Crédito: Dener dos Anjos

Uma pesquisa feita pelo coletivo “Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas”,  denominada “Mesmo que me negue sou parte de você: Racialidade, territorialidade e (r)existência em Salvador”, divulgada nesta sexta-feira (19), mostra que os bairros de Salvador onde se identifica maior registro nas mídias de casos relacionados a violência são territórios majoritariamente negros.

Entre junho de 2019 a fevereiro de 2021, foram monitorados 3.040 eventos de violência na cidade a partir do banco de dados do Monitoramento da Violência, realizado pela Rede de Observatórios da Segurança e também com base em respostas da Lei de Acesso à Informação. Dentre as localidades, destacam-se:  São Cristóvão, Mata Escura, Sussuarana, Itapuã e Lobato.

Segunda a pesquisa,  “considerando os poucos bairros da cidade que possuem entre seus habitantes majoritariamente pessoas brancas, nenhum desses aparece de forma significativa no monitoramento das notícias”, trazendo à vista como o uso da violência se organiza na cidade.

O relatório identifica também que a cobertura midiática privilegiou notícias de ações de patrulhamento policial, sendo 801 ações de policiamento e 212 de operações policiais, mas que muito pouco foi noticiado sobre os efeitos letais destas ações.

A partir desses dados, o estudo analisa os efeitos da guerra às drogas nos territórios de Salvador, constatando que ela se dá para determinadas pessoas e territórios. A pesquisa chama atenção para o fato de que, da maneira que essas operações policiais se dão, elas não chegam ao fundo do problema, uma vez que os enfrentamentos acontecem nas comunidades onde a distribuição de entorpecentes é feita de forma varejista e não nos grandes centros de produção, distribuição e administração. Nesse sentido, a Iniciativa Negra aponta que a política de drogas, através da criminalização, tem como base o controle dos corpos negros.

Com dados da Secretaria de Segurança Pública da Bahia, a pesquisa mostra que entre janeiro e dezembro de 2020, os bairros que reúnem a Área Integrada de Segurança Pública (AISP) da região de Periperi, majoritariamente negra, registraram 79 ocorrências por uso/porte de substâncias, ao passo que o número de homicídios dolosos e violências somaram 209 registros; enquanto isso, na AISP 01 – Barris, região conhecida como “centro da cidade”, com maior concentração de pessoas brancas, foram registrados 151 casos de uso/porte de substâncias entorpecentes e, ao mesmo tempo, houve 33 casos de homicídios dolosos.

Ainda de acordo com a pesquisa, estes dados comprovam que, em áreas compostas por população majoritariamente branca, o número de homicídios dolosos, lesões corporais seguidas de morte e roubos seguidos de morte é baixo e o número de ocorrências relacionadas ao uso/porte de substâncias entorpecentes é expressivo em comparação a outros territórios onde a violência se dá de forma mais aguda. Um exemplo é o bairro de Pituba, composto por maioria branca, que tem altos índices de registros de uso/porte de substâncias entorpecentes e nenhuma morte violenta; em comparação, o Nordeste de Amaralina, território majoritariamente negro, aparece com menor número de registros de uso/porte de entorpecentes e maior número de mortes violentas.

O estudo  aponta, ainda, para o acesso público a equipamentos de cidadania. No panorama geral de Salvador, apenas duas regiões contam com mais de um equipamento público de cultura: as áreas de Barris e Barra, majoritariamente brancas. Diversas áreas, onde a letalidade se mostra com números vertiginosos, não têm nenhum equipamento público. Além disso, a pesquisa identificou que os bairros com maior número de notícias sobre violência sofrem com baixa cobertura de equipamentos e políticas públicas voltadas à saúde.

Para Ana Míria Carinhanha, coordenadora de pesquisa da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, “ser a cidade mais negra fora do continente africano não evitou que fôssemos criminalizados e tivéssemos nossos direitos ameaçados”. “Existe uma política estatal muito clara de marginalização e extermínio dos negros e nosso objetivo é exatamente demonstrar esta realidade, tanto pelos registros de órgãos do Estado, pela semiótica construída através de notícias de veículos homogêneos, pela percepção de lideranças de bairros e coletivos e pela promoção e não-promoção de políticas públicas voltadas à qualidade de vida em determinados territórios de Salvador”. Bahia Notícias