Um dos criadores do programa Bolsa Família, o economista Ricardo Paes de Barros avalia que o Brasil tem os recursos necessários para ajudar a população mais afetada a superar a crise do coronavírus.

O economista afirma, no entanto, que o país tem de melhorar a sua rede de comunicação para que o governo consiga focar suas medidas nas pessoas mais prejudicadas economicamente e socialmente pelo vírus.

“Nós precisamos ter um novo sistema de informação que seja capaz de identificar quem são as pessoas que estão sendo afetadas e que precisam de ajuda. O país é suficientemente rico para garantir ajuda para essas pessoas”, diz Paes de Barros, também professor do Insper.

A seguir os principais trechos da entrevista.

  • A crise atual tem aspectos sérios na saúde e na economia. Como lidar com ela?

Em primeiro lugar e, sem dúvida alguma, nós temos de proteger as pessoas. Em segundo lugar, temos que garantir o mínimo (de recursos) para todo mundo.

  • Como garantir o mínimo para todo mundo?

Para garantir o mínimo a todo mundo, é preciso saber quem são as pessoas que estão sendo mais afetadas por este evento (coronavírus). Como ele era imprevisível, a gente não necessariamente tem os mecanismos governamentais para identificar os brasileiros que estão sendo mais atingidos.

“Nós precisamos ter um novo sistema de informação que seja capaz de identificar quem são as pessoas que estão sendo afetadas e que precisam de ajuda. O país é suficientemente rico para garantir ajuda para essas pessoas”.

  • Como criar toda essa rede de informação?

Nós precisamos do apoio das instituições comunitárias idôneas e do nosso serviço de assistência social, com o Cras (Centro de Referência de Assistência Social) funcionando de tal maneira que ele possa informar para municípios, estados e governo federal exatamente em quais locais estão as necessidades e qual é a magnitude de cada uma delas. É uma guerra contra o vírus e nós precisamos de informação local para poder direcionar a ajuda melhor.

  • O governo tem anunciado algumas medidas de ajuda, como uma renda para trabalhadores informais. Qual é a sua avaliação dessas medidas?

O que o governo está tentando fazer é uma ajuda meio generalizada, mas é uma boa ideia. Na falta de informação, é melhor ajudar todo mundo do que ser muito seletivo em um primeiro momento. Na medida em que isso for durar meses e, para gente conseguir lidar com essa crise no médio prazo, daqui a dois, três, quatro meses, nós temos que crescentemente ter mais informação sobre em quais locais estão as pessoas mais vulneráveis.

O país pode partir para mais uma frente. Mitigar os efeitos da crise tem a ver com a saúde pública, mas também tem a ver com que as pessoas consigam trabalhar o máximo possível, de uma maneira segura, dentro dos padrões que a saúde acha que são adequados. Todo mundo está precisando de ajuda, logo nós temos de trabalhar mais para ajudar todo mundo. O momento é importante para gente ter frentes de trabalho público, por exemplo.

  • Como isso pode ser feito?

Nas comunidades mais pobres, vamos precisar de apoio para manter a limpeza dessas áreas e ajudar a população mais idosa. Ou seja, uma série de serviços, de atividades, que a gente não dava muita atenção no nosso dia a dia até esse evento. E isso significa mais empregos. A única instituição capaz de contratar estes trabalhadores é o governo. O governo deveria criar frentes de trabalho voltadas para enfrentamento e atendimento da população.

Nós temos vários trabalhos produtivos a serem feitos. O mais importante deles é alimentar o setor público com informação de qualidade sobre o que realmente está acontecendo em cada comunidade. Com isso, nós vamos ser capazes de enfrentar o desafio (da crise). A gente não pode estar mal informado sobre o que acontece em cada local, da mesma maneira que a saúde pública não pode estar mal informada de quem tem ou quem não tem o vírus.

  • Há muita comparação em relação aos benefícios que outros países, sobretudo os da Europa, estão oferecendo para a população.

No combate à pobreza, os nossos sistema são bem diferentes. Primeiro, o Brasil tem uma característica habitacional da população pobre com uma qualidade muito inferior a de qualquer país europeu. Nas comunidades mais pobres, a questão de isolamento, limpeza e higienização vai ser muito mais complicada do que na Europa.

“E nós temos um número de pessoas invisíveis para o estado, que é completamente diferente do sistema europeu. Temos um grau de bancarização, de inclusão financeira, muito menor. A capacidade do Brasil de se comunicar financeiramente e eletronicamente com as famílias é pior. Os nossos pobres vão sentir mais, logo temos de ter mais cuidado com a economia porque existe uma quantidade de pessoas que não está nos nossos cadastrados e que vai sofrer com esse evento”.

  • O Brasil tem registrado uma piora da desigualdade. Qual pode ser o impacto dessa crise?

É difícil prever o que vai exatamente acontecer com a desigualdade. Neste momento, talvez, as áreas mais ricas do Brasil estão sendo mais afetadas do que as mais pobres. O que a gente tem de se preocupar é com as garantias das necessidades básicas de todo mundo, de que todos os brasileiros tenham as suas necessidades básicas satisfeitas.

Essa é uma crise que pode levar para a pobreza pessoas que estavam fora dela ou dos registros de famílias pobres. Portanto, a gente precisa que os nossos sistemas de informações da assistência social e da saúde estejam muito casados com as organizações comunitárias e que sejam capazes de informar em quais locais estão os problemas.

  • O governo vai ter de gastar nesta crise. Qual é o tamanho da restrição fiscal do país?

Toda vez que o governo pega algum recurso emprestado e aumenta a sua dívida pública ele está colocando uma carga nas gerações futuras. Este é o momento em que as gerações futuras, embora não estejam presentes, não vão se importar de que parte desse custo recaia sobre elas. Tenho certeza. E é para isso que o governo existe, para administrar essas transferências intergeracionais.

“Eu acho que o futuro do Brasil é de um país muito mais rico e, portanto, não vejo nenhum problema neste momento de o país tomar emprestado das gerações futuras o quanto for necessário para lidar com essa crise. Obviamente que isso tem de ser feito da maneira mais eficiente possível”. G1