A Controladoria-Geral da União (CGU) identificou R$ 3,89 bilhões em pagamentos indevidos do Programa Auxílio Brasil, que substituiu o programa Bolsa Família nos anos de 2021 e 2022. A análise consta de relatório tornado público pelo órgão. Segundo os auditores, nos meses analisados (entre janeiro e outubro de 2022), foram pagos em média cerca de R$ 218 milhões mensalmente a 468 mil famílias fora do limite de renda do Auxílio Brasil. Têm direito ao benefício:
- famílias com renda familiar per capita mensal igual ou inferior à linha de extrema pobreza (equivalente a R$ 105,00 reais no ano de 2022); ou
- famílias com renda familiar per capita mensal entre a linha de extrema pobreza e a linha de pobreza (o que equivale, em 2022, à faixa entre R$ 105,01 e R$ 210,00) e que possuam em sua composição gestantes, nutrizes ou pessoas com até 21 anos incompletos.
Outros R$ 171 milhões foram liberados para cerca de 367 mil famílias que deveriam estar bloqueadas ou desligadas do programa por questões como trabalho infantil na família ou pendências a serem resolvidas no cadastro.
Considerando o número médio de integrantes das famílias do programa, cerca de 2,17 milhões de pessoas receberam de maneira indevida o benefício durante o período de vigência analisado. É quase a população inteira do Sergipe ou mais do que toda a população de Curitiba.
Falhas no Cadastro Único
Para os auditores, uma das possíveis causas do problema são as falhas na atualização e verificação do Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal. O CadÚnico é composto de informações autodeclaradas dos inscritos e concentra a identificação e as características socioeconômicas das famílias de baixa renda que possam ter acesso aos benefícios assistenciais.
“Constatou-se a existência de fragilidades nas informações registradas no CadÚnico e a necessidade de aprimoramento dos procedimentos utilizados pelos gestores para identificação de famílias com subdeclaração de rendas formais, a partir de validações dessas informações de renda com aquelas registradas em outras bases de dados governamentais”, diz o relatório.
Os auditores destacam que houve interrupção nas atividades de revisão e qualificação do cadastro por conta da pandemia de Covid, mas apontam também “a não utilização das informações de renda registradas em outras bases de dados governamentais”.
O cruzamento dessas informações foi a principal ferramenta utilizada pelos auditores para identificar irregularidades. 75% das famílias com rendimentos identificados que impediriam o recebimento do Auxílio Brasil possuíam membros que recebiam benefícios do INSS e outros 17% constavam das bases de pagamento do FGTS e de informações à Previdência Social.
Mais de 1 milhão de falecidos cadastrados
Um outro relatório também tornado público nesta segunda mostra a dimensão do problema no Cadastro Único. A auditoria mostra, por exemplo, que um cruzamento entre os CPFs registrados no cadastro e a base de dados de óbitos mostra 1.078.736 pessoas já falecidas, mas ainda registradas.
Quando o cruzamento de informações envolve a questão da renda, as disparidades aumentam. Em uma situação considerada “mais crítica” pelos auditores, 3 milhões de famílias tiveram renda per capita identificada em bases de dados do governo muito superior ao limite do cadastro.
Neste sentido, a auditoria também verificou por exemplo a explosão no número de famílias de apenas uma pessoa no cadastro. Em apenas um ano – entre outubro de 2021 e outubro de 2022 – as famílias deste modelo passaram de 8,58 milhões para 13,91 milhões, uma alta de 62%. No fim do ano passado, o TCU alertou para o fato de que as regras do programa incentivavam declarações falsas de composição familiar para recebimento de mais dinheiro.
“Os cruzamentos de dados realizados indicam a incidência de remanejamento de composições familiares no âmbito do CadÚnico, com destaque para a tendência crescente de desmembramento de famílias já cadastradas, a tendência de redução do tamanho médio das famílias e o aumento do cadastro de novas famílias unipessoais frente às demais famílias”, diz o documento.
A CGU ressalta que o fato “implica repercussão direta no pagamentos de benefícios que utilizam a base de dados do CadÚnico, bem como em impacto no desenvolvimento de programas sociais e em estudos sobre as famílias de baixa renda, e, eventualmente, impactando análises de alternativas para a superação da situação de vulnerabilidade econômica e social da população de baixa renda.” G1