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Instituições de defesa dos direitos humanos e organizações independentes voltadas para estudos de segurança pública condenaram a ação da Polícia Civil desta quinta (6), que resultou na morte de 25 pessoas, incluindo um policial, na Comunidade do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio. A operação desta quinta foi a que deixou mais mortos na história do estado ao menos desde 1989, segundo levantamento realizado com dados do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da plataforma Fogo Cruzado. O policial civil morto era André Leonardo de Mello Frias, da Delegacia de Combate à Drogas (Dcod). A Polícia Civil diz que os outros 24 assassinados são suspeitos de integrar o crime organizado, mas não revelou as identidades ou as circunstâncias em que foram mortos.

Veja o posicionamento das organizações

Defensoria Pública

Integrantes da Defensoria Pública foram ao Jacarezinho nesta tarde, ouviram moradores e viram as consequências da ação. Em entrevista coletiva dada nesta quinta, a defensora pública do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, Maria Julia Miranda, disse ter visto “muitas poças de sangue” e que “uma operação com 25 mortos não pode ser considerada eficaz”. “Ficamos chocados com muito sangue no chão, a quantidade de bala nos lugares. Uma menina de oito anos viu a execução. A cama de uma criança cheia de sangue. Ela estava completamente traumatizada”, contou a defensora pública.

“E é provável que tenha acontecido execução. Se essas 24 pessoas chegaram mortas no hospital, isso caracteriza, sim, desfazimento de cena de crime. O saldo do dia é muito impactante. Qual o critério da Polícia Civil para dizer que a operação foi eficiente? A gente tem que ter critérios de avalição, uma operação que teve 25 mortos não pode ter sido eficiente”, disse a defensora.

Fórum Brasileiro de Segurança Pública

O diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBPS), Renato Sérgio de Lima, condenou o planejamento e a eficácia da ação. “Em termos de planejamento de atividade de polícia, as informações disponíveis até aqui são que a ação não foi bem sucedida e, na verdade, o resultado dela é uma sequência de erros e de decisões equivocadas, mesmo que a partir de um problema sério, que é a criminalidade organizada no Rio de Janeiro”, afirmou o diretor do fórum.

“Se a inteligência tinha informações de que os criminosos estavam fortemente armados, que eles se organizavam e provavelmente aliciavam adolescentes, crianças e adolescentes pro tráfico, uma informação fundamental na análise tática é: eu vou precisar de cem policiais? De 200? De 300? De 500 para conseguir fazer superioridade tática para chegar lá e prender os criminosos? Porque em um planejamento de polícia, eu não posso pensar no confronto. Eu tenho que pensar em prender os criminosos e levar ao judiciário”, completou.

Humans Right Watch

Em nome da Humans Right Watch (HRW) – organização internacional não governamental que defende os direitos humanos – a diretora da organização no Brasil, Maria Laura Canineu, afirma que a ação desta quinta (6) deve ser investigada de forma independente pelo Ministério Público.

“O resultado da operação policial na comunidade do Jacarezinho no Rio de Janeiro é uma tragédia, 25 mortos e vários feridos não pode nunca ser motivo de qualquer celebração. Estamos clamando que o Ministério Público do Rio inicie imediatamente uma investigação minuciosa e independente da operação”, disse a diretora.

“Entendemos que o Ministério Público não pode simplesmente lavar as mãos e deixar a polícia civil investigar a própria polícia civil. Agora é um momento chave para o Ministério Público agir, é o momento deste órgão garantir que haja a preservação do local dos fatos, que os corpos não sejam removidos do local sem perícia e que haja o recolhimento de toda a evidência existente”, afirmou a diretora da HRW no Brasil.

