| Foto: Haeckel Dias | Polícia Civil

A Polícia Civil da Bahia já mapeou ao menos 24 facções criminosas atuando em território baiano atualmente. A informação foi revelada pela Delegada-geral da polícia judiciária baiana, Heloísa Brito, em entrevista exclusiva ao Portal A Tarde. Durante a conversa, a primeira mulher a comandar a corporação em 216 anos de existência detalhou o surgimento dessas organizações que apareceram após o fim da ‘era Ravengar’ (Raimundo Alves de Souza), figura emblemática que comandava o tráfico de drogas na Bahia nos anos 90.

“Eu vou falar porque ele já faleceu, mas quem já estava na polícia sabe sobre a ‘lenda’ de Ravengar no Morro do Águia. Ele morava no local e dominava o tráfico ali. Quando Ravengar sai daquele local, quando ele é preso, começa a haver uma briga, porque várias outras organizações começam a se estabelecer. Então, nos anos 2000, nós tínhamos as organizações que eram, como diziam, as organizações baianas, e que a gente podia nomear duas, no máximo três, talvez. Hoje, num mapeamento mais amplo, a última vez nós mapeamos 24 delas, só aqui na Bahia”, explicou.

Sem uma figura central no comando, essas facções criminosas começaram a se aliar com outras organizações maiores da região sudeste, como o Comando Vermelho (CV) – do Rio de Janeiro -, Primeiro Comando da Capital (PCC) – Paulista – e, mais recentemente, o Terceiro Comando Puro (TCP) – Rio de Janeiro. “São facções baianas que se autodividem, rompem com lideranças e umas com as outras, e aí vão se agregando a organizações criminosas do sudeste, como forma de se estabelecer ali. Então, ela faz essa parceria para poder receber armas e drogas”, completou.

Apesar de Brito não nomear as organizações, a reportagem apurou que algumas delas são: Katiara, Ordem e Progresso (OP), A Tropa, Bonde do Ajeita, Raio A, Bonde do SAJ, Honda, Bonde do Neguinho, Tropa do KLV, MK, Raio B, e as mais conhecidas, Comando Vermelho e Bonde do Maluco. Além da atuação como forma de alianças ou influências: PCC e TCP. A revelação aconteceu enquanto a delegada descrevia a mudança de perfil das lideranças criminosas, que, diferente do ‘tempo de Ravengar’, hoje, vivem bem longe de seus domínios, devido justamente a essas alianças interestaduais. Isso fez com que a Polícia Civil tivesse que se adaptar e expandir sua atuação.

“Hoje, o trabalho da polícia precisa ser mais transversal. A gente não consegue trabalhar só olhando a Bahia. É preciso olhar o Brasil como todo e as conexões que estão a partir daí. Outro dia, estava fazendo uma palestra: ‘fulano estava comandando a questão de organização criminosa, a gente pegou ele em Mato Grosso do Sul’. A pessoa está realmente a milhares de quilômetros de distância. Hoje, com a tecnologia, vídeos, etc., eles falam, acompanham de perto e sabem o que está acontecendo sem precisar estar fisicamente presente. Por isso, a gente precisa continuar investindo no que existe de mais moderno em termos de tecnologia, de softwares, não só de cruzamento de dados, de análises telemáticas. Isso é fundamental para o trabalho da polícia, porque isso nos dá uma possibilidade de identificar a movimentação do indivíduo, mesmo não estando aqui no nosso estado.

Além da forte revelação, a Delegada-Geral falou sobre outros temas, como combate ao crime organizado e feminicídio; detalhou relação entre mortes e atentados contra rifeiros com tráfico de drogas, impacto da Lei orgânica na Polícia Civil na Bahia e concurso público, entre outros assuntos; confira.

Prisões de influencers e operação ‘Falsas Promessas’

“Esse é uma operação complexa e, inclusive, essa é uma primeira fase. Porque durante um ano, nós investigamos como esse dinheiro chegava, analisando 50 cpfs num cruzamento de dados enorme que exigia muita dedicação dos nossos policiais, e também o uso da tecnologia, porque senão é quase impossível você fazer esse cruzamento de informações”.

“A partir do interrogatório [realizado durante a operação Falsas Promessas], que inclusive será substancial para gente saber se tem mais pessoas envolvidas nessa organização específica, alguns inquéritos correlatos também. Porque algumas das pessoas tinham sido vítimas de tentativa de homicídio, que nós vamos aprofundar também a razão, que naquele momento ainda não tinha sido esclarecido”.

