Não tenho como não falar sobre os últimos anúncios de cortes de verbas em educação e pesquisa, que simplesmente põem fim à praticamente toda pesquisa brasileira. O corte severo de recursos vai interromper pesquisas importantes, como também vai abreviar a carreira de jovens pesquisadores, produzindo uma lacuna difícil de se preencher no futuro.

As universidades federais produzem a maior parte da pesquisa brasileira, conduzida por professores e seus estudantes de graduação e pós-graduação. São os estudantes que carregam o piano, produzindo conhecimento e inovação tecnológica necessários para o desenvolvimento de qualquer nação. Em muitos casos, trabalham sem remuneração.

Sim, é um trabalho. Um trabalho de pesquisa, financiado a maior parte das vezes pelo governo federal. Existem fundações estaduais (e uma distrital) de amparo à pesquisa, mas de qualquer maneira também se trata de financiamento público.

Todo trabalho deve ser remunerado, certo, meu avô dizia que só relógio trabalha de graça (o que no fundo nem é verdade, né?) e para dar algum suporte financeiro aos estudantes/pesquisadores, são concedidas bolsas em diversas modalidades. Não são salários, são bolsas.

As bolsas são concedidas mediante um contrato que determina um prazo para seu encerramento. Querendo ou não, você precisa encerrar suas pesquisas em 12 meses (no caso dos estudantes de iniciação científica), 24 meses (projetos de mestrado) e 36-48 meses nos casos de doutorado.

Muitas pessoas dizem que os estudantes que recebem bolsa estão ganhando para estudar, mas não entendem que estão ganhando para trabalhar em pesquisa. E como eu disse, não é salário, ou seja, não recolhe FGTS, não tem 13º, não paga Previdência e sequer tem férias!

O período trabalhado em pesquisa, contabilize aí apenas os tempos de mestrado e doutorado, algo em torno de 6 anos, não conta como tempo de trabalho para cálculo de aposentadoria. Então isso está longe de ser um privilégio. Ah, sem falar que os valores das bolsas federais estão estagnados desde 2013.

O estrago está sendo feito em duas frentes, cortando-se os recursos para as pesquisas, os projetos em si serão afetados. Muitos já estão em situação precária, mas no fim do dinheiro que foi repassado nos anos anteriores, as pesquisas precisarão ser interrompidas. Na outra frente, o corte de novas bolsas e a suspensão de bolsas já aprovadas vai interromper a formação de novos pesquisadores.

Os valores dessas bolsas já não são atrativos, o que faz muita gente desistir da carreira antes de mesmo de começar, mas com a verba aprovada apenas para pagamentos de salários e despesas como água, energia, por exemplo, não irá sobrar nada para se investir em financiamento de projetos.

Até mesmo iniciativas de grande vulto, chamados de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, que têm a pretensão de fazer pesquisa de ponta envolvendo instituições espalhadas pelo país todo e formando núcleos de excelência estão ameaçados.

Interromper pesquisas em andamento e, mais grave ainda, brecar a formação de novos pesquisadores vai fazer com que o país aos poucos vá perdendo sua capacidade de gerar conhecimento e gerar novas tecnologias. Uma coisa anda ao lado da outra. Na outra frente, se os cortes de bolsas não forem revertidos, não haverá novos pesquisadores se formando e por fim a pesquisa no país irá morrer por inanição.

E não pense em pesquisa apenas na astronomia que você vê aqui toda semana. O país e provavelmente a humanidade poderia sobreviver sem ela, mas o que dizer da área de saúde, das engenharias e das ciências humanas? A correlação entre o vírus da chicungunya e a microcefalia partiu de pesquisadores brasileiros, seguindo estudos iniciados no Nordeste.

Pesquisadores brasileiros ligados ao Ministério da Saúde desenvolveram uma vacina bastante promissora, mas que ainda se encontra em fase de testes. O que será dela, quando os recursos para sua pesquisa se esgotarem? Será que alguma grande indústria da área de saúde irá concluir os estudos e passar a fabricar a vacina lucrando milhões de reais vendendo para o governo brasileiro?

O Brasil tem sim tradição em pesquisa, ainda que um tanto recente, e nunca fez feio no cenário internacional. Não raro, pesquisadores brasileiros se destacam a ponto de se tornarem referências mundiais. É uma falácia dizer que o dinheiro investido em pesquisa no país deveria ser direcionado para outras áreas porque o país nunca produziu um prêmio Nobel.

Então o que dizer da Medalha Fields concedida ao brasileiro Artur Ávila em 2014? Essa medalha é um prêmio concedido apenas a cada quatro para matemáticos com até 40 aos de idade, ou seja, para pesquisadores que despontam ainda jovens. Só por esses critérios já dá para dizer que é um prêmio bem mais difícil de se conquistar.

Em várias ocasiões pesquisadores brasileiros chegaram perto de ganhar um Nobel, mas a academia sueca faz suas escolhas baseadas não apenas no mérito científico e inclui fatores econômicos e políticos.

Essa é uma equação desastrosa, cortar investimento em educação e pesquisa vai fazer o país depender ainda mais de conhecimento e tecnologia desenvolvidos no exterior. Obviamente pagando por isso. E pagando bem caro, para gerar recursos que continuem a financiar pesquisas lá fora. Por Cássio Barbosa/G1