Foto: Enaldo Pinto/Ag Haack

A campanha Não é Não contra o assédio sexual, especialmente no carnaval, será ampliada na festa deste ano. Nascido em Salvador, o Coletivo Não é Não estará presente em 17 estados no carnaval deste ano. Em Salvador, a meta é a distribuição de 40 mil adesivos com a mensagem que dá nome à campanha. Os adesivos foram adquiridos através de financiamento coletivo pela internet.

“Esse ano ampliamos a nossa campanha. Faremos nossa distribuição através de uma rede de apoio de voluntárias para que a gente fortaleça essa questão de que a mulher pode estar onde quiser”, disse Gabriela Marx, integrante do coletivo Não é Não.

“Serão mulheres fazendo essa entrega porque a gente entende que precisa conversar e não abre mão de fazer isso de mulher para mulher, justamente para criar essa rede de cooperação entre nós e fortalecer essa parceria”.

Este será o segundo carnaval com a lei de importunação sexual em vigor. O texto tipifica os delitos de importunação sexual e divulgação de vídeos com conteúdo sexual violento ou não consentido. Criada em 2018, a lei esteve em vigor no último carnaval, mas sem dados oficiais computados.

A SSP começou a computar dados sobre a lei a partir de maio de 2019. Mas segundo números do Coletivo Não é Não, 16 homens foram presos no último carnaval por causa de importunação sexual.

Polícia organiza mobilização especial para garantir segurança das mulheres no Carnaval Para a professora de direito penal e mestra em direito público Ana Gabriela Ferreira, somente a lei não tende a diminuir a incidência do assédio, mas sim uma conscientização coletiva por meios educacionais.

“Nenhuma lei, por si só, é capaz de diminuir um crime. O que inibe condutas abusivas deste tipo é a conscientização coletiva, educação de gênero e a mudança de cultura das pessoas. Neste caso, é preciso investir ainda mais na educação e na cultura de respeito à autonomia das mulheres”, disse.

“Passa por entender que só com o ‘sim’ da outra parte é permitido ter algo com ela, sem invadir seu espaço. E, por entender que a mulher não está ‘disponível’ a qualquer pessoa por estar só, pela roupa, por estar embriagada ou qualquer outro motivo diferente da vontade expressa. Sim é sim. Fora do sim, nada vale. Acredito que fica mais nítido dizer desta forma”, disse a professora.

Respeita as Mina com apoio do Bope

O Não é Não terá entre os parceiros na campanha contra o assédio, a Secretaria de Política paras Mulheres (SPM), do governo do estado. Já o órgão contará com apoio da Secretaria de Segurança Pública. A gestora da SPM, Julieta Palmeira promete ação do Estado contra o assédio.

“Esse ano estamos colocando o slogan ‘Pega a Visão e Respeita as Minas!’, porque de fato não é mais possível que sejamos submetidas à algum tipo de violência contra as mulheres. Todos os tipos de violência, o assédio, a importunação sexual, que agora é crime passível de prisão, antes era só uma contravenção. Estaremos junto das polícias Civil e Militar para punir quem estiver infringindo a lei”, disse.

A Polícia Militar da Bahia fará uma parceria entre o Bope e a Ronda Maria da Penha. De acordo com o Comandante Geral da PM, Anselmo Brandão, as patrulhas vão atuar todos os dias, devido ao aumento do número de casos de violência contra a mulher.

“Esta é a nossa contribuição para a prevenção da violência contra mulher. Estamos abraçando a campanha Respeita as Mina. A nossa tropa está orientada para não permitir o assédio”, disse o coronel, em coletiva. Além das três delegacias especializadas no atendimento Polícia Civil também fará campanhas de conscientização contra o assédio.

“Vamos para ruas para sensibilizar homens e mulheres. E que a mulher entenda que a denúncia salva vidas, é preciso denunciar. Além disso, a lei não obriga que exista testemunha. Só a palavra da mulher já basta”, disse à TV Bahia a delegada Simone Moutinho.

Mudança estrutural

Para Ana Gabriela Ferreira, campanhas de conscientização são importantes, mas dependem de mudança estrutural da sociedade.

“O caminho é conscientizar. O que ocorre é que muitas destas campanhas atingem só uma parte das pessoas, um público restrito. E acontecem com mais ênfase em períodos específicos. São muitos anos de cultura patriarcal, que entende a mulher como ‘pertence’ do homem”, disse. “O processo de mudança é gradual e precisa de educação de gênero desde cedo, continuamente. É uma mudança estrutural. Leva tempo e precisa de empenho do poder público e da sociedade como um todo”, disse a professora.

Segundo Gabriela Marx, além do Não é Não, o coletivo levará para as ruas outras duas mensagens neste carnaval: “Ame com respeito” e “Conexões sinceras”, com a missão de expandir o diálogo. “Pretendemos dialogar com o público LGBTQIA+ e com os homens, para que façam conexões com respeito e não sejam inoportunos”, disse. Já a professora Ana Gabriela defende que é preciso investir contra violências normalizadas pela cultura da nossa sociedade.

“É preciso desmistificar o que significa ‘educação sexual’ ou o que significa ‘educação de gênero’. Este último conceito, por exemplo, em resumo, significa ensinar que há opressões sobre o corpo e as vivências femininas, há violências diversas praticadas contra mulheres e população LGBTQIA+, normalizadas pela cultura, mas isso não é normal, portanto deve ser combatido por todas as pessoas”, disse a professora.

“Ocorre que, ao invés de investir na cultura de conscientização, tem havido um retrocesso na educação, com propostas que não são eficazes e falas públicas de líderes políticos que incentivam o desrespeito às mulheres. Além de cortes de orçamento a programas de combate à violência. O cerne do problema está na soma de séculos de machismo entendido como normal e retrocessos no combate atual a este cenário”, completou. G1