Como se não bastasse os acontecimentos do ano de 2020, os baianos levaram um susto na noite de segunda-feira (26), ao verem uma bola de fogo cair no céu da Bahia. Moradores de cidades do Baixo Sul do estado relataram terem visto um forte clarão, acompanhado de estrondo. Tiveram ainda janelas de algumas casas que tremeram e um morador viu sua pressão subir, pois achava que estava em um filme de ficção científica.

Especialistas ouvidos pela reportagem explicam que se trata de um bólido, isto é, um meteoro maior, com mais energia, portanto, brilhante, e não é sem precedente – já é o segundo evento como esse no mês de outubro registrado em território baiano. O primeiro foi em 19 de outubro, visto em Paulo Afonso e Curaçá, no norte do estado, que foi capturado por câmeras também em Sergipe, Ceará e Paraíba. Foi na Bahia, inclusive, que foi encontrado o maior meteorito do Brasil, apelidado de Bendegó, encontrado no século XVIII, onde hoje é o município de Uauá.

Segundo uma análise feita pela Rede Brasileira de Observação de Meteoros (Bramon), o bólido atingiu a atmosfera às 21:29 (horário de Brasília) em um ângulo de 71,8° em relação ao solo. Ele começou a brilhar aproximadamente a 85 km de altitude a leste de Ituberá e seguiu por 5,2 segundos na direção sudoeste a uma velocidade de 48,9 mil km/h (13,6 km/s), até desaparecer a cerca de 18 km de altitude a oeste do município de Camamu, na Bahia.

Ainda não há detalhes sobre a massa, velocidade ou onde o meteoro caiu. A estimativa da Bramon, no entanto, é que os restos dos meteoro, chamados de meteoritos, estão dispersos na zona rural de Camamu. Moradores da região que encontraram pedaços dos meteoritos podem encaminhar à uma universidade para que os cientistas possam aprofundar o estudo. Os especialistas orientam que os cidadãos não peguem com mão, mas o embrulhem em um material como plástico ou papel, para não comprometer a pesquisa. A Bramon tem uma rede de cerca de 300 câmeras para que fenômenos como esse sejam registrados e estudados.

Relatos de moradores

“Tudo ficou dia. Depois do clarão, veio o estrondo, como se tivesse caindo uma coisa muito pesada. Tremeu tudo. Foi uma coisa incrível e muito estranha. Na hora do estrondo, parecia uma bomba atômica, pelo barulho. Na hora do clarão, parecia aqueles filmes que aquelas naves vem descendo e clareando tudo. A gente não pensou em nada na hora, ficamos imobilizados”, relatou o cozinheiro Natanael Ferreira Santos, 33 anos, que presenciou o evento na cidade de Maraú. Ele disse que as janelas da cada tremeram e o susto foi tamanho que teve que tomar um remédio, pois a pressão subiu.

Já o auxiliar administrativo Juarez Souza Soares, 46 anos, viu a cena da cidade de Ituberá, onde mora. “Primeiro uma bola de fogo no céu imensa, muito rápida. Depois de alguns segundos tremeu foi tudo. Aí teve um clarão parecendo dia. Parecia uma bomba de Hiroshima, só que três vezes maior. Tô assustado até hoje”, narrou Soares.
Em Amargosa, o relato de um internauta foi de que também houve um estrondo forte. “As paredes e o piso da casa tremeram, após ouvir um forte estrondo, como se fosse um trovão, mas rápido”, escreveu um morador. Outro descreveu o fenômeno como “uma ‘explosão’ azul e amarela super rápida”. Até de Salvador teve registro de quem presenciou a bola de fogo. “Alguém de Salvador viu uma bola de fogo caindo do céu agora? Vei, que negócio estranho, nunca vi algo parecido”, escreveu. Pelas redes sociais, moradores de Ubaíra, Elísio Medrado, Wenceslau Guimarães e São Miguel das Matas também confirmaram terem visto o clarão.

Meteoros são comuns, dizem especialistas

O astrônomo Marcel de Cicco, pesquisador do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e coordenador da Rede Exoss, que monitora meteoros no Brasil e é parceira do Observatório Nacional, explica que esse é um evento muito comum. “É um fenômeno natural, comum de acontecer. A frequência é que um bólido dessa monta atinja o planeta Terra algumas vezes por mês”, disse o pesquisador. O que se está havendo, segundo ele, é um maior registro desses eventos, a partir do surgimento de mais laboratórios de observação, mas não estão caindo mais meteoros na Terra.

