O coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Rio, Eduardo El Hage, criticou a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, que suspendeu todas as investigações em curso no país que tenham como base dados sigilosos compartilhados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e pela Receita Federal sem autorização prévia da Justiça.

A decisão de Toffoli acolhe pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL) e foi publicada na última segunda-feira (15), mas divulgada apenas na terça (16). Horas depois, o chefe da Lava Jato fluminense se pronunciou.

“A decisão monocrática do Presidente do STF suspenderá praticamente todas as investigações de lavagem de dinheiro no Brasil”, escreveu El Hage. O procurador do Ministério Público Federal (MPF) avalia ainda que, ao exigir decisão judicial para a utilização de relatórios do Coaf, o STF “aumenta o já combalido grau de congestionamento do judiciário brasileiro”.

O procurador afirma ainda que se trata de um “retrocesso sem tamanho que o MPF espera ver revertido pelo plenário (do STF) o mais breve possível”. O julgamento que irá analisar o tema do compartilhamento de dados por órgãos de fiscalização e controle está marcado para 21 de novembro.

Outras críticas

A decisão tomada pelo ministro Dias Toffoli também foi criticada por outros integrantes do Ministério Público em todo o país.

Ouvida pelo jornal Folha de São Paulo, a coordenadora da Câmara Criminal do Ministério Público Federal, Luiza Frischeisen, afirmou que a cúpula do órgão está preocupada com a extensão da liminar porque iria de encontro a uma questão de ordem já analisada pelo STF.

A procuradora Janice Ascari, da Lava Jato em São Paulo, lamentou em uma rede social que esteja em segredo de justiça a decisão em que o ministro Toffoli “suspendeu todas as investigações criminais no país inteiro”.

Na mesma rede, a procuradora Monique Cheker, do Rio de Janeiro, lamentou que as investigações tenham sido suspensas com base na alegada segurança jurídica.

O procurador Hélio Telho, do Ministério Público Federal em Goiás, afirmou que a decisão coloca em xeque a própria existência do Coaf, além de fragilizar a posição do Brasil no cenário internacional, transformando o país, segundo ele, em um paraíso para o dinheiro sujo.

Nota de Eduardo El Hage

“A decisão monocrática do Presidente do STF suspenderá praticamente todas as investigações de lavagem de dinheiro no Brasil. O que é pior, ao exigir decisão judicial para utilização dos relatórios do COAF, ignora o macrossistema mundial de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo e aumenta o já combalido grau de congestionamento do judiciário brasileiro. Um retrocesso sem tamanho que o MPF espera ver revertido pelo plenário o mais breve possível”.

Movimentação atípica na conta de Queiroz

No fim de 2018, relatório do Coaf apontou operações bancárias suspeitas de 74 servidores e ex-servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O documento revelou movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz, que havia atuado como motorista e assessor de Flávio Bolsonaro à época em que o parlamentar do PSL era deputado estadual. A investigação que envolve o filho de Jair Bolsonaro faz parte da Operação Furna da Onça, desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro que prendeu dez deputados estaduais.

“Considerando que o Ministério Público vem promovendo procedimentos de investigação criminal (PIC), sem supervisão judicial, o que é de todo temerário do ponto de vista das garantias constitucionais que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, revela-se prudente ainda suspender esses procedimentos que tramitam no território nacional e versem sobre o mesmo tema, de modo a evitar eventual usurpação de competência do Poder Judiciário”, escreveu Toffoli em trecho da decisão.

“Deve ficar consignado, contudo, que essa decisão não atinge as ações penais e/ou procedimentos investigativos (Inquéritos ou PIC’s), nos quais os dados compartilhados pelos órgãos administrativos de fiscalização e controle, que foram além da identificação dos titulares das operações bancárias e dos montantes globais, ocorreram com a devida supervisão do Poder Judiciário e com a sua prévia autorização”, complementou o presidente do STF no despacho.

Toffoli decidiu estender a decisão a todos os casos semelhantes porque entendeu que era possível aplicar nesta decisão a “repercussão geral” – instrumento jurídico que estabelece a mesma decisão a todos os processos em andamento no país.

“Não convém, por conseguinte, manter a atuação cíclica da máquina judiciária no tocante a tais demandas que veiculam matéria semelhante, até que a Corte se pronuncie em definitivo sobre a questão, que, registro, já tem data definida para o seu julgamento pelo plenário no calendário da Corte, a dizer, 21/11/19.” G1