É notório o embate cada vez mais intenso entre o Poder Judiciário e o Congresso Nacional, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF). À medida que o STF e seus ministros ganham destaque na cena política, o Legislativo acumula uma série de propostas que tentam reformar, aprimorar ou enfraquecer os membros da Corte.
Levantamento feito pelo Estadão aponta que nos últimos dez anos, ao menos 30 propostas de emenda à Constituição (PEC) foram protocoladas tendo como objeto modificações no STF. No entanto, nenhuma delas seguiu adiante.
A mais importante proposição neste sentido foi aprovada em 2015, de autoria do senador Pedro Simon. Chamada de PEC da Bengala, a proposta aumentou de 70 para 75 anos a idade de aposentadoria compulsória dos servidores públicos – o inclui juízes, desembargadores e ministros.
Com menos ministros do Supremo se aposentando do cargo, a partir da aprovação da medida, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) foi impedida de indicar a maioria dos membros do STF até o fim do seu mandato.
Como aponta a publicação, dentro da última década, nos últimos anos a característica das sugestões mudou. Sendo assim, se antes as PECs focavam em questões técnicas, como critérios para a composição da Corte, estipulação de mandatos de ministros e prazos para pedidos de vista, o embate de integrantes do tribunal com a bancada bolsonarista no Congresso levou a tentativas de reduzir o poder e a influência dos membros do STF.
No período pré-Bolsonaro, entre 2015 e 2018, 19 PECs haviam sido propostas para reformar o Judiciário, mas nenhuma delas visava combater a influência do Supremo. Naqueles anos, a crise política envolvendo o futuro de Dilma e a Operação Lava Jato, que atingiu em cheio a classe política e levou o futuro de parlamentares ao plenário do STF, foram o principal combustível para essas proposições.
Dessas 19, oito delas tratam de mudar o processo de escolha dos membros do STF, geralmente visando reduzir a influência da Presidência da República nas indicações. Entre as sugestões estão a PEC 180/2015 de Eduardo Bolsonaro (então no PSC-SP), que queria tirar essa atribuição do Executivo, e a PEC 388/2017, de André Amaral (PMDB-PB), que pretendia atrelar a critérios regionais à escolha dos ministros, com dois de cada região administrativa do país.
Outras seis delas se referem a prazos para os mandatos dos ministros – que hoje podem permanecer no cargo desde a sua indicação, possível a partir dos 35 anos de idade, até a aposentadoria compulsória aos 75. As sugestões oscilam entre oito e 12 anos e mencionam com frequência casos de Cortes europeias, como a alemã.
Mais um tema recorrente são os pedidos de vista, sobretudo com a chegada de casos importantes da Lava Jato ao STF. Glauber Braga (então PSB-SP), Arnaldo Jordy (então PPS-PA) e Toninho Pinheiro (PP-MG) voltaram seus gabinetes para tentar impedir que os duradouros pedidos de vista nas mãos de ministros como Gilmar Mendes se tornassem “pedidos de veto”.
Este ponto se arrastou até a gestão da ministra Rosa Weber, que em 2022 aperfeiçoou o regimento interno e limitou as decisões individuais dos ministros, e colocou um prazo de 90 dias para os intermináveis pedidos de vista que paralisavam julgamentos indeterminadamente.
Há ainda dois projetos que atacam privilégios no funcionalismo público. As PECs 371/2017 (de Jaime Martins, do PSD de Minas Gerais) e 280/2016 (de Félix Mendonça, do PDT da Bahia) querem proibir as férias de 60 dias de membros do Judiciário e Ministério Público, enquanto o restante das categorias goza de 30 dias por ano. Em 2019, Paula Belmonte (Cidadania-SP) protocolou projeto similar.
MINISTROS DO STF NA MIRA
A apuração do Estadão ainda constatou que com a ascensão do bolsonarismo e a atuação da bancada bolsonarista a partir de 2019, os alvos das proposições passaram a ser o poder dos ministros que interferiam no projeto político do então presidente.
Das 11 PECs propostas, cinco têm como alvo a capacidade decisória dos ministros. Chris Tonietto (então PSL-RJ), Eduardo Costa (PTB-BA), Domingos Sávio (PL-MG) e Reinhold Stephanes (PSD-RR) são autores de propostas para permitir ao Congresso cassar decisões individuais do STF que “extrapolem os limites constitucionais”.
Celso Sabino, então no PSDB-PA e hoje ministro do presidente Lula pelo União Brasil, tentou restringir as hipóteses de prisão em flagrante de parlamentares e vetar o afastamento do mandato por decisão judicial após Alexandre de Moraes mandar prender Daniel Silveira (então PSL-RJ) por ameaças a membros do Supremo. A proposta ficou conhecida como “PEC da Imunidade Parlamentar” e “PEC da Blindagem”.
Bia Kicis (então PSL-DF), por sua vez, quis extinguir a “PEC da Bengala”, baixando a idade máxima do funcionalismo para 70 anos e aposentando compulsoriamente os ministros mais velhos. A medida, se aprovada, permitiria que Jair Bolsonaro pudesse indicar mais nomes ao tribunal e preencher quase metade da Corte com aliados.
Além disso, a partir do governo Bolsonaro as PECs passaram a contar com uma parcela expressiva da Câmara. Diferente do cenário antes de 2019, quando costumavam ser apresentadas por um único parlamentar. As últimas cinco propostas – das quais três são ataques ao poder decisório da Corte –, por exemplo, receberam mais de 170 assinaturas – um terço da Casa. Bahia Notícias