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A colheita de cacau na Bahia bateu recorde em 2021. Resultado: o estado consolidou  a liderança na entrega de amêndoas para a indústria. No ano passado,  os agricultores baianos entregaram 140.928 toneladas,  aumento de 39,72% em relação  a 2020  (100.864 toneladas). Esse foi o melhor resultados desde 2017. O Pará  registrou  queda de 24% em 2021, mas mesmo assim encaminhou 49.821 toneladas ou 25,21% do total.

“Quando a gente fala nos números da indústria, a gente está falando em recebimento e não em produção. A Bahia sempre foi o estado que mais entregou cacau para a industria moageira, o que acontece é oscilar esse percentual, é instável. Esse última safra foi muita boa e o resultado foi surpreendente.  Mesmo nos anos anteriores, a entrega de cacau pelo Pará não foi superior ao estado da Bahia, mas existem dados do IBGE que mostram uma produção maior de cacau no Pará do que na Bahia, mas não é o que a gente enxerga quando olhamos os dados do recebimento”, diz Anna Paula Losi, diretora-executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC).

Na Bahia, a região com mais plantações do fruto é o Sul do estado, mas nos últimos anos agricultores do Oeste têm se arriscado nessa área e obtido êxito. O secretário da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura da Bahia (Seagri), João Carlos Oliveira, contou que a ampliação das lavouras, as mudanças no manejo e o avanço da tecnologia foram os responsáveis pelo crescimento na produção, que no ano passado representou 71.30% de todo o cacau recebido pelo setor.

“As pesquisas tiveram papel importantíssimo. Percebemos que uma planta original ocupava de 6 a 8 metros, enquanto um clone tem arquitetura de 2 metros. O clone aumenta a produtividade por hectare, o número de frutos por planta e de amêndoas por fruto. Aumenta também o peso da amêndoa, o que melhora a qualidade do cacau para a produção do chocolate gourmet”, afirmou.

Clones são mudas enxertadas e geneticamente modificadas. Ele contou que a retomada da produção exigiu um grande esforço e o aprimoramento das técnicas de produção e de proteção das lavouras. O modelo mais usado atualmente é o sistema cabruca, no qual o cacau é plantado sob a sobra de outras árvores, no meio da floresta. Alguns agricultores argumentam que a produtividade é menor, mas que o sistema é mais sustentável e seguro.

Atualmente, 70% dos 45 mil produtores de cacau da Bahia usam o sistema cabruca. Segundo os dados da Seagri, esse modelo ajudou a preservar 8% da Mata Atlântica no Sul do estado e reduz a quantidade de gás carbônico no meio ambiente. As fazendas geram cerca de 200 mil empregos diretos e movimentam R$ 1,8 bilhão por ano. Além da Bahia e do Pará, Espírito Santo e Rondônia também são produtores do fruto.

A produção cacaueira baiana atingiu o apogeu entre o final do século XIX e o início do século XX, mas a desvalorização do produto no mercado internacional e pragas que arrasaram as lavouras, como a vassoura-de-bruxa, que se espalhou pelas plantações na década de 1980, comprometeram a produção e interromperam o ciclo de ouro, retratado nos livros de história e na literatura de Jorge Amado.

Desafios
Em Buerarema, município do Sul do estado, o cacau é o principal produto da economia. São 800 produtores e quatro associações que lidam diretamente com essa produção. O secretário de Agricultura da cidade, Jorge Moura, contou que os maiores desafios têm sido o aumento no preço dos insumos, principalmente de fertilizantes e adubos, e a falta de investimentos. Ele atribuiu o crescimento produtivo à tecnologia.

“As mudanças genéticas melhoram a tolerância da lavoura às pragas, aumentam a produtividade e também a variedade de sementes. Hoje, temos 16 variedades que podem ser escolhidas de acordo com a finalidade do cacau se, por exemplo, o objetivo é usar o produto para a produção de chocolate gourmet é indicada um determinado tipo de semente, para outras finalidade, outro tipo de semente”, disse.

