Agência Senado

Entre fevereiro e julho deste ano, o Congresso Nacional promulgou um total de 11 propostas de emenda à Constituição (PECs). É o maior número de mudanças constitucionais dos últimos 30 anos, de acordo com o Palácio do Planalto, que disponibiliza dados a partir de 1992. E há uma peculiaridade nelas: seis, ou seja, mais da metade, alteram as regras orçamentárias.

De forma geral, esses textos reduzem a arrecadação das diferentes esferas do governo, por meio da concessão de benefícios fiscais, ou ampliam os gastos públicos (confira mais detalhes abaixo). Um cenário comum em ano de eleição, quando Legislativo e Executivo costumam ampliar as benesses fiscais – muitas vezes deixando uma conta pesada para as futuras gestões.

“Medidas relevantes do ponto de vista fiscal passaram no Congresso de maneira muito rápida, sem apresentação de números, avaliações (de impacto) e análises”, diz Leonardo Ribeiro, analista do Senado e especialista em contas públicas. “Isso pode sinalizar para os agentes econômicos que a Constituição Federal, considerada a principal norma jurídica do país, muda da noite para o dia, criando uma insegurança jurídica.”

O que chama a atenção dos analistas é que mexer na Constituição não deveria ser algo tão trivial e constante. O próprio sistema foi criado para que as mudanças demandassem um alto apoio parlamentar. Para ser aprovada, uma PEC precisa do aval de três quintos dos senadores (49 dos 81 votos possíveis) e deputados (308 votos entre 513), em dois turnos de votação.

A PEC pode ter origem no Executivo, como foi o caso da proposta que resultou na reforma da Previdência, mas também pode vir do Parlamento. Para isso, o texto precisa ter a assinatura de um terço dos deputados ou senadores.

Mas todos esses ritos e exigências não têm sido suficientes para evitar uma tramitação acelerada das PECs. Para se ter uma ideia, em apenas seis meses deste ano o atual Congresso promulgou mais propostas do que nos anos de 2020 e 2021 somados. Com isso, a gestão do presidente Jair Bolsonaro tornou-se, de longe, a com maior número de PECs promulgadas. Desde 2019, foram 26.

Cenário político

De acordo com especialistas, o crescimento vertiginoso no número de PECs promulgadas tem como pano de fundo dois movimentos importantes: uma convergência de interesses entre Executivo e Legislativo, às vésperas das eleições, visando a manutenção no poder, e um maior protagonismo do Congresso Nacional, em meio à perda de relevância do Palácio do Planalto.

De olho na reeleição, o governo Jair Bolsonaro patrocinou uma série de PECs que ampliaram os gastos a pouco meses de milhões de brasileiros irem às urnas.

A última grande alteração veio com a chamada PEC “Kamikaze”. Ela ampliou o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, dobrou o vale gás e criou uma série de benefícios sociais. Seu custo – fora do teto de gastos – é de R$ 41,2 bilhões.

A votação dessa PEC, no início de julho, foi marcada por uma série de manobras regimentais, que aceleraram a sua tramitação. A proposta acabou sendo aprovada em apenas 13 dias pela Câmara dos Deputados, em meio a protestos dos partidos de oposição.

As medidas, patrocinadas pelo presidente da Casa, Arthur Lira, com apoio da base governista, envolveram uma sessão com apenas um minuto de duração, a permissão para parlamentares fazerem registro de presença remoto e ainda um acordo para manter a versão do texto já aprovada no Senado.

“Houve a aprovação de PECs com ritos atropelados. O regimento, sobretudo da Câmara dos deputados, foi atropelado. O presidente da Casa usou de mão de ferro muito mais do que qualquer outro antecessor”, avalia Carlos Melo, cientista político e professor do Insper.

Maior poder do Congresso

O número recorde de mexidas na Constituição também coincide com crescimento do poder do Congresso Nacional, tanto sobre a pauta legislativa como sobre o Orçamento público.

Levantamento da consultoria Action, feito a pedido da Frente Parlamentar do Empreendedorismo e publicado pelo g1 e pela GloboNews, deixou evidente como o Parlamento aumentou o seu protagonismo.

Em 2021, 67% dos projetos aprovados foram de autoria do Legislativo, enquanto 33% partiram do Executivo. Em 2012, o cenário era o oposto: 70% dos textos aprovados eram de iniciativa do governo e apenas 30% provenientes do próprio Congresso.

O mesmo movimento é observado nas emendas parlamentares – aquele dinheiro que deputados e senadores destinam a suas bases eleitorais. Em 2022, serão mais de R$ 35 bilhões, quase o triplo do valor observado em 2019 (R$ 13 bilhões), segundo dados da Associação Contas Abertas.

Sobre esse governo, a gente pode dizer que é um governo do Bolsonaro e do Centrão. O Centrão virou, com todas as aspas necessárias, uma espécie de sócio do governo”, afirma Melo, do Insper. “No passado, os parlamentares dependiam muito das liberações (de verba) do governo. Essas emendas de relator acabaram dando um instrumento, para o Congresso, de muito maior força.”

As emendas de relator, batizadas de Orçamento secreto, por conta da falta de transparência, vão somar cerca de R$ 16 bilhões em 2022 e devem alcançar a cifra de R$ 19 bilhões em 2023. G1