Tânia Rêgo/Agência Brasil

O Brasil enfrenta a pior seca dos últimos 70 anos, e essa situação pode se agravar neste mês em diversas regiões do país, segundo projeção do Índice Integrado de Seca (IIS). Algumas cidades já passam pelo fenômeno há 12 meses consecutivos, considerando os indicativos de monitoramento do CEMADEN/MCTI que mostram a presença da estiagem ainda no segundo semestre de 2023 em regiões que vão do Acre e Amazonas até São Paulo e o Triângulo Mineiro.

O momento é propício para uma propagação maior das queimadas, o que afeta diretamente não só a saúde e a qualidade de ar, mas os territórios de agricultura e pecuária que abastecem todo o país. Só em agosto, 963 municípios apresentaram pelo menos 80% de suas áreas agroprodutivas potencialmente afetadas.
Levantamento do IBGE mostra que a projeção de agosto de 2024 para a colheita de cereais, leguminosas e oleaginosas é de 296,4 milhões de toneladas, uma queda de 6,0% em comparação a 2023. Em relação ao mês de julho, houve redução de 0,6% na produção.

Como consequência, os preços podem ser pressionados e o consumidor pagará mais caro pelo desequilíbrio entre a oferta e demanda de alimentos. “A agricultura no Brasil, e a própria inflação, depende muito dessa regularidade do clima, que passa por períodos de maior desafios por conta desses fenômenos que se tornam cada vez mais frequentes. E ela [a inflação] vem de um choque de oferta, onde você não tem o produto para vender e o preço sobe. É uma inflação difícil de ser contida também pelo instrumento de política monetária mais usado, que é o aumento de juros”, explica André Braz, Economista do FGV IBRE e Coordenador dos Índices de Preços.

Segundo o economista, “uma boa parte da revisão que têm sido feita sobre a expectativa de inflação neste ano está sendo realizada em cima do preço dos alimentos”. Ele relembra que, com a tragédia das chuvas no Sul do país, imaginavam que a inflação de alimentos poderia chegar a quase 5% no ano, mas, agora, a expectativa recuou para em torno de 3%. “E com essa seca, ela já sobe para cerca de 4.5%. É uma instabilidade grande, porque tem fenômenos que se misturam”, completa. Entre eles, o economista cita a alta projeção do PIB, a balança comercial e o mercado de trabalho mais aquecido. Confira abaixo os produtos que devem sofrer variações de preços diante do cenário.

Açúcar e etanol

Responsável por 64,2% do plantio de cana, o Sudeste do país sofreu com a seca e a intensificação de queimadas em cidades do interior de São Paulo. Conforme balanço do CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento), os canaviais da região estão com produção estimada em 442,8 milhões de toneladas, sendo a maior queda, de 27,22, na capital paulista. A redução da colheita também é esperada na região Sul, com projeção de 34,21 milhões de toneladas.

De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), os preços do açúcar cristal branco estão em alta: no balanço de 2 a 6 de setembro, a média do Indicador CEPEA/ESALQ foi de R$ 136,47/sc de 50 kg, alta de 4,02% em relação à do período anterior.

Pesquisadores do Centro afirmam que a continuação da seca e as queimadas em canaviais no final de agosto vêm contribuindo para intensificar a cotação. Nesta quinta-feira(12), os preços do açúcar subiram na ICE (Intercontinental Exchange), depois de dados negativos do Brasil, maior produtor global: segundo boletim da Reuters, o açúcar bruto de outubro fechou em alta de 0,34 centavo, ou 1,8%, a 19,07 centavos de dólar por libra-peso, já o açúcar branco de outubro subiu 2,1%, para 540,10 dólares a tonelada.

Divulgado pela Reuters, o levantamento do grupo industrial Unica aponta que as usinas diminuíram o volume de cana-de-açúcar que destinam à produção de açúcar, ocasionando em uma queda no final de agosto de 6% da produção de açúcar no Brasil.

“É um problema porque da cana sai o açúcar, o etanol e o álcool anidro, que é misturado à gasolina. Indiretamente pode encarecer a gasolina e o próprio etanol, que é uma opção de combustível”, afirma André. A Conab aponta que o etanol deve ter uma redução de 4,1%, sendo estimado em 28,47 bilhões de litros.

