Agência Brasil

O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ignorou advertências do Ministério Público Federal e repetiu nas negociações para a compra da vacina Covaxin os mesmos vícios apontados pela procuradora da República Luciana Loureiro Oliveira na aquisição de medicamentos para doenças raras em 2017. Na época, o deputado federal Ricardo Barros (Progressistas-PR) era o ministro da Saúde e foi considerado o mentor do esquema que beneficiou o empresário Francisco Maximiano, o mesmo que intermediou a venda da Covaxin. O blog mostra a seguir que o governo Bolsonaro fez um “ctrl C + ctrl V” da operação de Barros para comprar vacinas. Em quarto oportunidades os casos se misturaram:

  1. Na tentativa de culpar a Anvisa por todo e qualquer problema
  2. Na pressão a servidores para ignorar irregularidades e acelerar o pagamento prévio
  3. Nas justificativas dadas pelos envolvidos
  4. Na negociação com intermediário

1 – Intermediário

Até a chegada de Barros ao Ministério da Saúde, em maio de 2016, o governo federal comprava os remédios especiais diretamente dos produtores. Era como comprar vacina da Pfizer. A União conseguia preços mais baratos, pois não havia intermediários, e tinha a certeza de que estava à mesa negociando com quem detinha o produto.

Segundo o Ministério Público, em novembro de 2017, o ministro Barros “determinou que as compras de medicamentos para doenças raras, realizadas pelo Ministério da Saúde para atender a ordens judiciais, não mais seriam feitas por dispensa de licitação, com os fabricantes ou empresas distribuidoras dos medicamentos. Em lugar disso, deveria ser realizada cotação de preços com empresas previamente cadastradas no Ministério da Saúde”.

Com as novas regras, a Global, a intermediária, entra na história, apesar de não ter histórico de fornecimento de medicamentos à administração. Tanto que ela recebeu R$ 20 milhões do governo e nunca entregou o medicamento.

Agora, vamos para o caso das vacinas. O governo Bolsonaro boicotou as negociações com a Pfizer, mas foi célere para fechar o contrato quando entrou na história a Precisa. No dia 26 de fevereiro, assinou contrato para compra de 20 milhões de doses. Nove dias mais tarde, o coronel Élcio Franco, secretário-executivo do Ministério da Saúde, mais que dobrou a meta: pediu outras 50 milhões de doses. O dono da Global e da Precisa é o mesmo, Francisco Maximiano. Mais “ctrl C + ctrl V”, impossível.

2 – Justificativa

Durante uma viagem à Índia para tratar da compra da Covaxin, o presidente da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano, teria dito que o mercado de vacinas no Brasil era dominado por três empresas, dentre elas a Pfizer, e que era preciso quebrar o controle destas empresas no país.

É o mesmo argumento utilizado pelo ex-ministro Ricardo Barros para justificar a inclusão de intermediários nas compras dos remédios para doenças raras, em 2017: “a ação fazia parte de um processo de gestão e de enfrentamento aos monopólios do setor farmacêutico, especialmente na compra de medicamentos para atendimento de doenças raras em cumprimento a decisões judiciais”.

3 – Pagamento prévio

A história da Covaxin está fresca na memória. O servidor Luis Ricardo Miranda do Ministério da Saúde diz ter sofrido uma pressão incomum de seus superiores para finalizar o processo da vacina indiana, facilitando, assim, um pagamento prévio de US$ 45 milhões à Precisa. E não é que aconteceu a mesma pressão no caso de 2017? O relato é do Ministério Público:

“Com o evidente intuito de beneficiar indevidamente a empresa Global em aquisições do Ministério, Ricardo Barros pressionou o servidor Victor Laud para que assinasse os pagamentos antecipados à Global“. Victor não aceitou e dançou, conta a procuradora Luciana Loureiro Oliveira:

“O servidor em questão, como visto em suas declarações, não aceitou tomar parte nos atos de favorecimento à empresa GLOBAL (e a outras, como visto anteriormente) e, tendo-se recusado a efetuar o pagamento antecipado acima referido, recebeu, como ‘prêmio’, a exoneração do cargo de coordenador da execução orçamentária e financeira do Ministério”, afirma na denúncia contra Barros por improbidade.”

