Foto: Alexandre Mauro/G1

Francivaldo Silva, Xaynna Shayuri Morganna, Gabriel da Silva Oliveira, Robson Rocha dos Anjos, José Carlos Cirilo dos Santos Júnior e Hércules Pereira de Jesus nunca tiveram nenhuma relação entre si. Suas histórias, no entanto, compartilham de um mesmo fim trágico: foram assassinados em uma mesma semana de 2017 e os crimes de que foram vítimas permanecem sem nenhuma solução até agora, dois anos depois.

Na semana em que foram assassinados, entre 21 e 27 de agosto daquele ano, a Bahia registrou 99 mortes, cujos inquéritos são acompanhados pelo Monitor da Violência, projeto especial do G1 que mapeia o andamento de investigações e processos envolvendo os crimes violentos do período.

Os casos de Francivaldo, Xaynna, Gabriel, Robson, José e Hércules não são isolados. Isso porque, do total de inquéritos abertos pela polícia para apurar as mortes ocorridas naquela semana específica, 51,6% seguem em andamento na polícia e quase metade (40 inquéritos, ou 44% do total) não conseguiu identificar os autores do crime e nem a motivação.

Quarenta a um por cento dos inquéritos foram concluídos e somente 5% chegaram a ser julgados pela Justiça. É o que revela um novo levantamento exclusivo feito pelo G1, agora em 2019.

Em todo o país, foram 1.195 mortes registradas de 21 a 27 de agosto de 2017. Quase a metade ainda segue em investigação na polícia. Só um em cada cinco casos teve uma prisão efetuada, e menos de 5% já têm um condenado pelo crime.

Os novos dados sobre as mortes ocorridas na Bahia mostram que:

  • Dos 89 inquéritos abertos pela Polícia Civil do estado para apurar as 99 mortes, 46 (51,6%) permanecem em andamento37 (41,5%) já foram concluídos e dois (2,2%) foram arquivados. Os outros quatro (4,4%) inquéritos não tiveram informações divulgadas pela polícia e, por conta disso, não foi possível saber como andam as investigações — 3 deles estão relacionados a mortes por intervenções policiais um sobre uma morte ainda em apuração, cujas causas são investigadas.
  • Do total de mortes do período, 2 foram classificadas como suicídio pela polícia e 1 reclassificada para morte não violenta. Além disso, 5 foram em decorrência de intervenções policiais e uma ainda está por ser esclarecida.
  • Dos inquéritos dados como concluídos pela polícia, 5 foram remetidos à Justiça sem a identificação dos autores dos crimes e caberá à Justiça decidir se, por conta disso, arquiva os casos ou se solicita novas diligências a fim de esclarecer os assassinatos. Outros 29 inquéritos foram concluídos pela polícia com os autores das mortes identificados — um deles foi arquivado depois, conforme o MP, porque a vítima foi morta por um policial, que, segundo o inquérito, agiu em legítima defesa ao reagir a um assalto
  • Dos casos com inquéritos que ainda estão em andamento, a polícia informou que 34 ainda não têm autores identificados. Os outros 12 já estão com autoria identificada, mas ainda não foram dados como concluídos, entre outros motivos, porque a polícia ainda está reunindo provas contra os suspeitos e realizando diligências complementares.
  • Dos casos com investigações arquivadas, um não teve autoria identificada e outro foi reclassificado para morte por intervenção policial por legítima defesa
  • Dos casos com investigações já concluídas pela polícia e com autores identificados, ao menos 23 já tiveram os suspeitos dos crimes denunciados à Justiça pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA).
  • Cinco casos foram julgados.

O Código de Processo Penal determina que um inquérito policial seja concluído em 10 dias quando houver prisão em flagrante ou 30 dias, em caso de inexistência de prisão cautelar. Os delegados, no entanto, podem pedir um prazo maior para elucidar o caso – o que normalmente acontece. Por isso, mais da metade dos crime segue com a investigação em aberto na polícia dois anos depois.

