Brasileiros que vivem na Venezuela ouvidos pelo G1 observam que parte da população do país passa por uma onda de euforia e de esperança depois que o líder da oposição e presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, se autodeclarou presidente interino e prometeu organizar eleições gerais.

Nesta terça-feira (12), os venezuelanos insatisfeitos com o rumo do regime de Nicolás Maduro devem voltar às ruas atendendo a uma nova convocação de Guaidó. Os opositores querem incentivar os militares a permitir a entrada da ajuda humanitária internacional que está parada na Colômbia após a ponte fronteiriça de Tienditas ser bloqueada.

Para o publicitário brasileiro Bobby Coimbra, que vive há 30 anos na Venezuela, o país vive um clima de euforia que não tem sentido uma vez que enfrenta uma “total indefinição” da situação política.

“Está todo mundo eufórico, esperançoso. Já tem gente fazendo planos para o dia que montarem um novo governo. Mas para mim é uma alegria completamente sem sentido, porque estamos vivendo uma situação de total indefinição. Isso me preocupa um pouco, porque pode gerar uma desilusão, que é catastrófica”, afirma.

Guaidó se autodeclarou presidente em 23 de janeiro durante uma grande manifestação em Caracas e pegou a própria oposição de surpresa.

A iniciativa ganhou o apoio de mais de 40 países, entre eles, os Estados Unidos, Brasil e nações europeias, e trouxe um novo ânimo para oposição, que viu nos últimos meses Maduro ser reeleito em um processo eleitoral contestado e tomar posse para mais um mandato.

Maduro se diz vítima de uma tentativa de golpe articulada pelos Estados Unidos e considera a oferta de ajuda humanitária uma “invasão estrangeira”.

Além da crise política, a Venezuela enfrenta uma grave crise econômica, que dificulta o abastecimento nos supermercados e farmácias. Em 2018, a inflação em 12 meses chegou a 2.500.000%, segundo a Assembleia Nacional venezuelana. A ONU estima que mais de dois milhões de venezuelanos deixaram o país nos últimos três anos.

‘Inusitado’
“É algo inusitado. É um país que tem duas supremas cortes de justiça, duas assembleias e agora dois presidentes, mas é um país que continua supostamente caminhando. Não acredito que exista uma situação similar em algum lugar do mundo”, observa o publicitário.

Embora Guaidó tenha se declarado presidente, o comandante de fato do país segue sendo Nicolás Maduro, que conta com o apoio das Forças Armadas, e se recusa a atender o clamor internacional por eleições presidenciais.

Quando fala em “duas supremas cortes”, o empresário faz referência à Suprema Corte no Exílio, criada pelo Parlamento, em oposição ao Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), que é acusado de servir aos interesses chavistas.

O país também conta teoricamente com duas assembleias. Em uma manobra de Maduro para driblar as ações da Assembleia Nacional, que desde de 2016 é controlado pela oposição, em 2017 a Assembleia Constituinte, formada por chavistas, assumiu os poderes legislativos.

‘Salvador da Pátria’
Guaidó aparece como uma figura nova no espectro político venezuelano, embora tenha sido eleito presidente da Assembleia Nacional no início de 2019. Coimbra avalia que, em um certo momento, a oposição tinha o mesmo nível de rejeição do governo.

“Ninguém mais aguentava aqueles discursos desgastados. Então, surge uma pessoa nova, que tem o seu carisma, é bonito, tem uma bonita esposa – aquele estereótipo que agrada a muitos venezuelanos. Esse jovem fez surgir uma esperança, uma alegria”, observa.

Para a brasileira Patrícia*, que se mudou a Caracas com o marido e dois filhos devido a uma oportunidade profissional, ele é visto por parte dos venezuelanos como “se fosse o salvador da pátria”. “Ele apareceu do nada, em 20 dias já fez muita coisa e já conseguiu o apoio internacional. E muitos venezuelanos estão eufóricos, porque acreditam que vai ter mudança”, afirma.

Manifestações pacíficas
Os dois brasileiros também observaram uma redução nos confrontos durante as manifestações populares com relação àquelas ocorridas em 2017. “Aquela agressividade policial que a gente via, caminhões atirando água, policiais jogando bombas de gás lacrimogêneo, que fazia a gente sair do escritório usando máscara, isso não ocorreu mais”, afirma o empresário.

Coimbra observou que, na semana passada, manifestantes não tentaram invadir a base militar que fica em frente ao seu escritório, como sempre ocorria em 2017, e as forças de segurança também tiveram uma participação discreta durante o protesto. “Parece que existe um acordo tácito entre as duas partes: eu não invado, mas você também não me agride”, afirma.

Patrícia também disse ter percebido que as pessoas não estão com medo de se manifestar e que as forças de segurança demonstram maior tolerância. “O clima está muito melhor do que em 2017, quando eu cheguei a sair do país. Os militares estão deixando os manifestantes passarem tranquilamente. Houve uma mudança por parte dos militares”, afirma.

À noite, depois dos protestos da semana passada, houve relatos de violência nos bairros pobres da periferia de Caracas — tradicionais redutos chavistas. A brasileira afirma que aparentemente o conflito foi provocado porque nessas regiões algumas pessoas teriam passado a apoiar Guaidó e entrado em confronto com os vizinhos. Informações do G1 Foto: Arquivo Pessoal/Bobby Coimbra