Agência Senado

Em depoimento à CPI da Covid nesta quinta-feira (24), o epidemiologista Pedro Hallal disse que cerca de 400 mil mortes pela doença no país poderiam ter sido evitadas caso medidas de controle, como o distanciamento social e a celeridade na vacinação, tivessem sido implementadas no país. O Brasil tem atualmente mais de 508 mil mortes. Hallal é coordenador da pesquisa Epicovid, estudo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e universidades parceiras.

O epidemiologista atribuiu à postura do presidente da República, Jair Bolsonaro, a principal responsabilidade pela situação da pandemia no país. Para Hallal, Bolsonaro adotou posições “indefensáveis” ao longo da expansão da doença. Só a demora na compra de vacinas, segundo o pesquisador, levou a pelo menos 95,5 mil mortes que poderiam ter sido evitadas.

“Nós fizemos uma análise que estimou que especificamente o atraso na compra das vacinas da Pfizer e da CoronaVac resultou em 95,5 mil mortes”, afirmou. Hallal relatou que há estudos apontando que a demora pode ter acarretado em 145 mil mortes.

“Outros pesquisadores, usando um método, com toda tranquilidade pra dizer isso, inclusive mais robusto do que o nosso, porque eles analisaram os dados não especificamente dessas vacinas, mas o ritmo da campanha de vacinação que teria sido, caso tivéssemos adquirido, e eles estimaram 145 mil mortes especificamente pela falta de aquisição de vacinas tempestivamente pelo governo federal”, completou.

Hallal fez comparações sobre os números de mortes no Brasil e no resto do mundo – segundo o epidemiologista, o país, que representa 2,7% da população mundial, registra 13% das mortes por Covid do planeta. Somente nesta quarta-feira, ressaltou, uma a cada três vítimas da doença é do Brasil.

“Trinta e três por centro das mortes por Covid no planeta Terra ontem aconteceram num país que tem 2,7% da população mundial. Portanto, é tranquilo de se afirmar que quatro de cada cinco mortes no Brasil estão em excesso, considerando o tamanho da nossa população”, disse. Hallal também apontou que a mortalidade acumulada no Brasil é de 2.345 pessoas para cada um milhão de habitantes. No mundo, disse, são menos de 500 mortes para cada milhão de habitantes.

“É uma análise diferente da anterior e que chega exatamente na mesma conclusão: quatro de cada cinco mortes teriam sido evitadas se estivéssemos na média mundial. Não é se estivéssemos com um desempenho maravilhoso, como a Nova Zelândia, Coreia, Vietnã. Se nós estivéssemos na média, nós teríamos poupado 400 mil vidas no Brasil”, afirmou. Ele listou o que o país fez de errado e que resultou em muitas das mortes:

  • “O Brasil fez promoção de tratamentos ineficazes”;
  • “O Brasil teve pouca testagem, rastreamento de contatos e isolamento, que é o bê-á-bá do enfrentamento de qualquer doença infecciosa”;
  • “A ausência de liderança do Ministério da Saúde, de um comitê de crise”;
  • “O desestímulo ao uso de máscaras”;
  • “A falta de uma comunicação unificada, estimulando a população a usar máscara, a se proteger, a evitar aglomerações”.

‘Postura anticiência’

O epidemiologista ressaltou ainda que o alto índice de mortes no país não se deve ao tamanho da população brasileira, ao nível de desenvolvimento ou à pirâmide etária. De acordo com Hallal, entre os critérios de causalidade, é possível constatar uma relação entre a “postura de anticiência” adotada no Brasil e a mortalidade por Covid-19.

Ele apresentou um gráfico com uma relação entre os eleitores do presidente Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018 e as mortes por coronavírus a cada 100 mil habitantes.

Segundo o pesquisador, em cidades nas quais Bolsonaro teve menos de 10% dos votos, por exemplo, foram registradas 70 mortes por 100 mil habitantes. Nas regiões em que o presidente recebeu mais de 90% dos votos, as mortes chegam a 313 a cada 100 mil habitantes.

“A gente observa uma relação extremamente linear entre o percentual de votos obtidos no segundo turno das últimas eleições presidenciais e, especificamente, a morte por Covid”, disse. Nesse momento, o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo Bolsonaro, questionou os dados.

“Qual é a conclusão disso? O que está se querendo dizer com a população da cidade que votou para lá ou votou para cá tem mais ou menos Covid?”, disse. “É só pegar essas cidades aí que têm níveis de isolamento maior do que outras. Qual é a base científica para poder fazer uma afirmação dessa natureza, a não ser animar uma narrativa?”, continuou Bezerra.

“Cada pessoa pode fazer uma interpretação desse resultado. A única coisa que eu estou trazendo aqui é que esse resultado não se observa por acaso, porque quando a gente compara com as mortalidades em geral, não existe essa tendência – essa tendência é específica para a Covid-19. Cada pessoa pode fazer a interpretação que achar mais adequada”, respondeu Hallal. G1