Na prática, a semente geneticamente modificada é inserida na raiz, para torná-la mais resistente às pragas, e no caule, para aumentar a produtividade. Além disso, existem técnicas de manejo com o cacau, como plantação e poda, que interferem na qualidade do produto, mas que ainda estão distantes para muitas famílias que não têm condições de pagar por uma assistência técnica.

“Temos feito assistências grupais para orientar os produtores. Eles vão até um local e são orientados, mas o acompanhamento individual nas propriedades têm sido cada vez mais raro. Alguns bancos oferecem linhas de crédito especial para os produtores e isso tem ajudado eles a investir”, disse.

Porém, como muitos dos agricultores estão endividados e com as propriedades comprometidas, conseguir crédito não tem sido uma tarefa fácil. O presidente da Cooperativa de Agricultura Familiar do Sul da Bahia, Osaná Nascimento, representa 104 pequenos produtores de cacau e contou das dificuldades que os trabalhadores enfrentam.

“Existe muita burocracia para a gente consegui crédito e como muitas terras não têm regularização fundiária o agricultor não consegue oferecer a propriedade como garantia para conseguir o empréstimo. A vassoura-de-bruxa obrigou a produção a pular algumas etapas e isso diminuiu a qualidade do produto. Agora, que conseguimos resolver esse problema, o processo voltou a ser feito corretamente e a qualidade melhorou”, disse.

Os agricultores aproveitaram a união da cooperativa para criar uma fábrica de chocolates, que já tem até representante em Salvador. Por enquanto, a produção está alternando de 1,5 kg a 2 kg por mês. A intenção é ampliar o serviço. Agora, com novas tecnologias e técnicas de manejo os produtores começam a enxergar um a retomada e um futuro menos amargo.

Chocolate e turismo
Foi o tempo em que uma fazenda de cacau era somente uma fazenda de cacau. Nos últimos anos, os produtores desse fruto têm investido em outros dois seguimentos para amenizar os estragos provocados pela vassoura-de-bruxa. Algumas propriedades desenvolveram a técnica de fazer o próprio chocolate. O resultado é que existem 100 marcas na Bahia, com reconhecimento de qualidade nacional e internacional.

Em dezembro, as amêndoas de cacau da Bahia foram destaque no Cocoa Of Excellence – COEX2021. As Medalha de Ouro e de Prata no concurso realizado em Paris, na França, foram conquistadas por dois produtores baianos. O evento é considerado o mais importante no mundo para o setor. Durante a III Edição do Concurso Nacional do Cacau, em novembro, outros dois produtores baianos ficaram em primeiro e segundo lugar.

Graças a essa visibilidade, os agricultores têm atacado em outra área. O passeio às fazendas de cacau e fábricas de chocolate entraram no catálogo das agências de viagem e na programação turística dos municípios no Sul do estado. O secretário da Seagri, João Carlos Oliveira, contou que a pandemia deu uma forcinha.

“Muita gente resolveu se reconectar com a natureza nesse período e procuraram o Sul da Bahia. Uma região que tem mar, mata atlântica, uma culinária incrível e fazendas de cacau e fábricas de chocolate. Os produtores estão mais atentos a esse público e, nos últimos três anos, o número de propriedades oferecendo passeios vem aumentando”, contou.

NÚMEROS

Moagem cresceu 4,43% de janeiro a dezembro de 2021
2021: 224.168 toneladas
2020: 214.657 toneladas

Recebimento nacional, alta de 13,4%:
2021: 197.654 toneladas
2020: 174.283 toneladas

BAHIA: alta de 39,7%
2021: 140.928 toneladas
2020: 100.864 toneladas

PARÁ: queda de 24,6%
2021: 49.821 toneladas
2020: 66.133 toneladas

ESPÍRITO SANTO: queda de 6%
2021: 5.261 toneladas
2020: 5.600 toneladas

RONDÔNIA

Estável 1.584 toneladas