Agencia Pública / Antonio Cruz

As falas recentes do presidente Jair Bolsonaro (PSL), como a da manhã de hoje sobre a morte de Fernando Santa Cruz, pai de Felipe Santa Cruz, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), podem ser enquadradas na lei de crimes de responsabilidade, dizem especialistas em diferentes áreas de direito ouvidos pelo UOL. O julgamento de um eventual pedido de impeachment a partir da lei, no entanto, é fundamentalmente político.

Ao reclamar sobre a participação da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) na investigação do ataque a faca sofrido por ele durante a campanha eleitoral no ano passado, Bolsonaro afirmou que poderia explicar ao presidente da Ordem como o pai dele, considerado desaparecido político, sumiu durante a ditadura militar. De acordo com os advogados ouvidos, esta é mais uma das declarações que poderiam enquadrar o presidente na Lei nº 1.079, que trata de crimes de responsabilidade.

De acordo com o Artigo 9º, é “crime de responsabilidade contra a probidade na administração proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. Nos últimos 10 dias, o presidente deu uma série de declarações falsas, preconceituosas ou sem embasamento, como mostra levantamento da Folha de S. Paulo.

“Como presidente, Bolsonaro tem de zelar pelos direitos da nação. É esse tipo de decoro que se espera do cargo. Ele não é o presidente do clube de bocha da esquina, mas do Brasil, representa os brasileiros”, afirma Alexis de Brito, professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Não é papel do presidente da República fazer picuinha, dar visões particulares e praticar revanchismos. Alexis de Brito, professor de Direito Penal do Mackenzie. Ele explica que o decoro previsto na lei, por mais amplo que seja, é o que se espera do papel de liderança. “E não me parece que seja esse tipo de declaração”, completa.

“A expressão ‘decoro’ é muito ampla, mas, de maneira geral, indica que se deve ter um comportamento decente, recatado, discreto. Não cabe ao presidente, no exercício da função, fazer comentários sobre questões familiares, ainda mais em situações tão delicadas como a do presidente da OAB ou qualquer tipo de pessoa”, concorda Thiago Marrara, professor de Direito da USP (Universidade de São Paulo).

Prejuízo ao Brasil
Especialista em Direito Público, Marrara afirma que um dos atributos do cargo presidencial é não misturar suas impressões e emoções pessoais com o exercício da função. “É nessa linha que ele tem de ser recatado e não misturar suas paixões, inclusive de modo a fazer ataques pessoas a uma pessoa ou outra”, pontua.

“Ele não é só o Bolsonaro, é o presidente da República: tem de ter responsabilidade porque sua fala tem o poder que o cargo traz”, argumenta o advogado eleitoral Alberto Rollo. “As coisas que ele diz podem fazer subir ou descer a Bolsa, o dólar, trazer ou não mais investimentos estrangeiros para o Brasil. Qualquer palavra dele tem essa possibilidade. Ao usar palavras como esta, ele acaba prejudicando o Brasil”, avalia Rollo.

André Kehdi, ex-presidente do Conselho Consultivo do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), concorda. Para o advogado criminalista, este tipo de fala é “incompatível” com o cargo exercido.

“Ditadura militar é um tema muito caro para nós. O Brasil passou por um momento muito grave, de regime de exceção. Quando ele fala isso, ofende o pai do presidente da OAB e todas as pessoas que perderam parentes ou sofreram torturas nesse período”, avalia Kehdi. “Quando ele faz esse tipo de afirmação, em tom jocoso, agressivo e abjeto, me parece que procede de forma incompatível.” Informações do Uol Notícias