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Quando o desembargador Luís Fernando Lima soltou, em outubro deste ano, o traficante Ednaldo Freire Ferreira, o Dadá, liderança do Bonde do Maluco (BDM), acabou fazendo uma releitura de 2004, quando libertou Joel Bonfim Santos, considerado o maior concorrente de “Ravengar”, líder do tráfico de drogas de Salvador, na ocasião. Assim como na decisão recente, há 19 anos ele não era o juiz natural da causa e, mesmo assim, tirou da prisão Joel e cinco comparsas, que tinham sido capturados pela Polícia Federal com mais de 21 kg de cocaína – todo o pó seria vendido no Carnaval daquele ano. Com os traficantes, a PF apreendeu também R$ 100 mil e um caderno contendo nomes beneficiados com pagamentos, inclusive policiais.

À época, o Ministério Público da Bahia (MPBA) acusou Luís Fernando Lima de obstruir o andamento de processos contra grandes traficantes na capital. O CORREIO teve acesso à ação e constatou o sumiço do alvará e a decisão de soltura, bem como a ausência de qualquer documento assinado pelo magistrado em relação aos réus.

Em 2004, a configuração do tráfico de entorpecentes era outra coisa. As primeiras facções locais, a Caveira e o Comando da Paz (CP), estavam em formação dentro do Complexo Penitenciário da Mata, enquanto fora dos muros, a soberania era de Raimundo Alves, o “Ravengar”, constantemente ameaçado por Joel, que trazia cocaína do Mato Grosso do Sul para vender ao mercado varejista da Cidade Baixa, Centro e Mussurunga.

Nas primeiras horas do dia 02 de fevereiro, a PF deu início à operação “Elevador Lacerda”, em referência ao local onde com mais frequência era comercializada a cocaína. Os mandados de prisão temporária foram expedidos pela 2ª Vara de Tóxicos de Salvador e o primeiro a ser localizado foi Joel, na época com 40 anos. Ele estava em casa, no bairro do Bonfim, e levou os agentes ao paradeiro de dois dos seus braços fortes: Romilson Raimundo de Souza, 34, e Gilson Santos Silva, 54, o “Gil”.

Em seguida, os federais estouram dois depósitos do grupo no bairro da Fazenda Grande do Retiro, respaldados em mandados de busca e apreensão, onde encontraram 21,3 kg da droga em pasta, recém-chegada para abastecer consumidores durante o Carnaval, além dos R$ 100 mil, US$ 312, balanças de precisão, armas e munições.

A PF conseguiu provas da liderança de Joel, que atuava como traficante desde 2000 – ele recebia entre 20kg a 25kg de cocaína a cada 15 dias –, do papel do cunhado dele, Romilson, responsável pelo transporte dos depósitos para os pontos da cidade, e do primo dele, Gilson, que, como taxista, fazia a distribuição com maior facilidade. Ainda no mesmo dia, foram também presos Geovani Santos Gonçalves, conhecido como “Geo”, e José Alessandro Bezerra Flor, apelidado de “Sandro”.

Na continuidade da apuração, a PF chegou ao nome de Djalma dos Santos, o “DJ” ou o “Coroa”, que foi apontado como um grande comerciante de entorpecentes no bairro de Mussurunga. Ele também teve prisão decretada, mas não foi localizado.

Foram oito meses de investigação, sob o comando do delegado Orlando Azevedo, titular da Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes da PF. Em 04 de dezembro de 2003, os agentes chegaram ao o sul-mato-grossense Ânderson Gomes Alvarenga, responsável por trazer a cocaína de Campo Grande (MS). Ele era a pessoa de confiança da traficante Berenice Castro Soares, que enviava a droga para a Bahia – ela também foi presa. Os agentes encontraram diversos recibos de depósitos bancários realizados por Joel em favor de Ânderson.

Em março de 2004, o MPBA denunciou por tráfico de drogas, formação de quadrilha e porte ilegal de arma Joel, Romilson, Gilson, Geovani, José Alessandro e Djalma, que já tinha sido preso pela PF numa outra operação e foi processado por tráfico de entorpecentes, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

Ainda de acordo com o MPBA, além de ser um dos maiores fornecedores de cocaína em Salvador, Joel também atuava no tráfico de crack, subproduto da cocaína, chegando a comercializar 250 a 300 gramas por dia. Com alto grau de intoxicação, tornando uma pessoa dependente em uma semana, a droga era vendida preferencialmente para a clientela de camadas mais baixas da população, em razão do preço mais acessível, funcionando muitas vezes como moeda de troca por produtos de pequenos furtos diários por crianças e jovens no Centro de Salvador. Uma caderneta contendo parte da movimentação da organização foi apreendida na operação. Entre as anotações, estavam pagamentos feitos a policiais militares, que foram investigados na ocasião.

Soltura

No entanto, sete meses depois, todos os presos da operação já estavam soltos, por decisão de Luís Fernando Lima. A maioria saiu no dia 03 de setembro, após Lima determinar o relaxamento da reclusão – é a situação em que a prisão é ilegal ou se torna ilegal, por alguma razão. E ainda sem apresentar motivos considerados plausíveis pela promotora Ana Rita Nascimento, representante do MPBA na Vara, o juiz revogou a prisão de Djalma, que estava na condição de foragido, quando ele compareceu para audiência no dia 31 de agosto de 2004. “Ele se apresentou à 2ª Vara de Tóxicos juntamente no dia que precisei me ausentar”, alfinetou a promotora, à época, em entrevista ao CORREIO.

Titular da 6ª Vara Crime, Luís Fernando Lima substituía o titular da 2ª Vara de Tóxicos Antônio Roberto Gonçalves que, antes de entrar em licença em julho, havia decretado as prisões preventivas dos traficantes em 29 de março daquele mesmo ano. “Eu estava usando os 87 dias que a lei me dá direito para marcar a oitiva dos acusados”, se defendeu Gonçalves, em declaração dada à época à reportagem.

Por fim, naquele momento, Gonçalves evitou comentar a postura de Lima, mas disse que negou todos os pedidos de relaxamento de prisão dos acusados, solicitados pelos advogados, sob alegação de excesso de prazo.

Afastamento

Após o MPBA recorrer das decisões, o então juiz Luiz Fernando Lima foi afastado da função de substituto da 2ª Vara de Tóxicos e Entorpecentes no dia 17 de setembro pelo próprio Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA). À época, a promotora Ana Rita Nascimento comunicou o fato ao procurador Geral da Justiça, Achiles Siquara Filho, exigindo medidas capazes de corrigir as distorções, “no intuito de que o processo seja julgado com mais celeridade e seriedade”.

Ainda na ocasião, Ana Rita Nascimento disse que a postura adotada por Luiz Fernando Lima contrariou frontalmente ações de combate ao tráfico de drogas em Salvador. No dia 01 deste mês, o MPBA informou que “ofereceu a denúncia e sustentou a condenação dos réus, que foram condenados em 2009”. “Atualmente, há recursos da defesa pendentes de apresentação das razões perante o Tribunal de Justiça”, diz nota enviada ao CORREIO. Correio da Bahia