Mais de 10 mil canetas de insulina asparte – com ação em até 15 minutos – que deveriam ter sido enviadas pelo Ministério da Saúde (MS) para pacientes com diabetes na Bahia ainda não chegaram ao estado. Em nota, o ministério informou, no dia 30 de setembro, que 10.215 canetas tinham sido enviadas para atendimento de 1.369 pacientes na Bahia. Nenhum deles, no entanto, teve acesso ao equipamento que substitui as seringas para aplicação diária de insulina para pacientes com diabetes tipo 1.

As canetas seriam destinadas a pacientes que já recebem o medicamento, inscritos no Programa de Assistência Farmacêutica da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab). No entanto, até esta quarta-feira (14), a Sesab não havia recebido nenhuma das canetas.

“O Ministério da Saúde ficou realmente de enviar um quantitativo da insulina, mas até o momento a Secretaria da Saúde não recebeu o medicamento. Estamos aguardando o envio”, informou a Sesab. A pasta acrescentou que o MS não informou o motivo de não ter enviado as doses, que seriam destinadas a atendimento em julho, agosto e setembro.

A Bahia já recebe e distribui insulina de ação rápida – ela foi incorporada ao SUS em 2017 –, através do Centro de Diabetes e Endocrinologia da Bahia (Cedeba), unidade de referência na área. Esta remessa, no entanto, decorre do empenho de associações que representam pacientes com diabetes em todo o Brasil, que pediram a liberação das canetas também para pacientes atendidos na atenção básica – e não necessariamente por um endocrinologista.

A Secretaria Municipal de Saúde de Salvador (SMS) informou que também não recebeu ainda as doses, nem está autorizada a ‘liberá-las’ para pacientes. Isso porque, primeiro, elas chegam para o estado, que é quem faz a distribuição.

Burocracia

Entidades como a Associação Diabetes Juvenil (ADJ) vinham pedindo ao Ministério da Saúde que desburocratizasse a liberação das canetas de insulina para a atenção básica. Isso porque os lotes já comprados pelo governo federal em 2018 vão vencer entre dezembro deste ano e junho de 2021, provavelmente sem que fossem totalmente distribuídos.

A ADJ estima que entre 900 mil e 1,4 milhão de doses seriam jogadas fora, já que não chegariam a tempo às mãos dos pacientes, que enfrentam um longo caminho até ter acesso a elas. A burocracia é tanta que, segundo a ADJ, apenas cerca de 47 mil pacientes no país conseguem ter acesso a elas. Estima-se que, no Brasil, 16,5 milhões de pessoas convivam com a diabetes.

O Ministério da Saúde foi procurado para dizer o que faria com as doses que estão para vencer, mas limitou-se a responder que enviou as 10 mil canetas à Bahia e explicar como funciona a distribuição das doses. Segundo a pasta, ela vem ocorrendo, desde 2018, “em atendimento às necessidades informadas pelos estados e pelo Distrito Federal para pacientes cadastrados”.

Ou seja, as secretarias estaduais enviam uma lista trimestral e o ministério encaminha as doses até o dia 30 do mês que antecede o trimestre. Em nota técnica do dia 23 de setembro, o ministério informou que a demanda tem sido inferior ao esperado.

Componente especializado

O problema é que não é fácil conseguir a caneta de insulina. A demanda é inferior ao número de doses compradas no lote de 2018 porque, segundo informações da ADJ, são poucos os pacientes que conseguem uma consulta com o endocrinologista e saem de lá com um longo formulário preenchido pelo médico. É este papel que lhes assegura a indicação para receber o medicamento.

“Essa insulina está no componente especializado e, para recebê-la, a pessoa precisa passar pelo endocrinologista. Esses profissionais estão concentrados nos grandes centros. Alguns estados deixam o clínico prescrever, mas são poucos. Então, a gente tem muita dificuldade de a pessoa receber essa insulina”, explicou Vanessa Pirolo, coordenadora de Advocacy da ADJ, que esteve em uma reunião com o MS no final de setembro.

Ou seja, sem acesso ao especialista, o paciente que quer usar a caneta no lugar da seringa precisa comprá-la numa farmácia, com custo médio de R$ 35 a R$ 37. E não basta uma: como a vida útil da caneta depende de fatores como o peso do paciente, é possível que ele precise de mais de uma num curto espaço de tempo. As canetas compradas pelo ministério custaram ao governo federal, em média, R$ 12 a unidade – três vezes menos do que o valor da farmácia.

“O médico tem que preencher folhas e folhas dizendo que você precisa. Eu não recebo nenhuma insulina da minha prefeitura, eu preciso comprar na farmácia por um preço bem maior. Você submete o paciente a um processo desgastante, difícil, burocrático, para depois ainda negar. É tanta burocracia, é tão difícil, que você acaba desistindo”, desabafa a dentista Thaís Paradella, 36 anos.

Ela mora em São José do Rio Preto, em São Paulo, umas das cidades com mais queixas de pacientes sobre as dificuldades em conseguir as doses. Na Bahia, segundo a endocrinologista Odelisa Matos, do Cedeba, normalmente não há problemas com falta do medicamento.

“O estado da Bahia foi pioneiro nessa insulina análoga de ação rápida, que já é distribuída pelo governo federal. O paciente segue um protocolo. Se ele estiver dentro do critério, ele vai receber a insulina. Não temos problema, a não ser quando tem desabastecimento da própria rede. Durante a pandemia, vários medicamentos sofreram com isso”, explicou a endocrinologista que trabalha na unidade de referência.

No ano passado, 823,5 mil atendimentos foram feitos na Bahia com indicação para diagnóstico de diabetes, segundo números do DataSUS. Este número não corresponde ao total de diagnósticos, já que um mesmo paciente provavelmente passou por mais de um atendimento. Em Salvador, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), 39.673 pacientes com diabetes são acompanhados nas unidades de saúde do município.

Nota técnica

A desburocratização no envio das doses de insulina análoga de ação rápida, incorporada ao SUS em 2017 para tratamento de pacientes com diabetes tipo 1, foi aprovada em uma reunião com representantes de secretarias e de pacientes no dia 23 de setembro deste ano.

A nota técnica do MS sobre a liberação não cita que há doses próximas do vencimento, mas informa que o ministério decidiu, por conta da pandemia e num prazo de 180 dias, prorrogável por mais 90, liberar as doses para pacientes que se enquadrassem nos critérios para recebê-las, mesmo que não tivessem o laudo de solicitação preenchido por um endocrinologista.

“Durante o período de transição de 180 dias, podendo ser prorrogado por mais 90 dias, única e exclusivamente para solicitação da insulina análoga de ação rápida, fica dispensada a exigência do Laudo para Solicitação, Avaliação e Autorização de Medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (LME), e dos exames e documentos exigidos no PCDT [Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas] de DM1 [Diabetes Mellitus 1]”, diz nota técnica.

Ela foi assinada por coordenadores da área de Assistência Farmacêutica do MS e pelos presidentes do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Carlos Lula, e Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Wilames Freire Bezerra. O Conass e o Conasems foram procurados, mas não responderam até o fechamento desta reportagem. (Correio da Bahia)