Anistia Internacional

Diretora na Anistia Internacional, Jurema Werneck, questionou a magnitude da operação da polícia. “Essa operação era pra quê? Eu ouvi dizer que era uma operação para coibir assaltos, aliciamento de crianças e jovens por grupos de assaltantes que assaltavam na Supervia. Para coibir, precisava daquele aparato? Uma vez que chegou lá com aquele aparato, o que é que justificava, para coibir assaltos, matar tantas pessoas? Tantas pessoas que eram jovens, eram negros, eram pobres, dentro de uma favela. O que justificava produzir tantos feridos? Dois feridos no metrô, feridos ali, os próprios policiais, um policial morreu”, disse a diretora executiva da Anistia Internacional Brasil.

Instituto Igarapé

Em nota à imprensa, o Instituto Igarapé – voltado para produção de estudos relacionados à segurança pública – definiu como “inaceitável o fato de que a segurança pública do Rio de Janeiro aposte em letalidade como estratégia”.

“O Instituto Igarapé lamenta profundamente a morte de 25 pessoas, incluindo um policial civil, em operação da Polícia Civil no Jacarezinho. É inaceitável que a política de segurança pública do estado continue apostando na letalidade como principal estratégia, sobretudo em áreas vulneráveis. Privilegiar o confronto indiscriminado coloca nossa sociedade e nossos agentes públicos em perigo”, consta na nota.

O texto cita dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) que indicam que a polícia do Rio foi responsável pela morte de 453 pessoas entre janeiro e março deste ano: o número já representava 36% do total registrado em 2020, quando foram registradas 1.245 vítimas.

“Não se trata de ser conivente com o crime, mas o resultado visto até agora são pessoas mortas, feridas e em pânico, algumas delas surpreendidas em meio à rotina de uso do transporte público e dentro de suas casas. Esse tipo de operação não desarticula grupos criminais, apenas causa dor e gera desconfiança. O impacto social desse caso ainda é inestimável, mas certamente vai durar anos”, diz o texto.

Comissão Arns

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns) manifestou “seu mais veemente repúdio pela operação”. “É inaceitável que esta chacina aconteça em meio à pandemia que castiga o país há mais de um ano, com cerca de 415 mil mortos (…) O que se está vendo no Rio – uma ação desastrosa contra centenas de pessoas, autorizada pelo atual governador, Cláudio Castro, sob o pretexto difuso de investigar o aliciamento de crianças e jovens pelo tráfico de drogas – configura claramente uma situação de violência do Estado, inspirada por instintos sádicos e executada com grande brutalidade. Corpos ensanguentados estão nas ruas e becos do Jacarezinho, casas foram invadidas, celulares, confiscados, moradores vivem horas de desespero”, diz a nota.

“É preciso reagir à matança! Que o governador do Rio, empossado há apenas cinco dias, assuma responsabilidades nesta malfadada operação. Que as autoridades competentes garantam a preservação dos locais onde as mortes se deram. Que o trabalho de perícia do IML seja feito dentro dos critérios técnicos exigidos, sob o olhar vigilante de toda a sociedade. E que a decisão do STF, suspendendo essas operações, seja plenamente respeitada.”

O que diz a polícia

Representantes da Polícia Civil disseram, durante entrevista coletiva, que só houve uma execução no Jacarezinho, a do policial civil baleado na cabeça quando retirava uma barricada. Delegados disseram que o tráfico da região aliciava menores para o crime e que até proibiam namoros. Afirmaram ainda que a operação cumpriu todos os protocolos exigidos por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) restringindo operações em favelas durante a pandemia a casos excepcionais.

O Ministério Público afirmou que foi avisado “logo após o início da operação”. Sem citar nomes ou entidades, o delegado Oliveira, que é subsecretário operacional da Polícia Civil, criticou o que chamou de “ativismo judicial”, que segundo ele vai contra o trabalho policial. O delegado também disse não considerar que houve erros ou excessos na operação, mas que o resultado não é para ser comemorado.

O delegado Felipe Curi, chefe do Departamento-Geral de Polícia Especializada (DGPE), afirmou que a investigação da polícia tinha “registro do aliciamento de menores para atuar no tráfico” e outros crimes. Curi considera que a ida da polícia à favela foi para “garantir o direito das pessoas que estavam sob a ditadura do tráfico [de drogas]”. G1