Jair Bolsonaro foi eleito presidente puxando consigo uma onda conservadora que conquistou dezenas de vagas no Congresso e lhe atraiu o apoio de três grandes bancadas parlamentares – ruralista, evangélica e da segurança pública, também chamadas de “BBB” (boi, Bíblia e bala). Esse resultado deve garantir, ao menos no início do mandato, maioria para aprovar os projetos de interesse do governo.

 

É o que dizem analistas políticos que acompanham de perto o Parlamento brasileiro. A Câmara é formada por 513 deputados e o Senado, por 81 parlamentares. A maioria das matérias exige maioria simples para aprovação – metade dos votantes mais um, estando presentes ao menos 257 deputados, no caso da Câmara, e 41 senadores, no caso do Senado Federal.

 

Mas alterações na Constituição demandam apoio de três quintos das duas Casas (308 votos e 49 votos, respectivamente). Projetos de lei complementar, por exemplo, exigem maioria absoluta: 257 dos 513 deputados e 41 dos 81 senadores. Dois fatores, porém, representam riscos para a articulação do novo governo: o aumento da fragmentação do Parlamento, que terá um número recorde de partidos a partir de 2019 segundo a BBC.

 

E a ampla renovação, que implica um grupo grande de congressistas inexperientes. O PSL, partido de Bolsonaro, até então uma sigla nanica, saiu das urnas com a segunda maior bancada da Câmara Federal – elegeu 52 deputados, ficando atrás apenas do PT (56). O partido, porém, deve receber até 15 deputados de legendas menores que não alcançaram o patamar mínimo de votos para ter direito a fundo partidário, segundo Joice Hasselmann, eleita pelo PSL em São Paulo e cotada para liderar a sigla na Câmara.

 

“Além da bancada pura do PSL, temos apoio de outras bancadas que já fecharam conosco, como a evangélica e a ruralista. São mais de 300 parlamentares alinhados com Bolsonaro”, afirmou Hasselmann à BBC News Brasil. O cientista político Murillo de Aragão, da consultoria Arko Advice, tem um cálculo um pouco mais conservador que o de Hasselmann.

 

Ele estima que as bancadas formadas por ruralistas, evangélicos e antigos policiais e militares (parte deles eleitos pelo PSL) podem dar mais de 250 votos a Bolsonaro. “Então, a dificuldade para ter uma maioria simples não deve ser grande. A dificuldade para uma maioria constitucional é um pouco maior. Isso vai ter que ser negociado caso a caso”, acredita.

 

Na leitura do diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz, conhecedor de Congresso, a oposição mais firme ao governo Bolsonaro partirá de PT, PSB, PDT, PSOL, PCdoB, Rede e PV. Esses partidos elegeram juntos 140 deputados. Já partidos como MDB, PSDB, Solidariedade, PPS, Novo, Pros, Avante e mais algumas siglas nanicas tendem a ocupar o centro, prevê ele, negociando cada votação. Isso somaria algo entre 100 e 120 deputados.

 

“Nas pautas econômicas e de privatização (em que o presidente eleito tem sinalizado para propostas liberais), Bolsonaro não terá problema. O Novo, por exemplo, tende a votar todo com o governo nessas questões, mas nas pautas de valores, não”, acredita o diretor do Diap. Os demais partidos, ressalta Queiroz, teriam um alinhamento maior com as propostas conservadoras da nova administração e tendem a lhe dar apoio, como PSL, DEM, PP, PR, PTB, PSD, PRB, entre outros, que representarão cerca de metade da Câmara.

 

Se esse cenário se confirmar, haverá uma situação confortável para o governo tentar aprovar pautas conservadoras que não exigem alteração constitucional, como a revisão do Estatuto do Desarmamento e o Escola Sem Partido – proposta que prevê a fixação de cartazes nas salas de aula com orientações para professores e que é vista por críticos como um forma de tolher a liberdade de ensino.

 

Já propostas que geram controvérsia na sociedade e exigem alteração da Constituição enfrentarão mais dificuldade para serem aprovadas, avalia o diretor do Diap, como a redução da maioridade penal e a reforma da Previdência. “Se a reforma (previdenciária) mexer com policial, militares, vai ter resistência na base de Bolsonaro”, exemplifica. Na bancada do PSL, 12 deputados vieram das polícias militar e civil ou das Forças Armadas.

 

Queiroz ressalta que, por mais que o presidente eleito repudie a composição com partidos baseada no “toma lá da cá” (distribuição de cargos), ele terá que, de alguma forma, negociar com as siglas. As urnas elegeram deputados de 30 legendas diferentes, uma fragmentação recorde que dificulta essa missão. Os próprios aliados de Bolsonaro sabem disso. À BBC News Brasil, o deputado Alberto Fraga (DEM-DF) reconheceu que não será possível negociar apenas com bancadas conservadoras suprapartidárias.

 

“O Bolsonaro que dará as coordenadas, mas, no meu entendimento, não temos como descartar a conversa com os partidos políticos. Tem um partido que representa 40 deputados, como é que o governo vai conversar com um deputado? Tem que conversar com o partido que representa os 40 deputados”, exemplificou ele.

 

Fraga também aponta a alta renovação da Câmara (47% dos eleitos são deputados de primeiro mandato) como um empecilho a mais para o andamento de pautas complexas como a reforma da Previdência. Ele descarta a possibilidade de o assunto ser votado ainda neste ano.

 

“Nós não vamos assumir esse ônus para quem está chegando agora ficar de bonzinho não. (…) Se com os experientes já era difícil andar, imagina com pessoas novas, que seguramente demoram um ou dois anos para entender como a Casa funciona. Vai ter muita dificuldade”, reconheceu. Fraga, que é coronel reformado da Polícia Militar, esteve na semana passada na casa de Bolsonaro no Rio com 30 deputados da bancada da segurança pública para reafirmar o apoio do grupo a sua eleição.

 

Feliz com o tamanho da caravana mobilizada por Fraga, o então candidato chegou a dizer publicamente que o queria no Palácio do Planalto, auxiliando na articulação política. O deputado do DEM, que perdeu a disputa pelo governo do Distrito Federal e estará sem mandato no próximo ano, negou à BBC News Brasil que tenha havido algum convite formal.