Agência Brasil

As empresas do chamado Sistema S deverão detalhar suas contas na internet, conforme as regras já aplicadas ao setor público, determinadas pela Lei de Acesso à Informação (LAI). A determinação está em decreto do presidente Jair Bolsonaro, assinado também pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e o chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário.

De acordo com o decreto (9.781/2019) publicado em maio, as novas regras entram em vigor em 90 dias, ou seja, em agosto, mas a data inicial das prestações de contas, e o período englobado, ainda não foram definidos. “Ato conjunto da CGU e Ministério da Economia disciplinará essa questão”, informou a Controladoria-Geral da União.

O sistema S, que surgiu a partir do processo de falta de mão-de-obra qualificada decorrente do processo de industrialização ocorrido nos anos de 1940, é formado por entidades empresariais voltadas para o treinamento profissional, assistência social, consultoria, pesquisa e assistência técnica. Atualmente, 9 entidades compõem o sistema:

  • Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai)
  • Serviço Social do Comércio (Sesc)
  • Serviço Social da Indústria (Sesi)
  • Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (Senac)
  • Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)
  • Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar)
  • Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop)
  • Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat)
  • Serviço Social de Transporte (Sest)

De acordo com o secretário-adjunto de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, Igor Calvet, as empresas deverão prestar contas dos recursos públicos que recebem em portal na internet.

“O que o governo fez foi só dizer que, todo aquele ente que recebe contribuições, tem de prestar contas do recursos, inclusive com seus usos, em portal público”, explicou.

Segundo Calvet, o decreto não traz nada de excepcional, porque apenas diz que essas entidades têm de agir como as empresas públicas.

“A gente precisa saber como esse dinheiro está sendo utilizado. Ninguém precisa chegar lá e pedir. O que vier [recursos] de outras fontes privadas, aí é outro caso”, acrescentou.

De acordo com o decreto 7.724, de 2012, que disciplina o detalhamento exigido do setor público, deverão ser divulgadas informações sobre projetos e ações; repasses ou transferências de recursos; execução orçamentária e financeira detalhada; e licitações realizadas e em andamento, com editais, anexos e resultados, além dos contratos firmados e notas de empenho emitidas; programas financiados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador, entre outras.

A CGU informou, porém, ainda não está definido se o salário de cada trabalhador do Sistema S terá de ser publicado no site das entidades, a exemplo do que acontece com os servidores públicos, no portal da transparência.

“O provável é que seja exigido, em consonância com decisões do Tribunal de Contas da União, os valores mínimos e máximos de cada faixa salarial, o quantitativo de empregados em cada uma dessas faixas, e os critérios para a evolução na carreira, bem como os valores de gratificações que possam impactar na remuneração final dos empregados de acordo com o plano de cargos e salários. A princípio, é provável que as informações sejam publicadas nos sites de cada organização”, informou.

Sistema S

Embora sejam privadas e administradas por federações e confederações patronais, essas entidades são mantidas por contribuições estipuladas em lei e administram recursos públicos.

De acordo com informações do Tribunal de Contas da União (TCU), mais de 60% do orçamento do Sistema S é custeado por meio de “contribuições parafiscais”, ou seja, de tributos que incidem sobre a folha de salários das empresas.

Em 2018, segundo a Receita Federal, foram repassados R$ 17,08 bilhões. Em 2017, foram R$ 16,47 bilhões. As alíquotas das contribuições variam de 0,2% a 2,5%, dependendo do setor (indústria, comércio, agricultura, cooperativismo, transportes e micro e pequenas empresas).

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o sistema S tinha 3.431 unidades espalhadas pelo país em 2016 e possuía 158.631 empregados, além de pagar salários que somavam R$ 8 bilhões.

‘Meter a faca no Sistema S’

A discussão em torno do Sistema S voltou à tona em dezembro do ano passado, quando o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, que ainda não tinha assumido o cargo naquele momento, falou, durante discurso em evento com empresários na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), em “meter a faca” no Sistema S.

