A mulher que foi agredida com 68 facadas a mando do namorado, em Salvador, falou sobre a noite de terror que passou dentro do carro, quatro meses após o crime. A fisioterapeuta Isabela Oliveira Conde ainda não conseguiu retornar ao trabalho e sente dor em um dos olhos.

O crime aconteceu na noite de 28 de fevereiro, primeiro dia de carnaval na capital baiana neste ano. Isabela havia deixado o expediente no hospital onde trabalhava, quando encontrou com o mandante do crime, Fábio Barbosa Vieira, que foi buscar ela no trabalho.

Quando Isabela chegou no carro do companheiro, ele o aguardava com dois homens que estavam no banco de trás do veículo. Ela chegou a se assustar com a presença da dupla, mas Fábio disse que os homens eram amigos dele e o ajudavam com vendas de abadás.

No caminho, quando passavam pela Avenida Bonocô, umas das principais da capital baiana, os homens começaram a bater e esfaquear Isabela. Ela precisou se fingir de morta para sobreviver. Os suspeitos a jogaram em uma área de mata da BR-324. Ela foi socorrida por pessoas que passavam pelo local e levada para o Hospital do Subúrbio.

“Na hora que eu percebi que quem estava fazendo aquilo era uma pessoa que para mim era de minha confiança, me chocou muito. Um ato tão cruel de uma pessoa que eu não esperava que pudesse fazer algo desse tipo”, lembra ela.

“Me marcou saber depois que ele planejou tudo isso contra a minha vida, sendo que eu nunca fiz mal a ele. Muito pelo contrário, eu sempre procurei dar o melhor de mim”

Assim como em vários casos de violência contra a mulher, Fábio não demonstrava ser agressivo, mas possessivo. O abuso psicológico é uma das principais características de relacionamentos abusivos, que podem levar à agressão e ao feminicídio.

“Ele não dava sinais nenhum de agressividade. Dava sinais de possessividade e isso foi uma das coisas que fez eu ir me afastando dele. Ele tinha atos possessivos e mentia muito. Aquilo não me fazia bem, eu comecei a perceber que ele não era verdadeiro comigo e aí eu comecei a me afastar. Foi quando eu fui descobrindo outras coisas e ele não aceitou bem o meu afastamento. Ele achava que poderia viver bem comigo me enrolando do jeito que ele tentava enrolar”.

“A decepção é muito grande. Quando parte algo desse tipo de uma pessoa que a gente gosta, que a gente confia, sempre machuca mais. O sofrimento é maior”.

Na época do crime, Isabela ficou com inúmeros pontos e hematomas pelo corpo. Hoje, ela ainda sente dor no olho direito, que também foi golpeado com as facadas. Ela relata ainda que não conseguiu voltar ao trabalho porque ainda não recuperou o movimento de uma das mãos, que foi atingida várias vezes pelos golpes.

“Fisicamente eu sinto muito ainda pelo meu olho direito. Porque eu tenho claustrofobia e, para mim, não enxergar bem nesse olho, me incomoda ainda. Ainda estou nessa fase de troca de lentes, aguardando a melhor cicatrização para tirar os pontos”, conta.

“Mas assim, eu agradeço muito a Deus por demais coisas não terem ocorrido, outros órgãos vitais estão todos preservados. Minha mão direita eu sinto que não tem o mesmo movimento, e como eu sou fisioterapeuta, isso impacta muito na minha função. Vai impactar com relação aos tratamentos que eu gostava de fazer nos meus pacientes aqui em domicílio, em terapia manual”, explica.

“Ainda estou lutando para reabilitar meu dedo, não retornei ao trabalho. Estou fazendo tratamento psicológico, fazendo terapia na mão esquerda e acompanhamento oftalmológico todo mês, porque eu ainda tenho pontos no meu olho direito”

Além dos traumas físicos, Isabela carrega também o psicológico machucado, por conta da frieza com a qual Fábio conduziu o ato. Ele dirigia o veículo tranquilamente, enquanto os dois homens esfaqueavam a fisioterapeuta.

“Fiquei muito chocada quando ele falou: ‘Não deixe esse sangue espirrar em mim, não’. Outra parte que ele falou, que eu não consigo parar de pensar, foi quando eu falei que Deus não ficaria feliz em saber que ele estava tentando tirar a vida de uma pessoa e que isso não era um direito dele. Ele falou que Deus sabia o que ele estava fazendo. Então ele tinha consciência de tudo o que ele estava fazendo”, recorda Isabela.

“Ele estava muito tranquilo fazendo aquilo, como se fosse natural. Eu me senti como um animal sendo atacada por ele” Na quinta-feira (27), Isabela vai ficar frente a frente com Fábio pela primeira vez após o crime. Ela vai participar da primeira audiência, no Fórum Criminal de Sussuarana. “Eu estou com o coração bem apertado. Acho que vai ser difícil para mim, mas como Deus me sustentou até aqui, eu tenho certeza que é mais uma etapa que eu vou ter que vencer”, disse.

Os acusados serão interrogados e voltarão para a penitenciária. Depois disso as partes têm até 5 dias para apresentar alegações e então o processo será analisado para saber se haverá júri popular ou não.

Fábio foi preso no dia 1º de março, um dia depois do crime. Treze dias depois, na manhã de 14 de março, a polícia prendeu Adriano Santos de Jesus, que confessou ter recebido R$ 500 para matar a vítima. O segundo suspeito foi preso na tarde do mesmo dia.

Para Isabela, ter sobrevivido aos 68 golpes que atingiram várias partes do corpo, mas principalmente o rosto, é um milagre. Bastante emocionada, Isabela diz que sobreviveu por uma vontade divina.

“Eu me avalio hoje como um milagre. Eu também lembro muito de uma frase que eles mesmo usaram quando foram presos, que foi coisa de Deus eu ter sobrevivido. Porque era para eu morrer. [Eles disseram] Que para que eu tivesse viva, tinha que ser coisa de Deus. Então eu acredito que eu sou um milagre de Deus, e eu me apego a isso. É isso que me faz ficar forte. O que eu mais quero na minha vida é voltar a ter minha rotina”, disse ela. G1