Agência Brasil

As dores começaram em abril. De um dia para o outro, a aposentada Angela Gonçalves, 65 anos, tinha mãos e pés inchados e sem sensibilidade. Nas articulações, muita dor.  “É horrível. Só você sentindo para entender”, diz ela, que foi diagnosticada com chikungunya. Hoje, três meses depois, ainda sofre com a doença.

A situação não é muito diferente da arquiteta Carina Macêdo, 28. Também infectada com chikunguya em abril, ela ainda lida com as dores. As duas fazem parte de uma estatística que só tem crescido, nos últimos meses: os casos de chikungunya no estado, que chegaram a mais de 20 mil até o final de junho, desde o início do ano.

Em comparação ao mesmo período do ano passado, houve um crescimento de cerca de 440% das notificações, de acordo com a Secretaria da Saúde da Bahia (Sesab). Só que o que nem todo mundo sabe é que a chikungunya nem sempre vai logo embora. Assim como tem acontecido com dona Angela e Carina, as dores podem ir além da fase aguda, que costuma levar até 10 dias e também inclui febre.

Pode envolver o período chamado subagudo, que vai até três meses, e evoluir para a fase crônica, que chega a durar até três anos, em média.

“No início, fiquei sem trabalhar por uma semana porque não tinha como mexer no mouse e precisei parar todos os projetos. Começou pelas mãos e achei até que era por estar usando muito o celular na quarentena. No outro dia, já estava insuportável”, conta Carina.

Se tem algo que diferencia a chikungunya de outras arboviroses, é a dor. Conhecida no Brasil desde 2014, ela se tornou uma das “primas” da dengue – justamente por ser transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, que ainda é vetor da zika e da febre amarela.

Até metade dos pacientes pode desenvolver um quadro de dor articular incapacitante, segundo a anestesiologista Anita Rocha, especialista em dor e responsável técnica pelo Itaigara Memorial Clínica da Dor.

“O paciente fica encurvado, não consegue andar direito, tem dor nos punhos, nas articulações, nos dedos. É uma dor simétrica e de duração mais prolongada. Alguns chegam a ter dor por três meses, outros por três anos, mas há relatos de pacientes com dor até oito anos depois”, diz.

É daí que vem o próprio nome da doença. A palavra, do idioma maconde, da Tanzânia, faz referência a esse quadro: “aqueles que se contorcem, que se dobram”, tamanho o incômodo causado pelo vírus.

De onde vem
De acordo com o médico Antônio Peleteiro Tourinho, especialista em medicina interna e professor da Escola Bahiana de Medicina, a dor é fruto de um distúrbio imunológico.

“É como se fosse uma briga do antígeno com o anticorpo. Mas tem que existir uma predisposição imunológica para o paciente ter esse agravamento, porque grande parte das pessoas que têm contato com o vírus não apresenta a doença, assim como a covid-19. Ou depois da fase aguda, o vírus é eliminado e a pessoa fica curada”, explica.

Entre as pessoas com mais predisposição a enfrentar quadros mais graves estão idosos, mulheres, hipertensos, diabéticos e pessoas que já têm alguma doença do sistema imunológico.

Em todo o mundo, não houve nenhum outro país com mais casos de chikungunya em junho do que o Brasil, de acordo com o European Centre for Disease Prevention and Control, órgão de vigilância da União Europeia. E, de fato, entre os mais de 40 mil casos no país, a maioria está na Bahia. De acordo com o Ministério da Saúde, 41,5% das notificações foram registradas aqui. O Espírito Santo, que vem em seguida, concentra 29% das ocorrências.

Segundo a Sesab, do dia 29 de dezembro de 2019 até o último dia 20 de junho, foram notificados 20.893 casos prováveis de chikungunya na Bahia – o que daria uma incidência de 141 casos para cada 100 mil habitantes. Nesse período, ela chegou a 268 municípios e já provocou pelo menos duas mortes confirmadas – as duas em Salvador.

