Agência Brasil

O primeiro dia de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2021, realizado neste domingo (21), trouxe trecho da música “Admirável Gado Novo”, do cantor Zé Ramalho, e perguntas sobre racismo, escravidão, erotização da mulher e questão indígena segundo professores. Foram 90 questões de múltipla escolha divididas entre linguagens, códigos e suas tecnologias e ciências humanas e suas tecnologias, além da redação. De um modo geral, os professores consideraram o grau de dificuldade do primeiro dia do Enem como “médio”.

Temas que apareceram nas questões do Enem 2021, entre outros:

  • trecho da música “Admirável Gado Novo”;
  • trecho da música “Comportamento Geral”, de Gonzaguinha;
  • trecho da música “Sinhá”, de Chico Buarque;
  • racismo;
  • erotização da mulher;
  • escravidão;
  • questão indígena;
  • população carcerária brasileira;
  • leitura crítica de notícias;
  • movimentos sociais;
  • charge do Henfil sobre emancipação feminina.

Segundo Gabryel Real, gerente de Processos Avaliativos do SAS Plataforma de Educação, uma das questões pedia que o aluno relacionasse um trecho de “Admirável Gado Novo” que fala sobre “massa” e “vida de gado”, com o contexto em que a música foi lançada, em 1979. Naquele ano, o Brasil vivia sob ditadura militar, mas o tema do regime militar, especificamente, não apareceu na prova de forma mais direta, segundo quatro professores ouvidos pelo g1.

De acordo com Renato Pellizzari, professor de História do Descomplica, a resposta correta a essa é essa pergunta era a que citava uma postura de passividade. A prova também teve as músicas de “Comportamento Geral”, de Gonzaguinha, e “Sinhá”, de Chico Buarque, em Linguagens. Em outra pergunta, foi tratado o tema da erotização do corpo feminino com a ilustração de uma “pin-up”, que é a designação em inglês que se refere a uma modelo voluptuosa.

A emancipação feminina era abordada em uma questão que trazia uma charge do cartunista Henfil. Em relação ao racismo, Real disse que uma pergunta mencionava um episódio da Copa de 1950 em que jogadores negros da Seleção Brasileira, como o goleiro Moacyr Barbosa, foram considerados bode expiatório pela perda do título, citado pelo Observatório da Discriminação Racial do Futebol.

Claudio Hansen, do Descomplica, diz que houve várias questões sobre a escravidão. Uma delas trazia uma notícia sobre recompensa de escravos fugidos e das estratégias dessas pessoas pessoas durante a fuga. Outra, sobre hierarquia entre as pessoas escravizadas. A pauta racial também foi abordada em perguntas sobre o aumento da população carcerária brasileira e a predominância de jovens negros de baixa renda entre os novos presos.

Leitura crítica de notícias, tempo de tela pelas crianças e mais

Outra pergunta trazia um texto do Observatório da Imprensa e falava sobre a importância de fazer leitura crítica das notícias, mas sem fazer menção direta ao tema “fake news”, segundo Gabryel Real, do SAS. Segundo Real, o Enem também abordou da questão indígena ao tratar da popularização nas redes sociais da prática de incluir no sobrenome o termo “guarani kaiowá” como forma de denúncia dos crimes cometidos contra os povos indígenas.

Rodrigo Magalhães, professor de Geografia do Colégio e Curso AZ, diz que a questão indígena foi tratada também em questões sobre como o conhecimento indígena sobre sementes ajudou na relação da produção agrícola. Magalhães cita ainda o impacto da mineração na Amazônia sobre minorias.

Na avaliação de Guilherme Freitas, professor de história geral da Escola Seb Lafaiete, esta edição do Enem foi “muito social”, “com diversos temas que abordam movimentos sociais e lutas de minorias”.

“Tivemos [Friedrich[ Engels, [Thomas] Piketty, duas questões com texto da ‘Carta Capital’, população carcerária, muitas questões sobre indígenas e escravidão. Diretamente contrário às ideias de que seria uma prova com a cara do governo”, afirma. Em outra questão, o exame trouxe um infográfico sobre o tempo que as crianças passam em frente às telas.

Na prova de inglês, Gabryel afirma que havia uma questão que usava como referência o livro de memórias da Michelle Obama, ex-primeira-dama dos Estados Unidos. Na prova de linguagens, havia quatro questões que cobravam a análise de trechos de obras do escritor Machado de Assis, incluindo “O Alienista”, “Um homem célebre” e “Uma ocorrência singular”.

Obras clássicas que costumam ser cobradas no Enem também apareceram, como “Sagarana” e “A Nova Califórnia”. O tema da redação do Enem 2021 foi “invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”. Professores elogiaram a relevância do tema e consideraram a abordagem “dentro do padrão do Enem”.

Grau de dificuldade

Na opinião do professor Filipe Leite, da Seb Lafaiete, o grau de dificuldade da prova de ciências humanas foi “médio”, em que ele avalia que apenas dois exercícios de história geral poderiam ser considerados mais difíceis. No caso das questões de inglês, Wagner Borges, da SEB, também tiveram grau de dificuldade médio.

Para Renato Pelizzari, professor de História do Descomplica, a prova foi “muito boa, muito interpretativa, como costumam ser as provas do Enem”. “A prova de humanas teve bastante a cara do exame”, disse. “A prova foi difícil pela quantidade de textos, não pelos assuntos tratados. Foi bem densa na quantidade de textos, com crônicas, charges e outros textos complexos, alguns precisavam ser lidos mais de uma vez”, Eduardo Valladares, professor de Linguagens do Descomplica.

Para o professor Ademar Celedônio, diretor de Ensino e Inovações Educacionais, falar em grau de dificuldade nesse momento ainda é difícil porque as provas ainda não foram liberadas. “Porém, uma coisa que chama atenção é que na prova desse ano, tem 8 ou 9 questões de literatura. Então, como são temas que caem muito menos na prova do Enem, pode ser que, de fato, os alunos estranhem bastante”, diz.

Segundo Daniel Perry, diretor do Curso Anglo, a “prova manteve o padrão dos últimos anos em termos de habilidades cobradas”. “Teve muita análise de diferentes gêneros textuais em todas as áreas do conhecimento. Não apresentou polêmicas, mas dialogou com temas da atualidade, como a passividade política, a erotização do corpo feminino, o racismo, a questão indígena, dentre outros. Em linguagens, teve textos longos, exigindo muita leitura. Foi, nesse sentido, uma prova trabalhosa. Já em humanidades, os textos eram mais curtos”, avalia. G1