse. Por si, o episódio já é uma crônica urbana das mais tristes do passado recente. O homem ficou escondido sob guarda-sóis e entre engradados de cerveja. Talvez essa pictórica cena fale mais sobre o Brasil do que samba e futebol. Uma pena.

Passamos de 110 mil mortos no país em decorrência do novo coronavírus. Esses são os números oficiais, sem levar em consideração a subnotificação e as mortes invisíveis ao Estado. No entanto, a sociedade discute a retomada da normalidade, como se a pandemia estivesse controlada e já houvesse uma vacina imunizando a população. É certo que permanecer com tudo fechado iria acelerar ainda mais o nosso colapso social. Mas isso não quer dizer que seja adequado fingir que voltamos ao que era antes.

Os guarda-sóis e as grades de cerveja são símbolos do esforço de muitas pessoas em negar que a Covid-19 deixou milhares de famílias enlutadas, milhões de pessoas doentes e sequelas que sequer começamos a entender. Por mais que haja o esforço para não ver o que está diante dos olhos, vítimas com nomes e sobrenomes são mais do que os números divulgados diariamente – não por sadismo da imprensa, como se apressam a julgar, mas para demonstrar a real dimensão da tragédia.

Para quem cercou e cobriu o corpo do representante comercial com itens do próprio supermercado, pareceu pouco importante a história daquele homem que encarou a própria morte ali, onde prestava serviço. Isso não quer dizer que houve um total desrespeito. Não dá para julgar sem saber o contexto completo. Porém não podemos aceitar a normalização de uma morte, como se aquela vida que se esvaiu fosse nada: vamos continuar funcionando, pois a rotina continua.

Quando falamos de retomar a normalidade, sinto-me como se estivesse circulando no supermercado de Recife. Nos corredores, havia um corpo. Uma família enlutada. Mas ainda assim, era preciso continuar a vida. Continuar seguindo. Mesmo que, para isso, fosse necessário fingir que ali não repousava uma pessoa. Que não descansava uma vítima da nossa própria insensatez. Nossa vida segue. A dele e de milhares de vítimas do coronavírus, não. Por Fernando Duarte/Bahia Notícias