No meio de uma multidão, ele chega devagar, se ajoelha na escadaria, amarra a fitinha no adro da Basílica Santuário Senhor Bom Jesus do Bonfim, e faz três pedidos: um para cada nó. A descrição poderia ser de uma pessoa especifica, mas, especialmente nesta quinta-feira (11), ela representa milhares de fiéis que participam da secular Lavagem do Bonfim, em Salvador.
A festa faz parte das celebrações em homenagem ao santo, que começaram no dia 4 de janeiro e vão até o domingo (14). Em um cortejo de oito quilômetros, católicos, candomblecistas e umbandistas se juntaram para agradecer, pedir paz, saúde, proteção e bênçãos para o ano que começa.
Os desejos para o Senhor do Bonfim e Oxalá, orixá que representa o santo católico no sincretismo das religiões de matriz africanas, são diversos. Amigas, o trio de atletas amadoras formado por Cecinha, Lú e Patrícia chegou bem cedinho à igreja, antes mesmo das 7h. Elas fazem o percurso do cortejo juntas, correndo, há, pelo menos, cinco anos. Desde a saída da Igreja da Conceição da Praia, elas mentalizam os pedidos e agradecem pelo ano que passou.
“Aqui [na Lavagem do Bonfim] começa a abertura de todo ano. É uma renovação e celebração da vida e, principalmente, da nossa saúde para chegar aqui. A ele [Senhor do Bonfim], só temos a agradecer as bênçãos do divino. E se tem que pedir alguma coisa é saúde, porque o resto é consequência”
Lú, que antes de fazer o cortejo com as amigas já correu outros três anos sozinha, completa: “Para nós, é o pontapé inicial das nossas corridas. É a primeira do ano. Então é justo que a gente venha agradecer e pedir proteção para a vida”. Vendedor das famosas fitinhas do Bonfim e outros símbolos de proteção há mais de 20 anos, Nilton Jorge da Silva, já viu muitas histórias de devoção.
Na família dele, a tradição de vender as fitinhas é passada há várias gerações. “Quem passou para mim foi minha mãe. Agora, além das fitinhas eu vendo terço, vela, figas. Sempre renovando a fé das pessoas”, disse. Mesmo o branco sendo a cor que representa as duas divindades religiosas, junto com o azul, Nilton garante que todas as cores do adereço são vendidas igualmente. “Os fieis costumam comprar o maço colorido, porque cada cor representa um santo e um orixá. Muitos turistas nos procuram, mas os baianos são meus principais clientes”
Banho de folhas
A candomblecista Gláucia Costa participa pela segunda vez da Lavagem do Bonfim, oferecendo, em frente à basílica, banhos de folhas para os fiéis, independente da religião de quem aceita. “É uma espécie de purificação, como as rezadeiras fazem. No entanto, a gente usa outras folhas, como a arruda, que protege contra o mal olhado”.
“Muita gente cobra para fazer, mas a gente não. Um verdadeiro servo trabalha por caridade. Por vezes, o pessoal doa pequenos valores como forma de agradecimento. Esse dinheiro, é o que a gente usa para fazer oferendas a Oxalá”, explicou Glaucia. Além da arruda, ela usa a aroeira, para limpeza do corpo e a “pemba” de Oxalá, um tipo de pó branco, que serve para acalmar os caminhos, de acordo com Glaucia.
Uma das pessoas que tomaram banho de aroeira foi a turista Ramona Greice, da cidade de Cruz das Almas, no Recôncavo Baiano. Ela participa há cinco anos da Lavagem do Bonfim e sempre faz o ritual. “É muito importante vir, pagar as promessas, agradecer, pedir prosperidade e paz”, falou ela, que fez mistério com relação aos pedidos e promessa. Por insistência, ela só revelou: “É saúde”.
Promessas
Os pagadores de promessa são muitos. Desde o rapaz que sobe a Colina Sagrada de joelhos, em uma súplica silenciosa, à baiana que lava as escadarias da igreja há 37 anos. O homem que fez o percusso ajoelhado preferiu não dar entrevista. A católica Márcia dos Santos, de 52 anos, fez o pedido de cura da saúde em troca da caminhada de 8 km. Para pagar uma promessa, ela fez o cortejo vestida de baiana.
“Faço o percurso completo desde 1981. Minha promessa foi um pedido ao Senhor do Bonfim para voltar a andar direito, e voltei. Já paguei a ele [o santo] o que devia, mas continuo todo ano para agradecer”. Filho de Ogum, Mariano Rodrigues saiu da cidade de Barreiras para a capital, também para pagar uma promessa, mas também preferiu não revelar o pedido que o faz participar da festa há oito anos. “Oxalá é o orixá mais importante da minha religião, o candomblé. Assim, eu me sinto como seu filho também. Vir aqui é uma forma, não só de pagar a promessa, mas também de agradecer”.