O doutor em geologia e especialista em estudo de meteoritos, Wilton Carvalho, explica que os meteoros, que são pedaços de rochas de asteroides ou, menos comuns, fragmentos de lixo espacial, caem na Terra por uma perturbação em sua órbita. “Eles estão girando em órbita no espaço e entram em rota de colisão com a Terra. Quando adentra a atmosfera, encontram resistência do ar. Ela vai ficando mais densa e ele vai esquentando, em calor que é transformado em luz, que é visto como meteoro ou bólido, mais conhecido como bola de fogo”, esclarece o especialista.

O professor da Universidade Federal da Bahia, doutor em Física da Atmosfera, Alberto Brum, supõe que, pela proximidade, esse bólide possa ser um fragmento da cometa Halley. “Esse meteoro possivelmente veio do cometa Halley. Os cometas começam a perder massa. Essa massa são pequenas partículas que ficam nessa cauda. De vez em quando, a terra passa por ela e essa cauda passa pela atmosfera”, supõe o físico. O cometa Halley pode ser visto de 80 em 80 anos. A última vez que foi visto da Terra foi em 1986.

Já Cicco acredita que seja algum fragmento do Complexo de Taurids, um região com um acúmulo de detritos. “O complexo são restos antigos de cometas que já se foram e os detritos ficaram. Todo ano a terra atravessa essa região nesse período do ano, entre setembro, outubro e novembro. Existe uma suspeita que esse complexo seria uma fonte de bólidos”, diz o astrônomo.

Maior meteorito do Brasil foi encontrado na Bahia, em 1784

O maior meteorito (resto de meteoro) já registrado no Brasil foi encontrado na Bahia. No ranking mundial, ele é o 16º maior, com peso de 5,36 toneladas. Ele foi encontrado por um vaqueiro na cidade onde é hoje o município de Uauá, no ano de 1784, às margens do riacho Bendegó, que deu o nome do meteorito. Porém, estudiosos observaram que ele havia caído na Terra há 100 mil anos. Como a área era despovoada, não causou estragos.

Devido ao peso e dificuldade de transporte, Bendegó só foi transportado em 1887, a mando do imperador Dom Pedro II, com destino ao Museu Nacional do Rio de Janeiro. Ele ficou alguns dias exposto em Salvador, mas voltou ao museu carioca, onde se encontra até hoje. Ele é composto por ferro e níquel, alguns dos elementos que compõem o núcleo da Terra. As informações são do especialista Wilton Carvalho, que fez uma tese de mestrado sobre o Bendegó. O trabalho pode ser acessado no site: bendego.com.br. O maior meteorito do mundo tem massa de 60 toneladas e foi encontrado na Namíbia, na África, em 1920.

O que são meteoros?

São fenômenos luminosos que ocorrem a partir da entrada de objetos do espaço sideral na atmosfera da Terra. Eles podem pequenos pedaços de rocha, cometas, asteróides ou lixo espacial (pedaço de foguetes, satélites, etc). A velocidade que ele precisa para adentrar a atmosfera terrestre é em torno de 100 mil km/h. Seu tamanho pode variar de 30 centímetros a mais de 2 metros. Sua massa pode ter 5 kg e pode chegar a 60 toneladas.

Por que eles brilham, causam clarões e estrondos?

Meteoros acumulam muita energia e, pelo choque ao adentrar a atmosfera da Terra, sua alta velocidade (energia cinética) diminui, assim como sua massa, que são convertidas em energia luminosa e sons. Como a luz tem uma velocidade maior que o do som, normalmente vê-se o clarão e depois ouve-se o barulho.

Meteoróide – objeto do espaço sideral antes de entrar na atmosfera terrestre
Meteoro – ao entrar na atmosfera, se torna um fenômeno atmosférico luminoso
Bólide – meteoro maior, com mais energia e brilhante
Meteorito – é o resto do meteoro, que começa a se desintegrar quando atravessa a atmosfera da Terra (Correio da Bahia)