Foto: Paula Fróes / GOVBA

Em meio a uma nova onda de Covid-19, e do receio do impacto que ela terá na rotina dos brasileiros que já viam uma luz no fim do túnel, o futuro é algo incerto. Mas uma certeza já permeia os corredores das unidades de saúde de todo o país: o perfil de quem sofre com a doença mudou completamente um ano após o início da vacinação.

Nas últimas duas semanas, o Bahia Notícias recolheu depoimentos de profissionais que atuam diretamente no combate à pandemia, seja em postos de saúde, UPAs ou em Unidades de Terapia Intensiva voltados para o tratamento de infectados pelo novo coronavírus.

Entre todos os relatos, algo em comum: além de tantos desafios no confronto a uma doença ainda sem tratamento específico e acessível, o cuidado dos não vacinados exige ainda mais esforço dos profissionais – muitos já exaustos após dois anos de luta – para lidar com negação, informações falsas, rejeição de medicamentos e com a dor de familiares que sabiam que o final trágico poderia ter sido evitado.

Os números de casos sobem, e os de arrependidos também. Mas ainda há quem não acredite no risco que a Covid-19 representa. Veja histórias de quem luta para combater o vírus e a desinformação:

“Houve um aumento imenso no número de casos. Nas testagens, quase todos são casos de Covid-19. Recentemente, em um dia, de 30 testes feitos, os 30 foram positivos para o novo coronavírus”. “Alguns pacientes, assim que testam positivo para Covid, querem tomar a vacina o mais rápido possível”.

“Normalmente a gente tem uma dificuldade maior para estabelecer um tratamento com os pacientes não vacinados. Na maioria dos casos são pessoas que ou desacreditam a doença, acreditam que é uma “gripezinha” normal, e outra parte quer que sejam prescritos medicamentos sem comprovação científica para tratamento da Covid. Você tem que fazer um trabalho de convencimento muito maior, gastando esse tempo pra que a pessoa entenda que tem que manter o isolamento, e que não adianta tomar cloroquina ou ivermectina, que não vai resolver o quadro dela”.

“A gente tem presenciado pacientes que mentem em relação à vacina. Que quando você questiona, dizem que foram totalmente imunizados, e quando vamos solicitar um teste que precisa ser feito identificamos que as pessoas não tomaram a vacina, ou só tomaram uma dose”.

Com a vacina, o perfil dos pacientes graves mudou. E é a forma da progressão da doença que mais deixa clara essa diferença:

“Vacinados que estão internados geralmente estão por outros critérios. Um idoso que já tem duas ou três doses e tem sintomas leves, nós internamos mais por precaução, para estar mais próximo e avaliar. Fica às vezes menos de dois dias. Os internamentos de pessoas vacinadas hoje é por precaução. Tenho uma paciente hipertensa e vacinada com três doses de 86 anos, ficou dois dias com cateter e já teve alta. Chegou com falta de ar importante, foi internada para acompanhar e ficou estável. Os quadros não agravam. Quem não tem vacina realmente tem um quadro bem mais grave”.

“Eu tive bastante contato com pacientes vacinados e não vacinados que pegaram a doença grave. Eu posso dizer, com toda certeza, que esse ano o painel está completamente diferente. Porque hoje, mesmo os pacientes vacinados que agravam [o quadro] já têm doenças crônicas, ao contrário do ano passado, em que a gente via pacientes sem doença crônica nenhuma agravando. Os pacientes não vacinados têm um padrão completamente diferente da doença, mais próximo do que a gente via no ano passado, que é um padrão fulminante da doença, com evoluções catastróficas. A gente vê o paciente em um dia com baixo fluxo de oxigênio, e no seguinte ele é intubado porque a gente não consegue ventilar.”

Os não vacinados representam cerca de 80% dos casos de internados em UTIs Covid. Em algumas unidades, esse número é ainda maior. E é nesse momento em que muitos percebem que tomaram a decisão errada. Porém, ainda existem aqueles que mantêm sua crença antivacina – muitos deles vítimas das notícias falsas que circulam nas redes sociais.

“Quando a pessoa tem sintomas mais leves, geralmente ela não se arrepende. Eu tratei um senhor de 54 anos que estava com sintomas gripais e questionei se ele teria o interesse de tomar depois, e ele me disse que preferia a Covid do que ter que tomar a vacina. Mas colegas que atuam com pacientes mais graves, que são intubados, relatam que quando a pessoa sobrevive acaba tendo esse arrependimento. Mas isso não significa que ela vai tomar a vacina, de qualquer forma”.

“Recebo pessoas que falam que não tomaram a vacina. Assumem. Alguns perguntam sobre a possibilidade [de se imunizar] logo antes de agravar. Mas, normalmente, os casos de não vacinados, ou já chegam na UTI para intubar ou já intubados. É muito rápido”.  

“Com a variante nova, a Ômicron, em geral os sintomas têm sido leves para quem tomou a vacina. Temos observado que os pacientes que não tomaram vacina estão evoluindo para quadros mais graves. Hoje, 100% dos pacientes internados na UTI Covid em que eu atuo são pessoas que não foram vacinadas. Na semana passada, apenas um paciente havia se vacinado, e era um idoso com uma série de comorbidades, como hipertensão, diabetes, e que já era acamado”.

“Eu acompanhei um caso em toda a família não acreditava em vacina, inclusive não queriam vacinar os filhos. Eu tentei passar todas as informações que eu podia, mas eles foram irredutíveis, mesmo tendo um parente internado em estado grave com Covid, com 70% do pulmão comprometido.”

“Geralmente, entre os vacinados nós só temos pessoas com alguma comorbidade mais grave, como câncer ou imunossuprimidas. Eu tenho um quadro de uma paciente grave que a família acreditava em vacina, mas ela se recusava, porque tinha colocado na cabeça que as vacinas iam ter um chip que ia rastrear toda a vida dela, e que iam descobrir tudo da vida dela”. “Tive que intubar uma paciente hoje. Ela não se vacinou. Eu perguntei por que, e ela disse que teve medo de morrer com a vacina.”

Outro relato comum foi a tristeza de lidar com a dor de famílias que perdem alguém para o novo coronavírus porque o paciente se recusou a aceitar a importância do imunizante.

“Eu atuo na transferência de leitos de enfermaria para UTIs Covid. Uma história que me chamou bastante a atenção foi uma paciente que precisava dessa transferência. Porém, eu não consegui transferir, porque a paciente não tinha condições, e teve que ser intubada. Quando eu cheguei à unidade de saúde, encontrei os familiares bastante transtornados com o caso dela, porque ela havia se recusado a tomar a vacina”.

“É unânime nos casos graves o arrependimento por não ter tomado a vacina, não só pelos pacientes, mas também pelos familiares. Eu acredito que o que mais dói é ver os familiares que sabiam que aquele quadro grave podia ter sido evitado presenciando o desenrolar de uma doença letal. As pessoas que não se vacinaram muitas vezes assumem o risco, sabiam disso quando escolheram não se vacinar.”

Nos últimos meses, alguns governos estaduais e municipais no Brasil – e no mundo – adotaram restrições mais severas para quem não se vacinou. E o efeito no incentivo à vacinação já pode ser sentido:

“Nós temos visto muito pessoas que chegam pra se vacinar, que não tomaram nenhuma dose ainda e precisam se vacinar por causa das restrições do governo estadual, como entrar no SAC, no Fórum, pra entrar no Hospital estadual porque algum parente está mal e quer visitar…” (Bahia Notícias)