Crimes sem solução

Francivaldo Silva Santos, de 30 anos, foi assassinado a tiros no município de Antônio Cardoso, a cerca de 140 km de Salvador. De acordo com a polícia, ele morava em uma localidade conhecida como Orobó, na zona rural do município, e foi morto dentro de casa, na Fazenda Orobó. Ele foi atingido por disparos em diversas partes do corpo.

A polícia informou, em agosto de 2019, que ainda não tinha informações sobre a autoria e motivação do crime. Destacou, ainda, que o inquérito que apura o caso foi remetido à Justiça no dia 31 de janeiro de 2019 e que, como o autor do crime ainda não foi identificado, aguarda posicionamento sobre necessidade de novas diligências.

A travesti Xaynna Shayuri Morganna, de 41 anos, foi morta a tiros na cidade de Cachoeira, no recôncavo da Bahia. Era era militante das causas de LGBT no município e estava à beira do Rio Paraguaçu quando foi atacada por três homens armados, que chegaram ao local em um carro. Os suspeitos ainda não forma identificados.

A Polícia Civil informou que o inquérito está em andamento e que aguarda resultado de exame pericial para dar prosseguimento à investigação. Robson Rocha dos Anjos foi baleado na 1ª Travessa Vinte de Agosto, no bairro de Campinas de Pirajá, em Salvador, e chegou a ser socorrido pela mãe para o Hospital Geral do Estado (HGE), mas não resistiu aos ferimentos.

A Polícia Civil informou que o inquérito que apura o caso foi remetido à Justiça mesmo sem identificação de autoria. O crime cometido contra Gabriel da Silva Oliveira, de 19 anos, morto a tiros no município de Camaçari, na região metropolitana de Salvador, ao contrário dos dois anteriores, já teve o inquérito concluído, mas ainda não se sabe quem o matou.

A vítima foi baleada no Condomínio Sabiá, no bairro Jardim Limoeiro. A Polícia Civil informou que o inquérito que apura o crime foi remetido à Justiça, com relatório final, no dia 23 de janeiro de 2019, mas que não conseguiu identificar a autoria do crime. O G1 procurou o Ministério Público da Bahia (MP-BA) e o Tribunal de Justiça (TJ-BA) para saber atualizações do caso, mas não obteve retorno.

Julgamentos

Dos cinco crimes julgados até agora, quatro tiveram os autores condenados pela Justiça. Um deles envolveu o homicídio que teve como vítima José Carlos Matias, 35 anos, morto a pedradas dentro de casa, pelo próprio irmão, no município de Sobradinho, no norte da Bahia. O autor do crime, Edimar Genésio da Silva, 27 anos, foi condenado a 15 anos de prisão em regime fechado.

Outro caso julgado foi o relacionado à morte do jovem Ricardo Alves de Souza Silva, de 29 anos, morto a facadas pelo primo, um adolescente de 16 anos, no município de Jaguarari, no norte da Bahia. Em julgamento, o menor foi condenado a três anos de internação.

Em Itamaraju, no sul da Bahia, Nilton Silva da Costa, acusado de matar o jovem Fábio Ramos dos Santos, de 28 anos, com um golpe de faca foi condenado pela Justiça a 15 anos e um mês de reclusão pelo crime, que, segundo a polícia, foi motivado por uma briga entre o criminosos e a vítima.

Em Candeias, um jovem de 18 anos foi condenado a três anos de internação na Comunidade de Atendimento Socioeducativo (Case) após ser acusado de matar a tiros um homem identificado como Leonardo dos Santos de Carvalho, de 30 anos. O crime ocorreu quando o suspeito ainda era menor de idade e, por conta disso, ele foi condenado à internação.

O único caso em que o autor da morte não foi condenado envolveu o assassinato de um homem identificado como Tiago Ferreira de Araújo, de 51 anos. Ele foi morto pela própria companheira, mas ela foi absolvida da acusação porque, conforme a investigação, era constantemente agredida pelo homem e, no entendimento da Justiça, a agiu em legítima defesa. G1