Em alguns municípios, a transmissão chama atenção: é o caso de Uibaí e Presidente Dutra, ambas no Centro-Norte do estado: elas têm coeficientes de incidência de 11.874,4 e 3.473,8 para cada 100 mil habitantes, respectivamente. O número de casos confirmados é de 1.649 para Uibaí e 526 para Presidente Dutra.

Salvador, com 5019 casos notificados, de acordo com a Secretaria Municipal da Saúde (SMS), tem uma taxa de 174 casos para cada 100 mil habitantes. No ano passado, foram 991 ocorrências de chikungunya no mesmo período.

“Houve um crescimento grande da chikungunya nos últimos meses, então a gente ainda está na fase aguda de muitos pacientes. Como isso vai se comportar na população brasileira a longo prazo depende muito do que a gente vai fazer agora, porque a dor, quando não cuida, cresce”, analista a anestesiologista Anita Rocha.

Na fase aguda, a dor costuma ser tratada por analgésicos como dipirona e paracetamol. Já entre 10 dias e três meses, os analgésicos podem ser mais potentes, a exemplo de codeína e pranadol, além de corticoides.

Mas quando a doença se torna crônica, é preciso buscar medicamentos diferentes – por vezes, até conhecidos por outras doenças. De acordo com a anestesiologista Anita Rocha, uma das opções é o tratamento com antidepressivos e anticonvulsionantes.

Isso porque, em uma situação de tristeza, caem os níveis de serotonina e noradrenalina – justamente as substâncias que influenciam o humor e o bem estar. É a mesma coisa que acontece com quem sofre de dor crônica.

“Por isso, justifica usar o antidepressivo. Já o anticonvulsionante é quando você tem uma dor do nervo. É como se ele tivesse hiperexcitado e, para acalmar essa hiperexcitabilidade, você usa o remédio. Mas não é a primeira medida. A gente vai avaliando, como uma escadinha”, explica a médica. As estratégias podem incluir os chamados bloqueios analgésicos – que podem ser venosos ou com anestésicos locais.

Não é incomum que pessoas com dores crônicas de chikungunya tenham dificuldades para manter o trabalho, tamanho o incômodo. “E essa complicação pode ser um gatilho para doenças reumáticas, como artrite reumatóide. Entre pacientes crônicos, até 14% das pessoas pode ter essas doenças reumáticas pelo resto da vida”, alerta o médico Antônio Peleteiro.

Além dos remédios
Contudo, tanto médicos quanto o próprio Ministério da Saúde indicam que o tratamento pode ter mais sucesso se for multidisciplinar. E, dentro dessa abordagem, uma das principais ferramentas é a fisioterapia. Segundo o fisioterapeuta Claudio Sasaki, professor de Fisioterapia da UniFTC e especialista em dor e terapia manual, o tratamento pode ser usado em qualquer uma das fases da doença.

“Alguns estudos indicam que quando o paciente procura um tratamento medicamentoso, mas também procura um fisioterapêutico, as chances de desenvolver um quadro ruim são menores”, afirma Sasaki.

O primeiro passo é fazer uma avaliação. A partir dela, o profissional poderá indicar quais as abordagens mais indicadas por cada paciente. Nesse contexto, há desde o uso de equipamentos de laser até técnicas de terapia manual. Massoterapia, acupuntura e hidroterapia também podem ajudar em momentos crônicos.

“Para melhorar a dor, é possível usar compressas frias e o próprio repouso relativo. Eu costumo orientar aos pacientes que, antes de levantar da cama, ainda deitados, se movimentem um pouco, mexendo os braços e as pernas. Também devem levantar de lado, mas isso independe da chikungunya”, explica.

Hoje, mesmo na rede pública, é possível que os pacientes crônicos façam tratamentos não farmacológicos, como a fisioterapia e a terapia ocupacional.  “Na atenção primária, que é a saúde da família, o pessoal faz medicina pensando na pessoa. Cada caso é um caso”, diz o médico Afonso Roberto Batista, que trabalha na atenção básica na rede municipal.

