O comércio varejista baiano, que foi fortemente penalizado pela pandemia do novo coronavírus, não terá vida fácil em 2022. Por conta do elevado nível de endividamento das famílias, a inflação alta, o aumento dos juros para os consumidores  e o mercado de trabalho desaquecido,  o faturamento do setor deve encerrar o ano  com uma retração  de pelo menos 1%  em relação a 2021. “Vai ser mais um ano difícil para o varejo”, disse  Guilherme Dietze, consultor econômico da Federação do Comércio do Estado da Bahia (Fecomércio-Ba).

Durante a apresentação  do  “Cenário e perspectivas econômicas 2022”, ontem, na Casa do Comércio, Dietze afirmou que o novo Auxílio Brasil deve injetar este ano cerca de R$ 11,6 bilhões na economia baiana – um adicional da ordem de R$ 7,5 bilhões em relação ao antigo Bolsa Família. Mas o impacto direto destes recursos no consumo de produtos e serviços será parcial. Isto porque uma parte significativa deste valor será direcionada para o pagamento de dívidas e de contas, como de água e de energia elétrica.

“Além disso, as famílias continuam muito endividadas e sentindo a inflação alta, o que acaba impactando diretamente às vendas no comércio”, afirmou o economista, acrescentando ainda  que a economia como um todo vai conviver com inúmeros desafios  este ano.  Se não bastasse a crise sanitária, ele apontou ainda o aumento da  taxa básica de juros, a Selic – o  que acaba encarecendo ainda mais o crédito para o consumidor, afetando, por exemplo, o mercado imobiliário –   o desemprego e as eleições de outubro.

“O cenário de 2022 é de estagflação, ou seja, crescimento muito fraco com inflação elevada”, observou o consultor da Fecomércio. Em sua fala, Guilherme Dietze também fez um balanço  do desempenho do varejo baiano no ano passado. O setor encerrou 2022 com um faturamento de R$ 114,7 bilhões, o que representou um crescimento de 7% em relação ao exercício anterior. A expectativa inicial, no entanto, era de uma alta de pelo menos 9%.

Entre os setores do varejo  que mais se destacaram no ano passado estão o de  veículos, motos e peças, com crescimento de 48%, e farmácias e perfumarias (10,7%).  Em sentido oposto,  registraram quedas as lojas de móveis e de decoração (-9,9%) e os supermercados (-6,4%). “As vendas da última  Black Friday e do Natal decepcionaram”, assinalou  Guilherme Dietze, lembrando ainda que, no ano passado, o pagamento  do  auxílio emergencial injetou  na economia do estado apenas R$ 36 milhões, quase nada em relação aos R$ 25 bilhões de 2020.

Inflação e desemprego

Mas  quais os  motivos que fizeram com que o varejo baiano avançasse abaixo do esperado no ano passado? O  primeiro deles, conta Guilherme Dietze, foi a inflação muita alta. O   Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE,   encerrou  o ano de 2021 em 10,78% na Região Metropolitana de Salvador (RMS) , ficando acima da média nacional (10,06%), e sendo a maior inflação para um ano na RMS em 19 anos, desde 2002 (14,12%). “A inflação muito alta corrói a renda. Se a renda do trabalhador não é recomposta, corrigida, no final ele tem menos dinheiro para consumir no comércio”, explica o consultor.

Outro motivo é a qualidade do emprego na Bahia. No ano  passado houve a recuperação dos postos de trabalho, mas quem conseguiu uma vaga no mercado formal acabou sendo admitido  com um salário mais baixo, o que reduziu a massa salarial.

Para se ter uma ideia,  a massa de rendimentos  no estado  somou R$ 8,798 bilhões no terceiro trimestre do ano passado – um dos piores resultados  da  série histórica iniciada em 2012.  Já o rendimento médio do trabalhador baiano, no mesmo período, ficou  em R$ 1.535, bem abaixo dos R$ 1.879 do 1º trimestre de 2020, quando teve início a pandemia de covid.

Outro ponto destacado por Guilherme Dietze é o recorde de famílias endividadas em Salvador. Hoje, 672 mil famílias da capital baiana possuem algum tipo de dívida. “A inadimplência seguiu em alta e atingiu o maior nível desde 2012, com 32,6%. Os carnês e cartões de crédito são os vilões do endividamento”, afirma o economista, que aponta ainda o crédito mais caro  e seletivo como fator  que impactou  diretamente nas vendas do comércio em 2021.

Investimentos

Já  Antonio Everton Chaves Junior, economista  da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), disse que este ano será de baixos investimentos, altas taxas de juros e pressão da inflação no país, o que eleva o custo de vida e impacta no consumo. “Isso vai complicar no primeiro momento. Nessa perspectiva, quem atua no comércio vai sair de casa para matar um leão por dia. O ano de 2022 será desafiador para as vendas do comércio”, enfatizou o economista.

De acordo ele,  a inflação em dois dígitos segue sendo o  principal vilão dos trabalhadores brasileiros,  com forte impacto  no orçamento das famílias, reduzindo o poder de compra e, consequentemente, o consumo. “A inflação tem impactado sobremaneira o orçamento doméstico, o que impede que as famílias comprem mais”, diz.

Além da inflação, o economista da CNC afirmou que a Selic continuará subindo –  com projeção de fechar 2022 a 12% –  e o Produto Interno Bruto (PIB) deve crescer  apenas 0,3% este ano,  de acordo com projeções do  Banco Central. “Com esse relevo, o Brasil configura como o único país com o mais baixo nível de projeção de crescimento entre 42 países”,  enfatizou  Antonio Everton. Correio da Bahia