A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, recorreu da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que negou a federalização das investigações do caso conhecido como Chacina do Cabula.
O recurso foi anexado na última sexta-feira (15) ao Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) 10, ajuizado pela PGR em junho de 2016, após a Justiça Estadual da Bahia ter absolvido vários policiais militares acusados de envolvimento na chacina.
De acordo com o documento, o STJ reconheceu haver grave violação a direitos humanos e risco de responsabilização internacional para o Brasil se o caso não foi devidamente investigado.
No entanto, em decisão proferida em 28 de novembro de 2018, o tribunal entendeu que, após anulação da sentença absolutória expedida pelo Tribunal de Justiça da Bahia, não há mais fatores que impliquem na incapacidade de as autoridades estaduais julgarem o caso.
Para Raquel Dodge, a Chacina do Cabula preenche todos os requisitos constitucionais que recomendam o deslocamento da competência, mesmo após a anulação da sentença absolutória do TJ-BA. Ainda segundo ela, a investigação do fato foi conduzida “com indícios reais de parcialidade”, uma vez que houve divergências entre o Ministério Público do Estado da Bahia e a Polícia Civil
Diante de tudo isso, a PGR entendeu que negar o pedido de federalização da investigação do caso “viola o próprio preceito constitucional, que prevê o instituto como garantidor do cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos”.
Segundo Dodge, negar a federalização mantém o contexto de grave violação dos direitos humanos, em razão da falta de isenção necessária para que seja feita investigação séria e comprometida dos fatos.
“É importante revisitar os fundamentos fáticos que embasam o presente incidente de deslocamento, a comprovar, ao final, que falta ao Estado da Bahia a isenção necessária para dar continuidade ao processo”, afirmou a procuradora.
A PGR ainda ressaltou no recurso que a investigação policial do caso adotou como argumento o fato de os policiais terem atuado em legítima defesa. “Desenhou-se desde o início das apurações, quadro que deu bastante destaque aos supostos antecedentes criminais das vítimas – inexistentes, como depois confirmado – e à periculosidade da região, reconhecidamente zona de consumo e tráfico de drogas”, pontuou Raquel Dodge.
A Chacina do Cabula foi resultado de uma operação conduzida por nove policiais militares, divididos em três guarnições, que acabou com 12 pessoas mortas e seis gravemente feridas – todas as vítimas com idade entre 15 e 28 anos.
A partir de agora, o recurso vai ser analisado pelo STJ que, se entender cabível, vai encaminhar o documento ao Supremo Tribunal Federal (STF) para julgamento final. “O tema é especialmente sensível por envolver a normatização protetiva de direitos humanos nacional e internacional, com possíveis reflexos sobre a distribuição constitucional de competências”, concluiu a PGR.
Federalização
O pedido de julgamento na esfera federal foi realizado em junho de 2016 pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. À época, ele sustentou a ação com uma “ausência da necessária neutralidade/isenção na condução das investigações” realizadas na Bahia, além das ameaças sofridas pelo promotor de Justiça atuante no caso, que pediu afastamento na semana passada – 11 de fevereiro.
Os policiais militares foram denunciados pelo Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) em maio de 2015 e a denúncia foi recebida pelo juiz Vilebaldo José de Freitas Pereira, da 2ª Vara do Júri, em junho do mesmo ano.
No entanto, Vilebaldo saiu de férias e foi substituído por Marivalda, que tomou a decisão monocrática (individual) de inocentar os policiais, poucos meses depois, “após analisar as provas técnicas do processo”, conforme informou o TJ-BA na época.
Absolvição
Foram denunciados pelo MP-BA o subtenente Júlio César Lopes Pitta, identificado como o mentor da chacina, assim como os soldados Robemar Campos de Oliveira, Antônio Correia Mendes, Sandoval Soares Silva, Marcelo Pereira dos Santos, Lázaro Alexandre Pereira de Andrade, Isac Eber Costa Carvalho de Jesus e Lucio Ferreira de Jesus, assim como o sargento Dick Rocha de Jesus.
A juíza utilizou como base para a sua decisão um inquérito do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) que concluiu que houve confronto com os suspeitos e que os policiais militares agiram em legítima defesa. De acordo com o inquérito, divulgado três semanas antes da sentença, “os laudos cadavéricos não mostraram indícios de execução, como lesões típicas de tiros à curta distância”.
Na ação da PM, morreram: Adriano de Souza Guimarães, 21 anos; Jeferson Pereira dos Santos, 22, João Luís Pereira Rodrigues, 21, Bruno Pires do Nascimento, 19, Vitor Amorim de Araújo, 19; Tiago Gomes das Virgens, 18, e Caique Bastos dos Santos, 16; Evson Pereira dos Santos, 27, e Agenor Vitalino dos Santos Neto, 19; Natanael de Jesus Costa, 17, e Ricardo Vilas Boas Silva, 27; e Rodrigo Martins Oliveira, 17. (Correio da Bahia) Foto: Arquivo ABr