4 – A culpa é da Anvisa

Por fim, o último “ctrl C + ctrl V”. No dia 30 de março, a Anvisa negou o certificado de boas práticas à Bharat Biotech, empresa de biotecnologia indiana que desenvolveu a Covaxin, por questões sanitárias. O certificado é requisito obrigatório para imunizante ser usado no Brasil. Em 29 de abril, Barros – que em fevereiro já havia ameaçado enquadrar a Anvisa – culpou a Anvisa por estar “atrasando o nosso cronograma de vacinação”.

“Muitos bilhões de reais foram disponibilizados para o combate à Covid, vacinas compradas, contratadas, ainda com poucas vacinas autorizadas pela Anvisa e, portanto, atrasando o nosso cronograma de vacinação. Mas o governo fez e assinou os contratos. Nós temos 500 milhões de doses de vacinas contratadas. E contratará mais, porque, como estamos vendo a programação de entrega de vacinas não pôde ser cumprida porque não houve liberação da Anvisa nem da Covaxin, nem da Sputnik, nem de outras vacinas que estão lá com pedido de uso emergencial”, disse o líder do governo em discurso na Câmara.

Em 2017, quando os medicamentos prometidos pela Global não chegavam, advinha quem Barros culpou? “A resolução da Anvisa é restritiva à competição. Falei isso em público. O ministério já iniciou a compra, tem o recurso, mas não consegue entregar.”

As semelhanças terminam por aqui. No caso dos medicamentos, o Ministério Público Federal calcula que 14 pacientes morreram por conta das estranhas negociações com a Global. No caso das vacinas, a CPI ainda está fazendo as contas.

E olha que a procuradora Luciana Oliveira alertou que o problema com a Global poderia se repetir. “Uma empresa que deixou de cumprir dezenas de contratos, levando à morte de diversos pacientes, e que apresentou documentação FALSA ao Ministério da Saúde segue impune, podendo, em breve, participar livremente de novos certames licitatórios.”

Barros se defende

Em entrevista, o deputado Ricardo Barros se defendeu.

1 – Por que em novembro de 2017, o senhor determinou que as compras de medicamentos para doenças raras não mais seriam feitas por dispensa de licitação com os fabricantes ou empresas distribuidoras dos medicamentos, mas através de intermediários, entre elas a Global?

Barros: Nunca houve essa determinação. A ação fazia parte de um processo de gestão e de enfrentamento aos monopólios do setor farmacêutico, especialmente na compra de medicamentos para atendimento de doenças raras em cumprimento a decisões judiciais.

A política de quebra de monopólios consistia em buscar por meio de concorrência a proposta mais vantajosa aos cofres públicos, de menor preço, independente de quem fosse o vendedor do medicamento. Na minha gestão no ministério promovi uma economia superior a R$ 5 bilhões ao sistema de saúde que puderam ser reinvestidos no SUS.

A Anvisa concedia registros de medicamentos às distribuidoras que possuíam exclusividade para comercialização e não para as fábricas. O ministério passou a cotar os medicamentos para compra em cumprimento de decisões judiciais.

A Justiça nos deu razão e permitiu a importação por empresas que não detinham a exclusividade e por isso os preços baixaram. São processos que afrontaram grandes interesses, mas promoveram mais serviços à população. Não se comprovará qualquer irregularidade.

2 – O senhor pressionou servidores do Ministério da Saúde para que eles assinassem pagamentos antecipados à Global Medicamentos, como afirma o Ministério Público Federal?

Não, nunca tratei de adiantamento.

3- O senhor vê semelhanças na forma como conduziu a compra para medicamentos de doenças raras e no processo de compras de vacinas no governo Bolsonaro?

Não. A exigência de representante no Brasil para empresas que não tenham filial aqui é da Anvisa.

4 – O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), diz que quem sequestrou a sua honra não foi a comissão, mas o presidente Bolsonaro, que ainda não saiu em sua defesa publicamente. O senhor concorda?

A CPI quer envolver o presidente Bolsonaro, ele não precisa negar ou confirmar a fala do deputado Luís Miranda. A CPI que a tome por verdade, e investigue se participei das negociações da Covaxin. A CPI já sabe que não. Todos os envolvidos ouvidos na comissão negaram meu envolvimento. Até mesmo o deputado Luís Miranda (DEM-DF) [irmão do servidor Luis Miranda e que diz ter relatado a Bolsonaro suspeita de irregularidade na compra da vacina indiana] disse que a afirmação do presidente teria ocorrido ao ler matérias da ação da Global. Basta ter seriedade e concluir a investigação sem ativismo político de oposição. Não tenho nada a temer. Por Octavio Guedes