Quilombos da Barra/divulgação

Foi uma noite de fuga aquela de 6 de abril deste ano. Os tiros disparados no dia anterior, na comunidade quilombola de Igarité, a 84 quilômetros de Barra, no Oeste da Bahia, eram o ápice dos anos de ameaça e intimidação. Uma das famílias em êxodo levou só panelas, alimentos, roupas e a fé de que chegaria no destino. Hoje, não sabem quando voltarão ao território ocupado por elas há mais de 200 anos.

A Bahia vive o paradoxo de ter a maior população quilombola do país – 397 mil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – e ser o estado mais letal para esse povo. Na última década, 11 lideranças quilombolas baianas foram assassinadas, mostra a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombo (Conaq). Os crimes refletem a rotina de ameaças. Os principais conflitos vividos em remanescentes de quilombos variam conforme a região baiana.

Enquanto na Região Metropolitana de Salvador, as principais pressões vêm da especulação imobiliária, indústrias, exploração ilegal de recursos e turismo, no Oeste, de onde fugiram as famílias, de Igarité, o problema é outro.

São os chefes dos grandes empreendimentos de agricultura que pressionam, ameaçam e atiraram contra as famílias (são 520) locais, segundo eles. Neste ano, entre março e abril, parte delas teve o quintal de plantações de feijão, milho e abóbora destruído junto com cercas e casas de taipa por capangas. Desde março, dois boletins de ocorrência foram registrados na Delegacia de Barra sobre os conflitos.

Quem queria aterrorizar conseguiu e plantou o medo da morte que arrancou Auana*, nome ficítico, do quilombo com outras 20 pessoas. As ameaças de vizinhos que se dizem proprietários das terras pioraram em 2017, quando Igarité foi reconhecida como remanescente de quilombo pela Fundação Palmares.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), responsável pela demarcação de territórios quilombolas. ainda não avançou no processo de titulação. por Agricultura e quilombola que não tem planos de voltar para casa.

Agricultura e quilombola que não tem planos de voltar para casa. “Tenho pesadelos sempre. É voce saber que sua vida está por um fio. Tem horas que não consigo raciocinar.”

Igarité é banhada por dois rios, o Grande e o São Francisco, em uma terra plana. O caso desse território, disputado por posseiros, mostra o que está no centro dos conflitos: a possibilidade de explorar vastas áreas preservadas. Onde os moradores quilombolas praticam a agricultura familiar e enxergam subsistência, empresários e produtores rurais enxergam chances de expansão dos negócios – com aval do Estado.

A cidade de Barra tem quilombolas protegidos pelo Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos, Justiça e Desenvolvimento Social da Bahia (PPDDH), composto por 94 pessoas. Ao todo, são 15 quilombolas no programa, também em Lauro de Freitas, Cachoeira e Simões Filho, onde está o Quilombo Pitanga dos Palmares.

Foi de lá que uma das integrantes do programa, Bernadete Pacífico, saiu morta, no dia 17 de agosto, mesmo depois de ter alertado ao poder público sobre as ameaças sofridas. O governo da Bahia revisa, mas não informou quais, protocolos do projeto depois do crime, em parceria com o governo federal, que o coordena. Correio da Bahia