Quando a atenção primária não dá conta, é possível encaminhar para os especialistas nos multicentros – e isso inclui, ainda, tratamentos como a fisioterapia. “Eventualmente, pode acontecer de o paciente estar com duas arboviroses associadas, como dengue e chikungunya, por exemplo. Mas na chikungunya a dor é mais presente. É algo que o paciente reclama”, completa.

Em muitos casos, é preciso fazer também acompanhamento psicológico. “Observo que a dor da chikungunya é tão incapacitante que o paciente tem dificuldade de lidar com ela e isso acaba interferindo na sua qualidade de vida. Às vezes, a dor traz perdas físicas, financeiras, emocionais e até relacionamentos são destruídos por ela. É importante que a gente olhe para isso e para o paciente como um todo”, diz a anestesiologista Anita Rocha.

Confira os depoimentos de quem têm conseguido conviver e amenizar as dores da chikungunya

“Os exercícios de alongamento têm me dado condições de me locomover”, diz aposentada

A aposentada Angela Maria Acioly Gonçalves, 65 anos, já passou da fase aguda. Mas, como a dor não cessou, teve que buscar ajuda médica especializada. Hoje, quase três meses depois dos primeiros sintomas, ela ainda não passa nenhum dia sem o incômodo lacerante.

“Comecei a dor no braço no, dia 14 de abril. No dia 24 de abril, fui ao médico, que identificou que eu estava com dengue e chikungunya. De lá para cá foram dores contínuas, não teve nem um dia que parou. Hoje, mesmo acordei bem ruim”, disse, no dia em que conversou com o CORREIO, na última semana.

No começo, eram dores nas articulações, além de mãos e pés inchados. Aposentada, ainda sente dificuldade para atividades básicas. A dor nas mãos, segundo ela, em alguns momentos, era como ter um prego sendo enfiado nas palmas.

“Tem horas que é difícil até levar alimento à boca, vestir uma roupa. São muitas dores e as mãos não aceitam comandos. Qualquer coisa cai. Estou impossibilitada de lavar roupa”, conta a dona Angela. Lavar roupas, para ela, é um processo. Não gosta de usar máquina de lavar; faz questão de lavar tudo nas mãos.

As dores nas mãos fizeram com que ela buscasse atendimento especializado, no Itaigara Memorial Clínica da Dor. Lá, fez o tratamento com bloqueio anestésico. Antes, já tinha tomado corticóides, mas, hoje, só usa a medicação de forma esporádica.

Além disso, tem recorrido à fisioterapia e a exercícios de alongamento. “Eu já fazia alguns exercícios de fisioterapia para as costas antes. Isso tem me dado algum suporte. Os exercícios de alongamento têm me dado condição para eu me locomover”. “Não estou sobrecarregando nenhuma articulação”, conta professora de pilates

Para a professora de pilates e gyrokinesis Tina Campos, 52 anos, os quatro primeiros dias da doença foram os piores. Ela acabou de passar pela fase aguda da chikungunya – essa semana, completou os 10 dias após o início dos sintomas. “A primeira semana é bem difícil. É dureza, porque as dores são bem intensas, fora a febre alta”, lembra.

Depois, sentia dores mais suaves e um incômodo no ombro. “A doença te coloca em um estado de completa inabilidade. Você  fica sem energia para fazer absolutamente nada. Não é só uma dor física”, conta.

Durante a fase aguda, Tina suspendeu aulas por uma semana e mudou a rotina em casa. A filha mais velha, que já não mora mais com ela, veio passar uns dias para ajudá-la em casa. Os filhos mais novos, com 12 e 14 anos, ficaram com o pai, com quem ela compartilha a guarda.

“Mas sei que tem situações de pessoas que estão sozinhas em casa, ainda mais na pandemia, e acabam se deparando com uma doença dessa. Não é fácil, porque a gente fica realmente incapaz”. Para Tina, o próprio trabalho com pilates foi quem a ajudou. “Eu tenho as articulações muito saudáveis e acho que isso me fez sair do quadro agudo de uma forma melhor. Fora que tomei alguns medicamentos fitoterápicos que estão ajudando”, diz.

