Ainda se recuperando dos traumas físicos e emocionais após sobreviver a 69 facadas, a fisioterapeuta Isabela Oliveira Conde, 36 anos, não tem dúvida de que o namorado já tinha intenção de matá-la há tempos. “Ele já planejava minha morte. Dias antes, um rapaz entregou a ele R$ 500 referente ao aluguel de um dos meus imóveis. Perguntei sobre o dinheiro, ele negou que tivesse recebido. Acredito que ele pegou o valor para juntar para pagar aos caras para me matarem”, declarou Isabela ao Correio, na manhã desta segunda-feira (11).

Isabela disse que o episódio dos R$ 500 que não recebeu aconteceu quando intensificou o posicionamento de dar fim à relação desgastada pelos ciúmes por parte do então namorado Fábio Barbosa Vieira, 37, preso como mandante do crime.

“Ele já sentia que eu ia terminar. Eu já vinha falando há meses. Mas em uma semana, ele percebeu que intensifiquei a minha diferença. Ele dizia: ‘Você está diferente?’. ‘Por que você está assim, diferente? Não gosta mais de mim?’. Era isso todos os dias”, contou Isabela.

No dia 28 de fevereiro, Isabela nasceu novamente. A fisioterapeuta foi vítima de um plano maquiavélico, cujo objetivo era sua morte. Ao mesmo tempo que era esmurrada, era esfaqueada por dois homens contratado por Fábio – cada um recebeu R$ 500 para executá-la.

Para o azar deles, ela sobreviveu depois de ter fingido de morta. Foi jogada num matagal às margens da BR-324, como um corpo desovado. Ela se arrastou na vegetação e foi socorrida por populares. No Hospital do Subúrbio, Isabela contou tudo e Fábio foi preso.

Nesse final de semana, Fábio foi encaminhado para o Complexo Penitenciário da Mata Escura. “O que aconteceu comigo poderá acontecer com outras mulheres, caso não tomem cuidado. Façam o que fiz. Abri minha vida para ele. Disse o quanto ganhava, ele sabia que tinha imóveis, carro. Hoje, peço as mulheres que preservem certas informações de suas vidas. A gente não sabe com quem de fato a gente está se relacionando”, declarou Isabela.

Agora, a polícia está à caça dos dois outros envolvidos na tentativa de feminicídio. São dois moradores do bairro de Santa Cruz que espancaram e esfaquearam Isabela. “Fábio já está preso e espero que ele cumpra toda pena. Faltam ainda outros dois monstros. Espeto por justiça. Que a polícia pegue eles. São pessoas frias, não tem amor por ninguém, matam, por qualquer coisa, são pessoas demoníacas”, disse.

Confira agora na íntegra o relato de Isabela 

Conheci Fábio em 2015, no Imbuí. Eu estava num barzinho, com algumas amigas e a gente ficou. Eu não tinha namorado. A gente começou a se falar pelo celular, trocávamos mensagens diariamente. Ele disse que era jornalista e produtor da Banda Vem Quem Vem, uma banda de arrochadeira. Depois, ele deixou a banda e ficou trabalhando de forma autônoma, viajando.

No início de 2017, ele veio para Salvador. Passamos a nos falar mais vezes e ele me pediu em namoro. Até então, estava insegura, porque tinha acabado de sair de outro relacionamento. Eu sempre fui insegura. Não queria assumir ele nas redes sociais, para as amigas. Pensava: só vou assumir para todo mundo quando realmente eu tivesse certeza que era aquilo que eu queria.

Um ano de relacionamento depois, ele começou a demonstrar os sinais de ciúmes. Eu nunca podia chamar uma amiga para sairmos juntas, ele queria que fosse sempre só nós dois. Sempre achei ele muito possessivo, de não querer que saísse com ninguém. Não podia vestir um short, uma saia, que ele reclamava, mas eu usava, o que o deixava mais contrariado.

O ciúme dele foi aumentando, me sufocando. Ficava de cara feia quando a gente saía para algum lugar. Então, eu falava que assim não ia dar. Quando batia pé firme, ele mudava. No dia seguinte, a mesma situação. Quando percebia que eu podia terminar, ele revertia e dizia: “você está trabalhando demais”. Sempre procurando me ajudar, sempre prestativo, educado. Fazia algumas vontades minhas, nem parecia que ele era aquele homem de ciúmes extremos, que às vezes me fazia achar que era até radical.

Ele me idealizou como objeto dele. Quando eu dizia que iria terminar ou que ia embora, ele chorava, berrava, não me deixava sair do carro. Ele queria casar comigo a todo o custo. Acho que, friamente falando, ele queria era minha estabilidade, pois tenho meu emprego, meu carro, imóveis alugados. Depois, fiquei sabendo que ele era todo enrolado financeiramente. Ele sempre quis morar comigo, mas eu não quis. Sempre fui independente. Gostava de ficar andando para cima e para baixo com o meu carro. Ele não me amava, senão não faria o que fez.

