Trabalhar em casa durante a pandemia da Covid-19 é um privilégio. Além de evitar o contágio pela doença que já matou mais de 365 mil pessoas no Brasil, não é necessário arcar com o estresse do deslocamento. Porém, o formato “home office”, como é conhecido, tem acarretado alguns problemas que podem gerar consequências futuras. Alguns deles – sérios – são da área ortopédica.

Um estudo do Ipsos Global Advisor, realizado entre outubro e novembro de 2020, com 22 mil pessoas em 30 países, revelou que a redução de atividade física no mundo foi de 23%. No Brasil, a queda foi de 29%. Uma das causas para isso, segundo especialistas, é justamente o isolamento social. E quem está em regime “home office” sente mais. Segundo reportagem da CNN Brasil, um outro estudo, no Reino Unido, revelou que 80% das pessoas que trabalham em casa durante a pandemia relatam sentir algum tipo de dor nas costas, no pescoço ou nos ombros.

“O que a gente vem observando é um aumento da incidência de sintomas ansiosos e depressivos. Estão surgindo novos casos, e quem já tinha uma condição teve ela agravada pela pandemia. O indivíduo ansioso diminui muito o interesse por coisas prazerosas e atividades esportivas. No entanto, sabemos que a atividade física tem uma correlação inversa. A presença dela diminui o risco de se ter sintomas ansiosos e depressivos”, afirma o psiquiatra Lúcio Botelho.

O principal efeito dessa falta de movimentação do corpo é o surgimento de dores nas regiões mais utilizadas durante o período de trabalho. Inflamações como tendinite, burcite e cervicalgia (dor no pescoço) são as mais comuns.

“No ambiente de trabalho, um local sério, que se preocupa com o bem estar do funcionário, proporciona uma cadeira adequada, uma altura de computador adequado, para que a pessoa não fique com a cabeça olhando para cima ou para baixo. Em casa, o indivíduo deve se preocupar com essas mesmas coisas. Uma cadeira que dê apoio à lombar, apoio ao braço, que o peso do braço seja suportado por aquele suporte do assento. Que não fique sustentado pelo ombro. Isso leva a problemas de ordem ortopédica”, alerta o ortopedista Luis Alfredo, vice-presidente nacional da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Ombro e Cotovelo.

Essa má-sustentação citada pelo médico é intensificada pela fragilidade dos músculos que exercem a função. Segundo Luis, como a musculatura está em desuso, em virtude da falta de atividades físicas, ela fica mais fácida. “O tônus muscular diminui. A sustentação vai se dar pelo tônus de uma musculatura flácida”, diz.

Contudo, seja por falta de opção ou por outro motivo, muitos indivíduos têm escolhido locais inapropriados para trabalhar, como a cama, o sofá, ou em cadeiras que não oferecem o suporte necessário. Os prejuízos dessa escolha não são apenas de ordem ortopédica, mas psiquiátrica também.

“A gente precisa deixar o quarto, a cama, especial para dormir. Trabalhar na cama pode contribuir para um prejuízo na qualidade do sono. Para pacientes que têm insônia, a gente recomenda que reservem o quarto apenas para dormir. É importante reservar dentro de casa um local adequado para trabalhar”, complementa Lúcio Botelho.

As medidas para evitar que essas dores não venham a ser um empecilho na rotina – de forma mais prolongada, inclusive – podem ser bem simples. A começar por se consultar com um especialista. “Muitas vezes, a depender do intervalo de tempo, e da intensidade, o paciente pode levar um bom tempo para se recuperar. Normalmente, se tirar o que tá ocasionando o problema, com fisioterapia se resolve. Mas existem situações que é como uma camisa manchada de café. Você lava, e a mancha continua. E ali não tira mais. É possível sim que o indivíduo herde esse problema para o futuro”, destaca Luis Alfredo.

Além disso, alguns exercícios podem ser essenciais para o fortalecimento da musculatura de sustentação. É o que explica a fisioterapeuta Mary Paz. “Fazer os alongamentos são essenciais. Se o caso for no punho, por exemplo, eu posso fazer, em um primeiro momento, só no punho. Depois, no entanto, é importante trabalhar o corpo todo. O ideal é se conscientizar para ter uma rotina de atividade física, um protocolo de alongamento importante. Se não pode fazer todos os dias, faça dia sim, dia não. Durante o trabalho, é bom fazer uma caminhada, se movimentar”, ressalta.

Uma das soluções encontradas por fisioterapeutas para seguir orientando seus clientes durante a pandemia foi o atendimento online. Sendo assim, mesmo com as academias fechadas, devido às restrições para o combate à Covid-19, é possível ter uma atividade personalizada dentro de casa.

“O peso do próprio corpo já é um acessório de grande valia. Não precisa de grandes cargas, aparelhos. Tendo uma toalha, um espaço no chão, consegue trabalhar o seu corpo. Todos esses trabalhos são possíveis de fazer em casa. Recomendamos um profissional supervisionando esse treino. Muitas vezes as pessoas pegam um treino no Youtube e falam ‘esse vai servir para mim’. Só que muitas vezes aquele treino não está englobando um possível problema que você tenha. O profissional vai estar ali orientando. Caso a pessoa sinta um desconforto, ela pode mudar a forma de fazer aquele exercício específico”, complementa a fisioterapeuta. (Bahia Notícias)