A estudante Carlúcia Alves Ferreira, de 21 anos, trouxe para a comunidade quilombola Lagoa dos Anjos, no município de Candiba, no centro-sul da Bahia, uma grande notícia. A baiana foi aprovada no vestibular para medicina da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), no Rio Grande do Sul. Carlúcia Ferreira se preparou durante dois anos.

O clima seco e quente do semiárido baiano e as dificuldades encontradas ao decorrer da sua história lapidaram a quilombola, que encontrou na força ancestral a motivação para criar rotinas intensas de estudos e enfrentar os desafios. Matriculada no curso, as aulas começaram na modalidade EAD, por causa da pandemia do novo coronavírus.

“Comecei a estudar em casa, com auxílio das plataformas gratuitas e dos conteúdos do projeto Enem 100%. Estudava de segunda a sábado, fazia duas redações e um simulado por semana”, contou a estudante. “Tive o apoio irrestrito de professores da escola, em especial a professora de redação Vina Queiroz, que se reunia comigo para pensar estratégias de estudos e transmitir”, lembrou.

Após concluir o Ensino Médio no Colégio Estadual Antônio Batista, em 2019, Carlúcia Ferreira foi aprovada no curso de enfermagem da Universidade Estadual da Bahia (UNEB). No entanto, contrariando muitos conselhos, cancelou a matrícula para continuar em busca do seu sonho, que era passar em medicina.

Além da rotina de estudos, Carlúcia Ferreira se dedicava a pequenos empreendimentos, com venda de lanches, artesanatos, aulas de reforço escolar para crianças da comunidade e um grupo de dança. Mesmo com tantas atribuições, o desejo da jovem não foi afetado.

“Meus pais nunca puderam dar algo a mais do que o básico. Então, a minha vida no quilombo sempre foi muito limitada. Porém, isso não impediu que eu sonhasse grande e, com o incentivo da minha mãe, nunca desisti da Medicina. Gosto de pessoas e de cuidar delas”, contou. “Quero estar presente tanto nos momentos mais tristes, quanto nos mais felizes. Sou uma prova de que uma preta e pobre pode ser uma médica”.

Carlúcia Ferreira mora em uma casa pequena, com os pais e sua irmã. Sua mãe Luciene Santos Alves Silva tem 47 anos e trabalha como lavradora. Conhecida no quilombo como Tia Yô, ela diz estar realizada com a conquista da filha. “É uma felicidade muito grande. Sempre sonhei em estudar, mas na minha época as mulheres daqui não podiam, isso era coisa de menino. Estou emocionada e muito feliz”, disse a jovem. G1