“Como é que você pode cortar isso, cortar aquilo e não cortar o Sistema S? Tem que meter a faca no Sistema S também”, afirmou. A fala do futuro ministro foi recebida com reação negativa da plateia, ao que ele seguiu: “Óóó! Vocês estão achando que a CUT perde o sindicato mas aqui fica tudo igual? O almoço é bom desse jeito, ninguém contribui?”, questionou, sendo seguido por aplausos.

O objetivo da área econômica, ao criticar o financiamento do Sistema S, não é arrecadar mais recursos, e sim desonerar a folha de pagamentos – algo considerado como uma “obsessão”, ou uma “paixão” do ministro da Economia – para aumentar o emprego.

Isso porque, de acordo com a lei, as contribuições ao Sistema S, embutidas na folha de pagamentos, têm de ser necessariamente destinadas a essas entidades. Deste modo, o governo não pode redirecionar essa arrecadação para o orçamento dos ministérios.

No começo de junho, ele falou novamente sobre o assunto: “o Sistema S faz coisas extraordinárias de treinamento, mas não com esse tipo de financiamento [tributo embutido na folha de salários]. Você não pode desempregar um trabalhador para educar o filho dele. Ele mesmo poderia educar se ele tivesse um emprego. Prezamos muito o trabalho de treinamento, mas nunca com esse imposto”, declarou, na Câmara dos Deputados.

Paulo Guedes não foi o primeiro chefe da área econômica a alvejar o Sistema S. Em 2015, o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que acabou de deixar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), chegou a anunciar que encaminharia alterações nas regras, mas acabou não levando-as adiante.

De acordo com Igor Calvet, do Ministério da Economia, eventuais alterações das regras de financiamento do sistema S têm de passar pelo Congresso Nacional.

“Seria uma medida provisória, e tem de passar pelo Congresso. Isso não é uma decisão discricionária do ministro ou do presidente da República. Decreto, juridicamente, não caberia aqui. Precisa do Parlamento para fazer essa alteração”, disse ele.

As medidas provisórias têm validade imediata, assim que publicadas, mas têm de passar pela aprovação do Congresso Nacional para continuarem em vigor.

TCU vê problemas de transparência

O Tribunal de Contas da União (TCU) julga processo, ainda em tramitação, por conta de requerimento do senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), para que sejam realizadas fiscalização nas entidades do Sistema S, e para que sejam informados os valores referentes à arrecadação, direta e indireta, de todas as entidades no ano de 2017.

Em 2016, o TCU avaliou, em relatório, que as entidades do Sistema S tinham, em sua maioria, estrutura complexa, com órgãos normativos, executivos e, às vezes, também fiscalizatórios.
Informou ainda que, de uma forma geral, a grande maioria das entidades publica seus orçamentos nos seus sítios eletrônicos na internet, mas acrescentou que, na avaliação dos orçamentos disponíveis, ficou evidenciado que a publicação se dá num nível de agregação muito alto, não permitindo qualquer tipo de análise sobre como são gastos os recursos públicos recebidos.
O TCU informou que algumas entidades não publicam ou publicam de forma insuficiente e/ou inadequada as demonstrações contábeis, e recomendou que apresentem suas demonstrações contábeis (também usualmente denominada demonstrações financeiras) de acordo com as normas regulamentares do Conselho Federal de Contabilidade (CFC).

“Percebe-se, pelas respostas declaradas dos gestores, que mais de 20% das entidades não publicam nenhum dado de suas licitações na internet, o que evidentemente vai de encontro ao princípio da publicidade”, informou o TCU, em 2016.

Acrescentou que a “má qualidade das informações prestadas [sobre licitações] também é percebida” e recomendou a “divulgação ampla nos seus sítios eletrônicos das informações sobre todos os processos licitatórios em andamento e aqueles recém finalizados”. G1