Cleia Viana / Câmara dos Deputados

A deputada federal Lídice da Mata (PSB), em entrevista concedida ao Política Livre, enfatiza que não se pode confiar nas palavras do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), expressas no “Nota à Nação” (escrita sob mentoria do ex-presidente Michel Temer). No texto, o atual residente do Alvorada quis demonstrar não ter intenções golpistas e garantir que não pretendia atacar o Supremo Tribunal Federal (STF). A ex-prefeita de Salvador também criticou a postura de Temer que, segundo ela, não está à altura do legado do MDB de luta contra a ditadura e pelas liberdades.

A socialista diz que não vê retroalimentação entre Bolsonaro e o ex-presidente Lula, e entende que o petista surge como uma resposta ao “desastre” representado pela gestão atual. Lídice não defende, portanto, a tese de que o ex-presidente petista devesse dar lugar a outro nome, uma vez que analistas apontam que Lula é o candidato que dá  maior sobrevida a Bolsonaro dada a polarização proporcionada pela disputa entre ambos.

Na Bahia, a parlamentar vê consolidada a pré-candidatura do governo do senador Jaques Wagner (PT) e não acredita em mais de uma chapa na  base de partidos que atualmente comanda o Estado. A deputada também aponta que pesquisas, a um ano e meio das eleições, não são parâmetro suficiente para definir cenários para outubro de 2022.

Ela também diz não acreditar que o modelo de gestão do ex-prefeito de Salvador ACM Neto sirva para a administração da Bahia. Lídice também admite o desejo do PSB de assumir, se houver condições, uma vaga na majoritária, mas aponta que o objetivo do partido é manter ou ampliar as bancadas de deputados estaduais e federais.

Confira a entrevista abaixo:

No 7 de Setembro, houve as manifestações contra e pró-Bolsonaro, dois dias depois houve aquela “Carta à Nação” do presidente. A senhora disse que não acreditava muito nas palavras do presidente. Como a senhora avalia esse momento que o Brasil passa?

Lídice da Mata – Primeiro não é que eu não acredito muito, eu não acredito em nada no presidente, e ele está demonstrando que eu tenho razão. Não é a primeira vez que ele diz e desdiz a si próprio; só que das outras vezes ele fez isso com pouca intensidade. Mas desta vez ele causou um prejuízo de profunda intensidade à Nação brasileira com esse absurdo que foi feito em Sete de Setembro: uma mobilização que ele coordenou para confrontar os Poderes da República, concentrada no Supremo, mas ainda antes já foi na Câmara dos Deputados. Então pouco a pouco ele vai conseguindo colocar a população contrária a uma das instituições públicas, se vitimizando, se dizendo vítima desta instituição. Como se o Supremo Tribunal como fórum de decisão pudesse agradar a todos. É absurdo o que foi feito. Eu acho que a conturbação do Brasil é Bolsonaro. Diversos países do mundo estão tendo prejuízo, perderam vidas, mas nenhum ou poucos têm pessoas como Bolsonaro no poder, que prejudicam e intensificam o prejuízo da Nação.

A senhora acredita no processo de impeachment contra o presidente?

Sim. Outros partidos começaram a analisar o impeachment com seriedade e, apesar da reação de alguns, como o MDB, que Temer teve a coragem de dizer que o MDB dá a solução e não cria problema, ele que, num cargo de vice, para se beneficiar, conspirou contra a presidente que o elegeu, que foi a presidente Dilma, agora tem a cara de pau de dizer que o MDB não cria problema. Não há uma criação de problema maior do que o que foi feito pra retirar-se uma presidente eleita que não era e não vivia um período de unanimidade, embora tivesse tido um período de aprovação maior até do que o Lula no início, não vivia um bom momento e ele aproveitando-se disso conspirou e se beneficiou diretamente da decisão. Então não tem credibilidade. O MDB foi um grande partido da luta contra a ditadura e da Constituinte: é o principal legado do MDB, além da participação na resistência democrática. É a Constituição Cidadã, traída por ele e por muitos deles que permanentemente emendam a Constituição e tentam colocar-se contra ela.

Está distante daqueles ideais que eram representados por figuras como o Ulysses Guimarães.

Como o Ulisses, como tantos outros que expressavam um programa de soberania nacional, nacionalista, democrático. Talvez Sarney estivesse mais próximo daquele MDB na prática, e vinha da Arena, do que Temer. Ele revelou-se uma figura menor e agora tem algum papel na diminuição do confronto, mas ao mesmo tempo joga o MDB como avalista desse homem que não merece aval de ninguém. Ele voltará a repetir suas ameaças porque é de sua natureza e de seu projeto.

Deputada muitos analistas entendem que Bolsonaro e Lula se retroalimentam. A senhora acha que poderia ser melhor encontrar alguém alternativo a Lula até pra pra enfraquecer essa  retroabilitação com Bolsonaro?

A política não é assim: vamos encontrar alguém pra fazer isso ou aquilo. As pessoas surgem ou não surgem. Os desafios se apresentam e algumas pessoas se destacam. E não acho que há uma retroalimentação, pode até em outro momento ter acontecido isso, agora não. Lula surge como uma alternativa real porque, quando um governo vai muito mal, o representante do governo anterior que foi muito bem naturalmente surge na cabeça do eleitor como alternativa. Pode-se falar muito de Lula, mas é muito difícil achar alguém que possa atacar os seus dois governos. O Nordeste e o Brasil inteiro se desenvolveram. Nós ultrapassamos uma crise internacional com muito pouco rescaldo sobre a economia brasileira. Com Lula, os bancos ganharam, os banqueiros ganharam, os empresários grandes ganharam, os pequenos empresários ganharam e o povo principalmente ganhou. O aumento do salário mínimo fez uma transferência direta de renda para o povo brasileiro. Então é difícil comparar. Agora é democrático e é legítimo que outras candidaturas apareçam, como a do Alessandro Vieira (Podemos), o senador de Sergipe. Isso é natural da política. Agora, certamente algumas candidaturas incorporarão mais o desejo de transformação da realidade atual.

A CPI que está em evidência agora é a da pandemia, mas a senhora é relatora da CPMI das Fake News. Quando será retomado o trabalho dessa CPMI e qual o papel dela nesse cenário atual?

Agora que o Senado está retomando o trabalho de comissões, nossa expectativa é que, quando acabar essa CPI, possamos retomar as atividades da CPMI. E aí nós vamos também nos beneficiar de tudo que tiver sido investigado e concluído na CPI da Pandemia a respeito desse período, principalmente observando e confirmando o modus operandi desses propagadores da mentira. É um crime organizado, não é uma coisa feita por pessoas ingênuas, pelo titio da rede, a titia da rede. É feita de maneira organizada por pessoas que têm objetivos político-ideológicos também definidos e alimentados com muito dinheiro. O sistema de reprodução de fake news no Brasil mantém um esquema de contratação de pessoas, já denunciado por mais de uma vez, com salários básicos maiores que o salário mínimo.

Deputada, como é que a senhora viu agora, no âmbito do código eleitoral, o texto principal que foi aprovado na quinta-feira, que exclui a divulgação de pesquisas eleitorais na véspera e no dia da eleição?

Eu acho que é interessante porque muita gente utiliza isso para pressionar na direção do voto útil. Eu acho que é interessante sim, é um exercício interessante a gente voltar pra ter uma liberdade maior, mas é preciso também estar atento para prevenir o comportamento de uma eleição que vai se dar com o uso das ferramentas de redes sociais muito intensa e que se especializou em dizer mentira, em falar mentira, em divulgar mentira.

Falando agora de Bahia, a candidatura de Jaques Wagner, no entendimento da senhora, está consolidada já na base ou a senhora acha que pode haver realmente outras candidaturas ao governo no grupo que hoje integra a base do governador Rui Costa?

Aqui na Bahia eu acho difícil, olhando para o xadrez político. É difícil trocar a candidatura de governo porque essa troca implicará nos outros lugares. Desarrumaria muito as forças políticas que integram a base. Agora até o dia das convenções tudo pode acontecer, mas acho que tem muita dificuldade.

A principal candidatura de oposição hoje na Bahia tá demonstrada na figura do ACM Neto que, de acordo com as pesquisas publicadas e outras para consumo interno, está liderando. O trunfo do pré-candidato é a administração dele em Salvador. Essa administração serve como modelo para governar o Estado?

Primeiro essa história de pesquisa a essa altura não reflete muita coisa. Temos exemplos clássicos: Paulo Souto perdeu a eleição com o nível de aprovação grande de sua gestão no início do processo. César Borges perdeu a eleição, iniciando o processo de campanha à frente em pesquisas para o Senado. Então essa história de pesquisa a um ano e meio da eleição eu acho que não seja fato significativo a ser considerado. Pesquisa que tem que ter alguma importância nesse momento são as pesquisas qualitativas. A eleição não é um jogo apenas de personalidades. Eventualmente se dá um jogo de personalidades, mas, ainda mais numa eleição nacional, outros elementos entram no jogo. Por outro lado há pesquisas confiáveis e outras não confiáveis.

E a questão de servir como modelo. Serve?

Governar o Estado da Bahia não é governar Salvador. O Estado da Bahia tem outros desafios. Salvador digamos, entre aspas, é a área mais privilegiada pelo clima, pelas receitas do que dispõe pela concentração de recursos aqui no litoral. Mesmo na região metropolitana com todos os desafios, os grandes núcleos de pobreza que tem, ainda estão distantes dos índices e dos desafios do empobrecimento do semiárido. E nós temos governos a apresentar, muitas conquistas. Nessas duas gestões de Wagner e Rui foram dezesseis hospitais regionais na Bahia: essa é uma revolução no nível de assistência e de atendimento à população do estado da Bahia com investimentos que passam da casa dos bilhões. Então o lado que cá tem sólidas vitórias administrativas para mostrar. Tem áreas de falha? Tem, mas a administração do município tem também.

O que a senhora e os demais membros do PSB na Bahia estão projetando para as próximas eleições. Almejam estar na majoritária?

Se surgirem condições pra que a gente possa estar em uma chapa majoritária, o PSB estará disponível pra isso. No entanto, com as novas regras eleitorais que sequer terminaram, que sequer estão concluídas, se colocam grandes dificuldades para partidos do tamanho do nosso, que é um partido médio e sem uma candidatura nacional. Nós estamos lutando para manter e aumentar as nossas bancadas de deputados federais e de deputado estaduais. Sem a coligação proporcional ou algo assemelhado, fica mais fácil para um partido do tamanho médio como o PSB. Política Livre