Quando o trio da cantora Daniela Mercury apontou na curva que dá acesso à passarela do Campo Grande na tarde desta terça-feira, 05, o público que tomava conta da rua se tornou completamente diversificado. Não era mais de pagodeiros, quando a La Fúria passou; nem dos adolescentes que foram atrás de Rafa e Pipo. Não era de crianças do bloco infantil ou de trintões do Mudei de Nome, que queriam lembrar os carnavais dos anos 1980.

O público de Daniela é tão heterogêneo quanto a folia de Salvador. Em uma festa de liberdade para o folião (cerca de 220 atrações sem cordas, patrocinadas pela prefeitura e pelo governo do estado) e de uma incrível diversidade de atrações – do arrocha ao pagode, do axé ao samba-reggae -, o desfile de Daniela foi o resumo dessas ideias, a essência do pensamento de que o Carnaval é para todos.

“Daniela é uma artista fundamental para o Carnavalal. Ela atrai quase todas as representatividades”, disse, vestido de Filhos de Gandhy, o bancário Arthur Daltro, 33 anos, um dos pipoqueiros que seguiam a rainha.

La Fúria arrastou os fãs do ‘pagode quebradeira’ (Foto: Arisson Marinho/Correio)

Talvez por isso, a música Proibido o Carnaval, carro-chefe de Daniela este ano e um grito contra o preconceito, tenha ganhado tanta força. Nas redes sociais, a música e a cantora foram alvo de críticas do presidente Jair Bolsonaro, nesta terça, que se referiu à Lei Rouanet e compartilhou uma marchinha ironizando Daniela e Caetano Veloso,  parceiro na música. Em nota, a cantora afirmou que a canção “defende a liberdade de expressão”.

“Esse foi o Carnaval da liberdade em um momento tão difícil. Foi o Carnaval em que pedimos ao STF para criminalizar a homofobia, foi o Carnaval que combatemos o preconceito, a exploração infantil, foi o Carnaval da diversidade”, discursou Daniela na despedida da festa e também nos outros dias.

Mortalha 

Para combinar com esse discurso, o último dia de folia teve de tudo no Circuito Osmar. Do afro Olodum ao arrocheiro Nenho, de Gerônimo e La Fúria ao pranchão da Mudei de Nome. Neste último, à frente do trio, o casal Luiz Antonio Silva, 73 anos, e Nuria Silva, 63, saiu vestido de mortalha. Uma iniciativa da banda. “Aqui são 41 anos de casamento e 41 carnavais juntos”, disse dona Nuria, sem conseguir ficar parada ao som de Chame Gente. “Nossa mortalha é sem cortes. Fizemos questão de nos  vestir da cabeça aos pés, como a gente fazia naquele tempo”.

Com o discurso também afinado com a diversidade, o Olodum arrastou sua multidão de apaixonados. Lazinho e companhia mostraram que os artistas estão unidos e fizeram uma homenagem ao cantor Denny, que passou mal durante o Carnaval. “A família Olodum manda um salve para Denny, que está hospitalizado”.

Fãs-raiz 

O Olodum talvez seja o bloco que mais atraia estrangeiros. Gringos brancos estão sempre “perdidos” na multidão e se misturam aos  fãs-raiz como o casal de namorados Sérgio Luiz e Eliana Souza, ambos de 37 anos. Unidos pela mesma paixão, com a bandeira do bloco afro, eles levaram a sobrinha Mirela,  14, para curtir sucessos como Revolta Olodum, que sacudiu a passarela do Campo Grande.

“Sou Olodum desde a barriga da minha mãe. Essa mistura de ritmos e de pessoas no Carnaval de Salvador é  maravilhosa”, disse Eliana.

Até a dupla Rafa e Pipo, também puxando um trio pipoca, pregou a mistura. “Aqui axé canta sertanejo e sertanejo canta axé”, disse Rafa, fazendo um dueto de cima do trio com o sertanejo Daniel Vieira, que estava no camarote de uma TV. A própria La Fúria começou animando a galera não com seu tradicional pagode, mas com o arrocha de Silvano Sales.

O público cantou em coro o hit Eu To Carente, antes de emendar com a polêmica Fábio Assunção. Detalhe, não se viu uma máscara sequer fazendo referência ao ator global.

E por falar em arrocha, devidamente “chifrado”, o cantor de arrocha Nenho tocou o seu sucesso Desça Daí três vezes somente na passarela do Campo Grande. Nem precisava tanto. A galera já sabe cantar o hit de cor.

E Nenho aproveitou para mandar um monte de gente, inclusive da imprensa, descer dos camarotes. “Desça daí seu corno, desça daí”.

E quem é mais diversificado que Gerônimo? Na mesma festa democrática, ele mostrou que seu projeto, o Buzanfan, é um sucesso. O ônibus adaptado em trio elétrico carregou todos os públicos. Gente não só d’Oxum, mas de todos os orixás.

“Fizemos a  maquete do buzu e transformamos em realidade. Esse é o novo modal de trio elétrico. É o carro que toma menos espaço do público”, defendeu Gerônimo.

Turma do metal

O Carnaval de Salvador é uma festa tão diversificada que tem espaço até para abrigar um Festival de Rock em pleno reinado de Momo. O Palco do Rock chegou aos 25 anos em 2019 e, mais uma vez, transformou o coqueiral da praia de Piatã em uma arena onde se apresentaram 40 bandas de vários estilos e diferentes vertentes do rock.

Das inscritas esse ano, 30 bandas debutaram no evento, que tem por tradição abrir espaço para os novos talentos da cena baiana. O espaço realiza ainda campanhas sociais, como acolhimento de animais abandonados segundo informações do Correio da Bahia Foto destaque: Foto: Betto Jr./Correio