Projeção do BofA (Bank of America) estima uma valorização adicional de cerca de 10% nos preços do etanol devido à oferta e demanda apertadas até o final de 2024/25 (abril-março), mesmo com a alta de 35% acumulada no ano até agora.

Pecuária, soja e milho

Outras produções que podem ser diretamente impactadas estão relacionadas ao cultivo de soja e milho, componente de rações para o trato animal. Nessa época do ano, a falta de chuvas já é um fator esperado na diminuição da oferta de carne e leite e a consequente alta nos preços. Mas, a quebra nas safras de grãos causada pelo fenômeno da seca pode intensificar o aumento no preço.

“O gado no Brasil se alimenta basicamente das pastagens, e você até consegue alimentar o gado sem elas, mas o custo é muito grande. Tem que comprar farelo de soja e milho em grande quantidade, porque os rebanhos são enormes. Se você tem uma queda em duas grandes commodities, isso também tem impacto nos custos de criação dos animais que você consome a carne”, comenta André.

Segundo dados do IBGE, a soja ganhou destaque entre as culturas mais afetadas pelo calor e a falta de chuvas: a colheita na safra 2023/2024 é estimada em 145,3 milhões de toneladas, uma queda de 4,4% em relação a 2023. A produção de milho está estimada em 116 milhões de toneladas, uma redução de 11% em comparação a 2023.

O economista lembra que o aumento também pode vir da balança comercial. “A gente exporta milho e soja, mas, se não tem, ou se a oferta doméstica é insuficiente, passamos a ter necessidade de importar. E essa importação acaba aumentando os custos, principalmente quando a nossa moeda está desvalorizada, que é o momento”, explica.

Carne, leite e derivados

As cotações do boi gordo seguem em alta, conforme dados do Cepea. Nos primeiros 10 dias do mês, o Indicador CEPEA/B3 subiu 3,1%, passando de R$ 239,75 no último dia útil de agosto, para R$ 247,20 nesta terça-feira(10). Pecuaristas têm expectativas de preços ainda mais altos, e, desde janeiro, o valor do leite acumula valor real de 32,1%.

De acordo com o especialista em economia, o volume de captação do leite também pode diminuir com a seca e inflacionar preços de produtos derivados, como embutidos derivados de carne – salsicha, presunto -, e do leite – queijo, requeijão, muçarela, queijo prato, parmesão e manteiga.

Café, laranja e hortaliças

O economista também chama atenção para as safras de ciclo mais longo, que são afetadas pela seca, como laranja e café, e que podem refletir alta no preço em 2025. Levantamento do IBGE aponta que a produção brasileira de café – espécies arábica e canephora – é estimada em 3,6 milhões de toneladas, decréscimo de 1,6% em relação ao mês de julho.

“Se você tem uma oferta menor agora, você tem que esperar a próxima safra para recuperar sua oferta e permitir que os preços caiam um pouco. Se a estiagem afeta essas safras de ciclo mais longo, eu acho que isso espirra para 2025 também”. Por outro lado, safras de ciclo mais curto, como hortaliças, batata, tomate e cebola, cultivam-se rápido e podem melhorar a disponibilidade ainda em 2024, sem aumento de preço.

Conta de luz

A falta de chuvas também tem impactado diretamente no aumento da conta de energia. Neste mês, a Agência Nacional de Energia Elétrica indicou o acionamento da bandeira vermelha 2, situação que deve vigorar por mais alguns meses. Estimativas do BofA já apontam que os preços spot superem R$ 200/MWh até o final de 2024 e fiquem ainda mais altos em 2025.

“Talvez a gente nem feche o ano com bandeira verde, pode ser amarela, pode ser uma vermelha patamar 2, porque vai depender da hidrologia. Se esse evento durar muito e for até 2025, e há chance de isso acontecer devido à Lá Niña, aumenta a probabilidade de haver repasses de preço por aumento de outros custos relacionados à própria energia”, explica André.

“O impacto não fica só na conta do consumidor. O salão de beleza, o armazém da esquina também vão pagar uma taxa de luz mais cara, e esses custos podem ser repassados no aumento do preço do serviço”, completa. Maira Escardovelli/Infomoney