O Governo Jair Bolsonaro começa nesta semana a tramitação para valer da reforma da Previdência na Câmara, o principal projeto econômico da gestão, mas nem o presidente nem os ministros-estrela do Planalto despontam como protagonistas –se para o bem ou para o mal das chances de aprovação, só as próximas semanas dirão.

Bolsonaro vem dedicando seu tempo público a atacar jornalistas e a insuflar debates escatológicos em suas potentes redes sociais, onde a proposta de mudança na aposentadorias mal aparece.

Já o articulador do Governo, o ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni, está em viagem oficial à Antártida até quarta-feira. O líder do Governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), por sua vez, não conseguiu sequer marcar uma reunião com todos os líderes partidários.

Neste panorama, coube até agora a experientes políticos “colocarem a bola no centro do campo” e tentar dar andamento ao projeto que incomoda vários lobbies poderosos e é, ao mesmo tempo, ansiado por investidores e empresários. No momento, é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e seu fortalecido DEM, que também comanda o Senado, que se apresenta como fiador da reforma.

Foi Maia, em seu quinto mandato consecutivo e desprezado nas redes sociais como representante da “velha política” pelos bolsonaristas, que teve de intervir e negociar diretamente com o ministro da Economia, Paulo Guedes, para garantir a promessa do Planalto de que haverá uma proposta formal para incluir os militares na reforma até a semana que vem.

A palavra empenhada de Guedes sobre os militares destravou o que estava empacado há semanas. Desde que foi enviada pelo Governo Jair Bolsonaro (PSL) ao Congresso Nacional, há 20 dias, nada tinha sido feito com a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 6/2019. Vários políticos, incluindo Maia, repetiam que não empenhariam seu capital político em uma proposta impopular para ver o Governo poupar os militares.

Os líderes partidários não queriam indicar os membros da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados, a primeira parada formal da projeto, enquanto a gestão federal não desse as garantias da inclusão das Forças Armadas.

Findo esse primeiro primeiro impasse, nesta quarta-feira a CCJ se instala e seu presidente, o deputado Felipe Francischini (PSL-PR), será empossado. Aí, começa uma nova disputa para definir quem será o relator do projeto, um posto importante na defesa pública das mudanças. Trata-se de um processo de tramitação lento e complexo numa Câmara bastante renovada e inexperiente.

Só na CCJ, a expectativa é que a tramitação leve cerca de duas semanas. Depois, ainda ficará de dois a três meses sendo debatida em uma comissão especial, para, só então, ser levada ao plenário. A votação decisiva, e em dois turnos, só deve ocorrer em junho.

Bolsonaro, fator de risco
Neste balé legislativo, em que outros e mais experientes presidentes já naufragaram ou tiveram que conter as expectativas, é o presidente que segue sendo um fator de risco, na avaliação de seus próprios correligionários.

A torcida da base bolsonarista é que o presidente não cometa novas gafes ou compre brigas desnecessárias. Desde a demissão de Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência, no dia 19 de fevereiro, já foram várias. Em Brasília é comum ouvir o comentário de que o maior inimigo de Jair Bolsonaro é ele mesmo.

“O presidente está atrapalhando a si mesmo. Agora, todas as energias deveriam ser concentradas na reforma. Quando você foca na questão dos costumes, você arruma ruídos com alguém”, disse o deputado Elmar Nascimento, líder do DEM, a legenda da base de apoio que se tornou crucial no processo. Nascimento defende que Bolsonaro tem de começar a medir suas palavras.

Os movimentos, às vezes erráticos, do presidente enviam sinais ruins para a classe política e levantam os primeiros alertas no mercado financeiro –ainda que a tônica geral seja, como nesta segunda, de cifras bastante positivas na Bolsa de São Paulo, sinal de que seguem dando um voto de confiança de que o Planalto e Guedes conseguirão entregar uma aprovação.

Mentira para atacar jornalista e expurgo no MEC
Num espaço de poucos dias, o presidente de extrema direita seguiu insuflando seus seguidores com pautas conservadoras nos costumes e pregando intimidação da imprensa. Primeiro, foi o inglório episódio do golden shower, quando expôs um vídeo protagonizado por dois homens no qual um deles urinava sobre o outro.

Na sexta, Dia da Mulher, disse que elas vieram da costela de Adão e afirmou que a representatividade em seus ministérios era parelha (são 20 homens e 2 mulheres). No domingo, ele voltou à carga nos ataques à imprensa ao usar uma informação falsa para atacar e intimidar uma repórter do jornal O Estado de S. Paulo, usando um site de apoiadores dele, o Terça Livre.

Mesmo que um áudio não chancelasse a afirmação, o presidente disse que a jornalista Constança Rezende havia afirmado ter a intenção de arruinar o primogênito do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), e o Governo federal. O distorção de uma informação em sua conta de Twitter não foi uma exceção.

Até o último dia 10 de março, a agência Aos Fatos contabilizou que, de 149 declarações feitas por Bolsonaro passíveis de checagem, 67 apresentavam informações verdadeiras, 52 tinham algum grau de erro e outras 30 continham dados completamente falsos. Além disso, Bolsonaro ainda emprega energia num embate interno entre as alas ideológica e militar no Ministério da Educação (onde os militares perderam o round).

Foi demitido o coronel Ricardo Roquetti, que ocupava uma diretoria no MEC em meio a uma acalorada e pública disputa com o ideólogo do bolsonarismo, o escritor Olavo de Carvalho. Olavo disse que o Governo está “repleto de inimigos do presidente e inimigos do povo” e orientou as dezenas de alunos e apadrinhados seus que fazem parte da gestão a deixarem seus cargos.

A idiossincrática influência do estudioso, que mora nos EUA, não é desprezível e incluem o assessor internacional da Presidência, Filipe Martins, o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida e o chanceler Ernesto Araújo, além do próprio titular do MEC, Ricardo Vélez.

Uma conta que ainda não fecha
Enquanto a novela de desenrola, a base faz cálculos. Mas a conta, hoje, ainda não fecha: o Governo não tem nem 200 dos 308 votos necessários para aprovação da PEC. A base ainda está em processo de formação. “O presidente está preso em seu discurso de campanha, de ser contra a política. Com exceção dos deputados do PSL, a grande maioria dos outros não se elegeu por causa dele. E ele terá de aprender a dividir o sucesso em caso de aprovação da reforma, algo que parece que ele não entendeu ainda”, avaliou o deputado Nascimento.

Dois deputados do PSL disseram, sob a condição de anonimato, que hoje acreditam que apenas o próprio partido do presidente entregaria os seus votos. “Não se trata apenas de dividir os cargos, algo que também somos contra, mas de sentar para conversar e aceitar ceder aqui ou ali”, disse um desses parlamentares.

Enquanto Bolsonaro não decide qual papel terá nessas negociações, a combalida oposição ao presidente quer alinhar o discurso, algo que não conseguiu fazer desde que perdeu a eleição no ano passado. Os partidos opositores deverão se reunir na quarta-feira com representantes de centrais sindicais para debater quais serão as estratégias para tentar barrar a reforma no plenário da Câmara. (Afonso Benites – Conteúdo do El País) Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil