Agência Brasil

A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, agiu nos bastidores para impedir o aborto da menina de 10 anos que foi estuprada pelo tio e engravidou no Espirito Santo. Damares nega. De acordo com reportagem publicada pela Folha de São Paulo, a integrante do governo Bolsonaro enviou representantes da Pasta e aliados políticos para o estado, para tentar impedir a interrupção da gravidez.

Eles teriam pressionado os responsáveis pelos procedimentos, em reuniões, e até oferecido benfeitorias ao conselho tutelar local. Fotos obtidas pelo jornal paulista mostram que a própria Damares participou de umas reuniões por meio de videochamada. A ministra ainda teria feito com que representantes dela vazassem o nome da criança à ativista Sara Giromini, que compartilhou a informação nas redes sociais.

Isso viola o Estatuto da Criança e do Adolescente. O ministério manteve contato virtual desde o dia 9 de agosto com os conselheiros tutelares Susi Dante Lucindo e Romilson Candeias. A intenção era conseguir mais informações sobre o caso e influenciá-los.

“Minha equipe está entrando em contato com as autoridades de São Mateus para ajudar a criança, sua família e para acompanhar o processo criminal até o fim”, escreveu Damares no Twitter, no dia 10 daquele mês.

Em uma missão do ministério na cidade, estiveram Alinne Duarte de Andrade Santana, coordenadora geral de proteção à criança e ao adolescente da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Wendel Benevides Matos, coordenador geral da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, dois assessores e, mais tarde, o deputado estaduall Lorenzo Pazolini.

Pazolini, que se tornaria candidato à Prefeitura de Vitória, protagonizou uma invasão a um hospital de Serra (ES) em junho. A ideia dele era provar que leitos de UTI estavam vazios, após incentivo do presidente Jair Bolsonaro.

A representante de Damares, Alinne, ofereceu, durante as reuniões com os conselheiros tutelares, o chamado “kit Renegade”. O “presente” contém um Jeep Renegade, que custa em torno de R$ 70 mil, além de equipamentos de infraestrutura (ar condicionado, computadores, refrigeradores, smart TVs e outros).

De 2019 até agosto de 2020, a pasta da Família e Direitos Humanos afirma que entregou kits parecidos para 672 conselhos tutelares por todo o Brasil. Dentre eles, 16 foram no Espírito Santo. Os bens são adquiridos com emendas parlamentares.

Em meio às tratativas, o Hospital São Francisco de Assis (HSFA), da cidade de Jacareí (SP), enviou quatro representantes para propor assumir os cuidados médicos da menina. Eles foram recepcionados por Alinne, e pretendiam realizar o pré-natal da vítima de estupro até que ela ficasse pronta para o parto.

Entre os parceiros do hospital, estão a Igreja Quadrangular, que teve como expoente no Brasil o pai de Damares, Henrique Alves Sobrinho. A própria ministra já foi pastora do local. Após a proposta não ser aceita, os comandados de Damares teriam partido para uma estratégia de intimidação. Um morador de São Mateus, denominado Pedro Teodoro, foi à casa da família da vítima dizendo que estava ali para orar.

No entanto, ao adentrar o recinto, agrediu a avó e responsável pela criança verbalmente. O Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam) já tinha se recusado a realizar o aborto, e o procedimento foi transferido para o Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), no Recife (PE). Recentemente, Pedro se lançou candidato a vereador em São Mateus pelo PSL.

Pessoas tentaram atrasar a alta médica da menina no Hucam, e isso impediria que ela viajaria para Recife. Depois, veio o vazamento dos dados dela e ocorreram diversas manifestações contra o aborto, inclusive de uma pessoa que teria entrado no Cisam no posta malas de um carro.

No Rio de Janeiro, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) protocolou um pedido para que Damares explique a atuação de sua equipe no Congresso. “A Damares não é diversionista, como por muito tempo muita gente leu. Ela é estratégica, é a argamassa desse campo fiel a Bolsonaro que é movido pelo ódio, pelo medo e que vai ao Brasil Mais profundo”, afirmou Freixo, à Folha de São Paulo.

O Ministério da Família e dos Direitos Humanos se posicionou sobre o assunto, dizendo que a equipe foi a São Matues pra “acompanhar a atuação da rede de proteção à criança vítima e oferecer suporte do MMFDH e da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA), no sentido de fortalecimento da rede de apoio às crianças vítimas de violência”.

“O objetivo era avaliar eventuais dificuldades na pretação do serviço, identificando necessidades”, disse ainda a pasta, sobre o encontro na sede da prefeitura da cidade. Outro assunto comentado foi o “kit Renegade”. Segundo o ministério, conselheiros tutelares relataram a necessidade de melhoria nos equipamentos básicos, como a possibilidade de mais um veículo para diligências.

Enquanto isso, o Hospital São Francisco de Assis de Jacarei afirmou que não enviou médicas para a cidade onde a menina estava internada. “O Hospital ofereceu ao juiz da comarca que acompanhou o caso sua estrutura física e técnica, pelo fato de ser um hospital preparado para gestação de alto risco, caso a decisão fosse levar adiante, sendo tal oferta condicionada à autorização de representante legal e/ou da Justiça”, explicou, por meio de nota.

Damares comentou ainda o assunto em entrevista ao programa Conversa com Bial, da TV Globo, que foi ao ar na última quinta-feira (21). A ministra disse discordar do processo de aborto, e considera que o correto seria aguardar mais duas semanas para antecipar o parto.

“Eu acredito que o que estava no ventre daquela menina era uma criança com quase seis meses de idade e que poderia ter sobrevivido”, afirmou ela. Sobre o vazamento de informações da criança de 10 anos, Damares declarou que “põe a mão no fogo” por seus assessores, e que não foram eles que fizeram isso. O Ministério Público do Espírito Santo está investigando os dois.