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O ano era 2015 quando Salvador recebeu o título de ‘Cidade da Música’ pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o Carnaval atraiu mais de 700 mil turistas e o ‘Zika Vírus’ foi descoberto após moradores de Camaçari apresentarem sintomas de uma doença até então misteriosa. Também nessa época, em pleno fevereiro, 12 jovens foram vítimas fatais de uma operação policial que ficou conhecida como ‘Chacina do Cabula’, sendo este o caso emblemático da letalidade policial na Bahia de 2015, que registrou 354 pessoas mortas por policiais. Desde então, a morte de vítimas por agentes de segurança do estado cresceu 300% e atingiu a marca de 1.465 vítimas em 2022, conforme dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FPSP).

Mas não foi apenas a si mesma que a Bahia superou ao registrar crescimento na letalidade policial. Isso porque o estado passou a liderar o ranking dos estados que mais matam pela ação policial em 2022, ultrapassando o Rio de Janeiro, que ocupava o primeiro lugar desde 2016 – e registrou 1.330 mortes do tipo em 2022. Ainda, segundo a Rede de Observatórios da Segurança – que acompanha indicadores de segurança em oito estados brasileiros, a polícia baiana mata quatro pessoas a cada 24h. Esse dado dado já tinha sido apresentado pelo CORREIO em matéria publicada no dia dia 5 de novembro, resultado de um levantamento feito pela reportagem com números oficiais do Governo da Bahia, acessados via Lei de Acesso à Informação.

Para Larissa Neves, pesquisadora da Rede de Observatórios da Segurança, os números refletem a política de militarização adotada pelo estado sob justificativa de ter como alvo a guerra às drogas. “Os planos de segurança pública que estão sendo realizados são baseados na militarização, na letalidade e na produção de mortes. Enquanto o estado olhar para a segurança pública desse modo, vai continuar produzindo mortes. O investimento nessa política não é circunstancial, é uma escolha”, afirma.

Ainda segundo a especialista, a escolha do estado baiano pela política de militarização é inspirada nos moldes praticados no Rio de Janeiro, que conforme afirma, tem um plano de segurança falido. “No Rio de Janeiro não se tem uma secretaria de segurança pública. Existe uma construção de política de segurança que tem um contorno diferente do nosso, que mesmo tendo uma orientação da secretaria, ainda conseguiu ultrapassar as mortes de uma das maiores cidades do Brasil”, diz.

Luiz Claudio Lourenço, sociólogo, pesquisador de organizações criminosas, professor da Universidade Federal da Bahia e um dos coordenadores do Laboratório dos Estudos sobre Crime e Sociedade (Lassos), destaca que, além de produzir números graves, o policiamento militar ostensivo na Bahia sob pretexto da guerra às drogas, também atinge os policiais.

“Coloca um alvo sob os policiais que muitas vezes não escolheram estar numa guerra. Hoje o nível de estresse na atividade policial, a falta de mecanismos de accountability [responsabilização] e a propagação do ódio estão em níveis insustentáveis. A polícia tem que ser fortalecida como indutora de civilidade e cidadania, não apenas com armas e viaturas”, defende.

Em 2015, a taxa de ocorrências de mortes decorrentes de ações policiais na Bahia era 2,3 para cada 100 mil habitantes. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população estimada do estado era de 15,2 milhões, baseada no Censo de 2010. Em 2022, a taxa chegou a 10,4 por cada 100 mil habitantes. Enquanto o número de mortes aumentou, a população – com 14,1 milhões no Censo 2022 do IBGE – diminuiu.

A diminuição, contudo, não se trata de números sem nomes ou rostos. Em 2019, o jovem Hebert Felipe Souza Silva, 11 anos, brincava na rua de casa quando foi atingido por um tiro disparado por policiais militares. Os agentes estavam em uma operação de busca dos cinco adolescentes que fugiram da Comunidade de Atendimento Socioeducativo Irmã Dulce (Case) de Camaçari e já chegaram na Rua dos Pássaros atirando, segundo relataram moradores. Quatro PMs chegaram a ser presos em flagrante, mas foram soltos quatro dias depois.

Em novembro de 2020, o pequeno Railan Santos da Silva, de 7 anos, assistia a uma partida de futebol de rua quando foi atingido por um tiro disparado por policiais militares, no bairro do Curuzu, em Salvador. Segundo moradores e familiares, os agentes chegaram a recolher as cápsulas da bala do chão e haviam chegado já atirando. A polícia negou a versão, afirmando que os militares haviam sido alvejados e revidaram.

Em agosto do ano passado, a idosa Maria de Lurdes Alves dos Santos, de 65 anos, fazia sua caminhada diária matinal quando foi atingida por uma bala perdida durante uma perseguição policial a homens armados na Avenida Barros Reis. A idosa estava com uma amiga e vizinha, que sempre a acompanhava nos exercícios físicos matinais. Ambas moravam na localidade do Brongo, no IAPI. A Polícia Civil foi procurada para comentar os dados referentes à letalidade policial, mas respondeu, por meio de nota, que não comenta dados não oficiais. Correio da Bahia