Relação entre mortes e atentados contra rifeiros com o tráfico de drogas
“Você lembra de um casal que, na Linha Verde… O crime aconteceu logo depois de eles postarem que estavam fazendo aquela atividade. Então, essas prisões [da operação ‘falsas promessas’] e as investigações decorrentes dela também vão nos auxiliar no esclarecimento desses clientes, que podem estar de alguma forma relacionados”.

“No primeiro momento, quando nós começamos as investigações, os indicativos já diziam que tinham a ver com a questão do tráfico de drogas. Nós não conseguimos, naquele primeiro momento, porque, em princípio, as pessoas que foram mortas não eram usuárias ou não vendiam drogas, mas, exatamente, a partir dessa operação [Falsas Promessas], nós vamos poder fazer esse cruzamento de dados e aí, avaliar. Inclusive, a vida financeira das vítimas, para verificar se tinham algum tipo de correlação necessariamente com essa organização criminosa. Ou talvez nós sejamos surpreendidos em descobrir outros envolvimentos deles com outras organizações. Obviamente, estou falando de suposições”.

“Essa é uma teoria que nós, como policiais, temos que nos debruçar para verificar se alguma dessas mortes advém de algum tipo de envolvimento ou de não pagamento dessas supostas rifas, porque também detectamos que havia uma fraude na forma como era no sorteio e para quem era entregue. Então, existe também uma possibilidade de alguém se sentir, por exemplo, que perdeu algum dinheiro, que ele foi fraudado”.

Combate ao crime organizado: estrangular as facções financeiramente

“Essa foi uma primeira grande operação que nós estamos fazendo nesse sentido, mas a Polícia Civil tem especializado muitas equipes com relação à lavagem de dinheiro. Não só para apreender e pedir bloqueio, mas nós entendemos que precisamos estrangular financeiramente as organizações criminosas. Então, vocês têm acompanhado que nós temos feito várias operações importantes, aprendendo, inclusive, lideranças criminosas, mas para além da prisão desses indivíduos, nós também precisamos dificultar a vida deles, e hoje a gente sabe que o que mais facilita a essas organizações criminosas de repor armamento é exatamente a quantidade de recurso financeiro que eles têm. Então, essa é uma vertente que nós estamos focando, não só com as equipes aqui de Salvador. Nosso objetivo agora é interiorizar”.

Infiltração das facções no poder público é observada pela Polícia Civil

“Nós temos 417 municípios e diversas candidaturas a vereadores e outros cargos. É óbvio que a gente não pode acompanhar cada um desses candidatos, porque a quantidade é grande, mas quando nós temos algum indicativo ou alguma denúncia, começamos a fazer um processo, sim, de investigação, e nós temos uma tratativa ótima com o Tribunal Regional Eleitoral. Então, se detecta que tem alguma coisa, seja na prestação de contas, seja em algum informe de inteligência, que aquele indivíduo pode estar envolvido com um evento criminoso, nós começamos o processo de investigação. Mas é óbvio que a gente só pode agir quando a gente tem alguma coisa concreta. Se isso for confirmado, aí sim. A gente pode inclusive pedir a prisão ou encaminhar as informações, para ver se cabe algum tipo de impugnação à candidatura”.

“Mas a nossa preocupação com relação a isso, a possibilidade do Crime Organizado estar presente em nosso viés político, é muito delicada, porque ele decide as nossas vidas, as nossas leis, né? Por isso que é tão importante investimento que a Polícia Civil vem fazendo na questão da tecnologia, na inteligência policial, porque é ele que vai dar para a gente os indicativos de que aquele indivíduo que se apresenta como um ‘bom cidadão’, como um pretenso candidato a vereador, a prefeito, tenha algum tipo de conexão ou esteja sendo financiado por alguma organização criminosa. Mas também é óbvio que isso não é uma investigação simples. Ela é complexa. Demanda tempo. Já aconteceu uma situação aqui na Bahia, que houve a eleição de um deputado, e só depois de algum tempo uma operação da Polícia Federal conseguiu fazer provar que ele tinha conexões com o crime organizado”.

Concurso da Polícia Civil da Bahia com 1 mil vagas para 2025

“Ainda não há novidades [de quando deve sair o edital], mas fica no desejo da Delegada-Geral que seja no primeiro semestre, até porque o nosso concurso demora em média dois anos entre a realização de todas as etapas e a nomeação dos colegas. Mas não posso confirmar isso realmente, porque espero o aval do nosso Governador e da Secretaria de Administração. O pedido da delegada-geral é de que seja para o primeiro semestre”.