Nos primeiros dias, era repouso absoluto. Depois, começou a se movimentar com bastante cuidado. “Não estou sobrecarregando nenhuma articulação. Uma coisa que me ajuda é beber bastante líquido e ter uma boa alimentação”.  “Na fase pior, fazia compressas e aliviava. Hoje, espero um pouco para voltar ao trabalho”, afirma arquiteta

A arquiteta Carina Macedo, 28 anos, chegou a passar um período sem dores após ter tido chikungunya. Depois de ter enfrentado a fase aguda em abril, teve quase um mês sem sintomas. No entanto, pouco depois desse intervalo, o quadro regrediu.

No início, as dores eram como “fisgadas” nas juntas, especialmente nas mãos. Ela chegou a pensar que o uso do celular, potencializado pela quarentena, estava causando o incômodo. Mas não era. No dia seguinte, piorou.

“Ficou insuportável. Eu não conseguia fechar a mão. O que começou como fisgada depois tinha engessado tudo. Às vezes, latejava. Apareceu nos joelhos, no calcanhar, no ombro, no cotovelo, na nuca, e algumas pontas nas costas e no pé”, diz.

Foi difícil tomar banho sozinha nos três primeiros dia. Usar o mouse do computador para fazer os projetos arquitetônicos, por sua vez, se tornou uma tarefa quase impossível. Não conseguia manusear garfo, faca, abaixar ou mesmo deitar e levantar.

“Era difícil até andar, às vezes, quando as dores estavam concentradas nos pés. O médico me indicou dipirona para a dor. Mas, depois que o efeito ia passando, voltava com força. Fazia compressas e molhava a mão. Era o que aliviava um pouco também”, lembra.

Depois desse período, ficou cerca de um mês sem nenhuma manifestação da chikungunya. Mas, no final de maio, as dores voltaram. “Até achei que era outra coisa, quando lembrei dos reflexos. Tem dias que ela vem, aí passo dois dias sem dor. Depois, volta. Fica um pouco e desaparece para voltar dois dias depois”, conta.

Com horários de trabalho flexíveis, ela tem buscado repousar quando o incômodo é mais forte. “Ainda posso me dar ao luxo de parar para descansar a mão. Dou uma parada de umas duas horas e retorno ao trabalho. Ainda não passei por nenhum caso de urgência, quando você precisa dar alguma atualização muito rápida ao cliente, porque sei que posso ter algum aperto. Mas como elas hoje estão numa escala menor, eu só espero e elas vão aliviando”.

“Só aliviava com dipirona e repouso”, diz conferente de caixa

No dia 22 de junho, a conferente de caixa Rebeca Almeida, 28 anos, sentiu dores nas pernas. Depois, veio a dor de cabeça. No fim da tarde do mesmo dia, já sentia dores no lado esquerdo do corpo. “Cheguei a me curvar de dor. Não conseguia ficar em pé. Veio a febre de 38, 39 graus. Eu suava, gemia de dor. Não conseguia dormir”, conta.

No dia seguinte, ela foi a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), onde fez exames para dengue e para chikungunya. Lá mesmo, ainda na sala de espera, sentiu tremores e calafrios. A pressão subiu e ela precisou receber medicação específica para isso, além de soro com analgésico.

Agora, pouco mais de dez dias depois, ao fim da fase aguda, ela ainda tem lutado para aprender a conviver com as dores remanescentes. Hipertensa e mãe de um bebê de três meses, Rebeca passou por maus bocados para conseguir amamentá-lo.

“Passei cinco dias praticamente só na cama. Só levantava para ir ao banheiro. Tive que comprar leite de fórmula para diminuir as mamadas do meu filho, porque não conseguia pegar ele no colo”, diz ela, que contou com o apoio da mãe nesse período.

Em nenhum momento, ela sentia que as dores desapareciam por completo. “Só aliviava com dipirona e repouso. Hoje, ela já foi diminuindo aos poucos, mas ainda sinto dores nas articulações, nos dedos, no calcanhar, na panturrilha e nas costas, principalmente”.  Informações do Correio da Bahia