Ataque 
Uma semana antes do ataque, ele começou a ficar arredio. Toda vez que aprontava, dizia que não queria mais sair. Fiz um bronzeamento artificial, ele ficou louco. Mandei a foto e ele disse: “Isso é coisa de prostituta”.

Diante do histórico, comecei a não mais enviar mensagens de “bom dia” para ele. Comecei a me afastar. Ele me chamava para dormir na casa dele, no Alto do Saldanha, em Brotas, e eu dava alguma desculpa. No dia 27 (de fevereiro) fui direto para o hospital. Ele estava acostumado com a rotina de eu sair de casa, pegar ele na casa dele e, de lá, ele me deixava no trabalho e ficava com o carro. Mas esse dia não fui pegar ele. Ele ficou retado.

No dia seguinte, 28 de fevereiro, ele me pediu o carro emprestado e eu dei. Era quinta-feira de Carnaval e ele disse que ia trabalhar vendendo abadás. Então, marcamos às 19h para ele vir me buscar e irmos, nós dois, para a Barra.

Ele chegou às 19h50. Foi quando eu levei um susto. Dois homens desceram do banco de trás do meu carro, um Chevrolet Spin. Ele disse: “Bela, eles são meus amigos, trabalham comigo no bloco”. Eu entrei [no carro] porque, até então, confiava nele.

Apesar de todos os ciúmes, gostava dele, jamais imaginaria que ele estaria planejando uma coisa tão horrível. Diante da demora, acabamos desistindo de pular o Carnaval. Ele disse que ficaria com os amigos na casa dele e, de lá, seguiria para a minha casa.

No trajeto, comecei a desconfiar. Os homens que estavam atrás diziam que eram cordeiros, mas falavam coisas sem sentido, como se o diálogo fosse algo inventado. Na Avenida Bonocô, depois da estação do metrô, Fábio começou a reduzir a velocidade, dizendo que ia pegar um outro amigo. Era por volta das 20h20 quando enviei uma mensagem para uma amiga relatando toda a situação.

Quando fiquei ainda mais desconfiada de que havia alguma coisa errada, eu disse para os três descerem e irem de Uber, porque eu ia para minha casa com o meu carro. Foi quando um dos homens que estava no banco de trás me deu uma chave de pescoço e outro me deu murros. Na minha mente, pensava que eles estavam me assaltando e gritei: ’Fábio, Fábio, estão querendo nos assaltar’’.

Quando consegui virar o rosto, vi que Fábio estava dirigindo tranquilamente. Eu não acreditava naquilo. Comecei a ser esfaqueada. Eram muitos golpes. Enquanto um me imobilizava, o outro aplicava os golpes. E Fábio olhando tudo, dirigindo bem devagar.

Como sou da área de saúde, protegia a minha jugular, porque sabia que um golpe naquela região seria fatal. Ao mesmo tempo, eu perguntava: “Fábio, por que você está fazendo isso comigo?” e pedia: “Não  me deixa morrer, deixa eu cuidar de minha filha”.

Então, eu disse aos homens que me atacavam: “É dinheiro que vocês querem? Eu tenho R$ 50 mil, dou a vocês, vendo meu carro, não digo nada à polícia”. Aí Fábio falava: “Você vai morrer. Ela não tem R$ 50 mil. Adiantem logo com isso e não deixem esse sangue respingar em mim”

Estava tão determinada a viver, que pedia a Deus para me dar força e sabedoria, pois tinha uma filha. Quando vi que já tinha tentando de tudo, tive a ideia de me fingir de morta.

Sobrevivência
Então, fui diminuindo a respiração, como se estivesse morrendo aos poucos. Prendi a respiração. Num determinado ponto da BR-324, que não lembro qual, eles me arrastaram e me jogaram numa ribanceira, toda lavada de sangue.

Daí, pensei que eles iam me jogar, depois, dentro da vala. Estava com a mente doida, pois sabia que numa vala não sobreviveria. Então, mais uma vez, pedi a Deus e a todos os santos, e eles foram embora.

Me arrastei no matagal como bicho selvagem, o local tinha muitos espinhos. Então disse: “Preciso ficar em pé”. Fiz um Pai Nosso e levantei. Andava cambaleando na pista. Os carros estavam desviando como se eu fosse uma assombração ou como se eu fosse alguma isca de uma emboscada de bandidos. Foi quando me joguei de frente para um caminhão. O motorista parou e disse: “Alguém vai lhe ajudar”. Nesse momento, passei a desacreditar na compaixão humana.

Então, deitei no acostamento, não tinha mais forças. Orei, orei, orei muito. Quando olhei, tinham três pessoas ao meu redor, que me levaram para Hospital do Subúrbio. Essas pessoas disseram que, apesar de estar deitada, eu acenava com uma das mãos. Era por vota das 21h quando me resgataram. Todo o meu sofrimento durou pouco mais de meia hora, mas, pra mim, foi uma eternidade”. Informações do Correio da Bahia