Após a divulgação dos dados iniciais do Censo 2022, A TARDE dá início a uma série de matérias com base nas descobertas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E a primeira delas busca entender o que está por trás dessa queda de 9,63% da população soteropolitana – o maior encolhimento entre as capitais. Uma busca por melhor qualidade de vida? Queda da natalidade? Consolidação do home office? As razões são inúmeras, apontam especialistas, e outros dados ainda são suficientes para chegar a uma resposta realista.
Como passamos 12 anos sem dados atualizados do Censo Demográfico, esse encolhimento populacional de Salvador parece algo extremo, mas não é, explica o mestre e doutor em geografia, Clímaco César Siqueira Dias, docente da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Isso porque estamos falando de um encolhimento de 9,63% dividido por 12 anos, o que não chega nem a 1% de queda por ano. E enquanto o prefeito coloca a violência como a principal causa dessa queda e o governador afirma ser a infraestrutura da capital, o professor explica que as causas são inúmeras, de qualidade de vida até a oportunidade de morar em outro país.
“Muitas respostas serão dadas em breve pelo próprio IBGE, quando divulgarem dados atualizados de natalidade e faixa etária, por exemplo, mas pesquisas direcionadas, feitas até mesmo por outras instituições, também são importantes nesse caso. Não para tudo, mas para algumas temáticas, como o papel do home office nisso. Só assim teremos um diagnóstico geral que irá ajudar no planejamento municipal, estadual e federal. Mas em si, essa queda não é o fim do mundo”, afirma Clímaco.
O motivo de o analista de sistemas, Hermes Pinheiro Neto, e sua família terem se mudado, por exemplo, foi o desejo de morar em uma casa. Então, em 2019, eles saíram de Salvador para morar em Abrantes (Camaçari) – que teve um crescimento populacional de 23,3%. “Um casal de amigos já havia feito esse mesmo movimento e nós gostamos do lugar: condomínio fechado, espaçoso, tranquilo, praia perto. Achar uma casa em Salvador com essa estrutura e valor seria extremamente difícil. Hoje eu resistiria bastante em sair daqui”, conta.
Motivos semelhantes aos do professor e engenheiro químico Diniz Alves de Santana Silva, e sua família, que se mudaram para a mesma região em 2015. “Em Abrantes na época e ainda hoje, você encontra casas maravilhosas pelo preço de apartamentos em Salvador. A nossa mudança foi principalmente pela qualidade de vida, em especial para nossa filha mais velha, que na época estava para nascer. O ritmo daqui é muito diferente, e ainda que seja longe de algumas coisas, eu não trocaria essa tranquilidade por Salvador de jeito nenhum”, afirma o engenheiro.
Outras causas
Supervisora de Disseminação de Informações do IBGE na Bahia, Mariana Viveiros acredita que já existem fatores que lançam alguma luz sobre esse encolhimento populacional, e o primeiro deles é que Salvador não está sozinha nesse movimento. “Quatro das nove capitais do Nordeste, Rio de Janeiro e Belo Horizonte no Sudeste, e Porto Alegre no Sul também tiveram queda. E isso tem acontecido em outros países, principalmente nos Estados Unidos. Tem havido certa saturação nas grandes metrópoles, então essa queda não é algo surpreendente a nível global, mas nos surpreendeu aqui por ter acontecido antes do esperado”.
Uma projeção do IBGE divulgada em 2018, por exemplo – que teve como base os dados do Censo 2010 –, previa que a população da Bahia em 2022 seria de 15.036.517, 6,37% a mais que o resultado atual. “Outro fator importante é que Salvador, assim como outras metrópoles do mundo, tem uma natalidade muito baixa. Em 2021, o número de nascimentos foi o menor em 48 anos. Sem falar no movimento migratório de pessoas saindo da Bahia para outros estados, assim como a constante mudança de pessoas da capital para cidades médias próximas”, explica a supervisora.
De Feira de Santana – cidade da RMS que teve um crescimento populacional de 10,72% –, a psicóloga Xênia Maria Pita Cirqueira conta que a irmã, que era de Salvador, se mudou para Feira para estudar e trabalhar. “É uma cidade que vem crescendo e acho que muitas pessoas têm optado por morar nela em busca de oportunidades melhores e pela qualidade de vida. Por mais que Feira tenha de tudo, não é como Salvador. Quando vou para a capital, fico incomodada com tanto movimento, trânsito e correria”, conta Xênia, que costuma visitar Salvador a passeio com a filha Nandah Pita Cirqueira Almeida, de 10 anos.
E uma parte dessa busca por qualidade de vida, explica o corretor de imóveis Adalberto Duque, teve início na pandemia do Covid-19. “Por causa do isolamento e do home office, muitos alugaram e compraram casas em municípios próximos da capital. A situação hoje é que muita gente resolveu fazer dessas casas a sua residência principal, enquanto alugam os empreendimentos de Salvador. Claro que há aqueles que voltaram, principalmente por causa dos filhos, mas a realidade é que temos menos gente voltando e mais gente permanecendo nessas cidades”.
Uma dessas pessoas é a profissional de educação física e instrutora de natação, Cristiana Márjorie Trindade Freire, que morava em Stella Maris e na pandemia passou a morar em Barra do Jacuípe (Camaçari). “Em agosto de 2022 voltei a Salvador para ficar perto da minha filha que estava gestante, mas agora, no final de julho, volto para Jacuípe, principalmente pelo custo de vida muito alto de Salvador, além de todo o trânsito e violência. A desvantagem de Jacuípe é a distância que fico da minha família, mas lá tenho uma melhor qualidade de vida, casa, quintal, rio, praia e tudo isso”, afirma. A Tarde