Às 15h desta última sexta-feira (28), dia reservado a Oxalá, o corpo de Mãe Stella de Oxóssi estava nos braços de Iemanjá, na Baía de Todos os Santos. Dentro do Ferry Boat batizado com o nome de Dorival Caymmi, que em vida era Obá (espécie de ministro) de Xangô, da casa que tem como patrono o orixá da Justiça, os integrantes do Ilê Axê Opô Afonjá, enfim, podiam se sentir aliviados segundo o Correio da Bahia.

 

De acordo com a crença dos filhos e filhas do Terreiro, o “machado do rei” havia sido finalmente batido para resolver uma pendenga digna de uma trama Jorgeamadiana. A briga envolvia sua companheira Graziela Domini, e integrantes do terreiro. No início da tarde, após decisão da Justiça, já com a guia de sepultamento, o corpo de Mãe Stella mudou de “mãos”.

 

Em uma manhã marcada ao mesmo tempo pelo luto e pela tensão, o sobrinho de mãe Stella de Oxóssi, Adriano de Azevedo, estava quase entregando os pontos. O corpo de sua tia estava prestes a ser enterrado na cidade de Nazaré das Farinhas, a 150 quilômetros de Salvador. Desde às 9h, o velório acontecia na Câmara de Vereadores da cidade, bem longe de onde Mãe Stella viveu e se transformou em uma das grandes religiosas da Bahia.

 

A cerimônia em Nazaré havia sido marcada por Graziela e, segundo os integrantes do terreiro, impediria que o corpo de Mãe Stella passasse por obrigações do Axexê, o ritual fúnebre do candomblé. “Eu conheço minha tia e sei do gosto dela. Ela dizia que eu era seu braço e que eu deveria resolver as coisas. Mas, neste caso, não estou enxergando saída.

 

Graziela está fazendo isso para nos atingir. Ela articulou tudo. Estou entregando aos orixás”, disse Adriano de Azevedo, que se deslocou de madrugada para Nazaré em um ônibus com uma comitiva de cerca de 40 filhos de santo. Enquanto isso, a Sociedade Cruz Santa, entidade mantenedora do Opô Afonjá, articulava uma ação judicial para impedir que o corpo de Mãe Stella fosse sepultado fora de Salvador.

 

A espera angustiante teve manifestações de ambos os lados. Graziela dizia ter acompanhado com carinho e fidelidade os últimos dias (e os últimos suspiros) da ialorixá em um hospital de Santo Antônio de Jesus, onde ela morreu, na quinta-feira (27), de uma infecção generalizada.

“Foi lindo! Nós brincamos, sorrimos. As enfermeiras e os médicos participaram também. Segurei a mão dessa mulher os últimos 15 dias para que ela morresse em paz”, afirmou. “Mãe Stella morreu tão dignamente quanto viveu. Não sentiu dor”, garantiu. A companheira de Mãe Stella contestou o fato do corpo precisar passar por obrigações feitas no terreiro.

 

Ela afirmou que a própria Mãe Stella teria iniciado os rituais nela mesma antes de morrer. Por isso, as obrigações não seriam necessárias. “Para quem não conhece pode parecer estranho, mas ela fez a parte religiosa nela própria. E pediu para que não mexessem mais na cabeça dela porque ela já havia mexido. Então não estou impedindo rito nenhum. Em vida, Mãe Stella manifestou o desejo de viver em Nazaré. Porque não ser enterrada aqui?”, perguntou.

Os integrantes do terreiro acusaram Graziela de contratar homens armados para intimidar os filhos de santo. E sequer cogitaram a possibilidade de ter existido esse ‘auto axexê’ realizado pela própria Stella. “Como você vai fazer em você mesmo um ritual pós mortem estando vivo?”, perguntou Adriano Azevedo.

 

“Ela (Graziela) é uma iniciada e conhece os procedimentos litúrgicos. Se esses procedimentos não forem cumpridos, seremos cobrados pelos orixás lá na frente”, completou. Diante dessa peleja pelo corpo, o que se via era um salão dividido. Os filhos de santo da roça de São Gonçalo do Retiro sentados nas cadeiras ao fundo. Próximos ao caixão, Graziela junto com alguns poucos representantes de terreiros de Nazaré e região.

 

Entre os que foram dar o último adeus a Mãe Stella, curiosos e moradores da cidade. “Não imaginávamos uma despedida dessa forma. Mãe Stella merecia a presença das comunidades de Salvador e das autoridades, além das pessoas simples que conviveram e aprenderam com ela. Lamentável”, disse Adriano. “Tem até gente de preto vindo ver o caixão. São curiosos. Nosso luto é branco”, lembrou.

 

Durante a espera, silenciosa e sem qualquer tipo de cântico religioso, filhos de santo foram incorporados por orixás. Dois deles, um de cada lado da “disputa”, soltavam gritos como se estivessem revoltados. Um dos que “viraram o santo” levantou-se e, cambaleante, aproximou-se do caixão. Amparado por duas sacerdotisas, se retirou do recinto. Os integrantes do terreiro solicitaram que não fossem feitas imagens em vídeo ou fotografias.