Agência Brasil

O governo federal anunciou nesta última terça-feira (7) que exigirá quarentena de cinco dias para viajantes não vacinados, mas ignorou a recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que a vacinação completa (ou o passaporte da vacina) seja exigida.

Segundo o ministro da saúde, Marcelo Queiroga, “não se pode discriminar as pessoas entre vacinadas e não vacinadas para a partir daí impor restrições”. No mesmo anúncio, o ministro ainda parafraseou o presidente Jair Bolsonaro e afirmou: “Às vezes é melhor perder a vida do que perder a liberdade”.

Abaixo, em cinco tópicos, especialistas ouvidos pelo g1 analisaram as decisões do governo e as frases do ministro. “O posicionamento do ministro é mais um desserviço que ele presta. Não é o primeiro e, infelizmente, não será o último. Evidentemente, o ministro escolheu o lado da política”, disse Pedro Hallal, epidemiologista e professor da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul.

1. Passaporte: discórdia x consenso

Durante o anúncio das medidas, Queiroga disse que o passaporte cria “mais discórdia do que consenso”. Hallal descreveu a frase dita pelo ministro como “lamentável”. Segundo o especialista, o ministro deveria prezar pela saúde pública ainda que isso desagrade algumas pessoas.

“A primeira frase é lamentável sob o ponto de vista de um gestor. O papel do ministro da saúde não é agradar as pessoas, é proteger a saúde da população. Acho que o Queiroga não tem noção da magnitude do papel que ele ocupa”, analisou Hallal.

A infectologista Luana Araújo afirma que a declaração é “obviamente falsa” porque, ainda que a exigência cause alguns desagrados, controlar a pandemia promoveria uma maior estabilidade social e econômica, o que agradaria a maior parte da população.

“É uma medida que tem arcabouço científico e também ajuda socioeconomicamente esses países, uma vez que cria uma atmosfera de maior segurança para essas populações e ao mesmo tempo em que promover uma maior tranquilidade para o sistema público de saúde, evitando casos graves e evitando sobrecarga do sistema”, explica a especialista.

2. Punição aos viajantes

Ainda no anúncio, Queiroga disse que novas variantes, “podem acontecer, e países que identificam não podem ser punidos com restrição aos seus cidadãos”. Miriam Dal Ben, infectologista do hospital Sírio Libanês, em São Paulo, concorda que restringir e fechar as fronteiras seria uma forma de discriminação. Além do mais, a estratégia não é eficaz porque embora atrase, não impede que a variante chegue ao país.

“Existem formas mais eficazes de fazer esse tipo de controle. Uma delas é na hora em que as pessoas de determinadas regiões de risco, como a África do Sul, chegam ao Brasil, você pode exigir um PCR e deixar essas pessoas em isolamento, um isolamento controlado, com uma vigilância para ver se a pessoa está realmente isolamento, e repetir esse PCR”, explica a infectologista. Segundo Ben, exames PCR negativos realizados após um período de 7 dias do contato de risco, ou seja, da chegada desses visitantes ao país, o risco desses indivíduos cai para 5%.

3. Anvisa: pode ser acatada ou não

Entre suas frases, o ministro da Saúde disse que “posicionamento da Anvisa pode ser acatado ou não”. A infectologista Luana Araújo explica que, de fato, o posicionamento da Anvisa é uma recomendação que pode ou não ser acatada pelo Ministério. Contudo, ela alerta que as recomendações são feitas a partir de dados científicos e optar pela medida contrária pode colocar em risco as ações de combate ou mitigação da pandemia de Covid-19.

“O posicionamento da Anvisa reflete fortemente o posicionamento científico. O que acontece com o Ministério da Saúde é que cada vez mais ele se distancia da ciência e cada vez mais se alinha a questões político-partidárias bastante mesquinhas e menores que a saúde pública”, explica a infectologista Luana Araújo.

4. Discriminação vacinal

Entre suas defesas das medidas anunciadas, Queiroga afirmou que “não se pode discriminar as pessoas entre vacinadas e não vacinadas para a partir daí impor restrições”. Segundo Araújo, a frase dita pelo ministro é uma forma de “manipulação extremamente rasteira e que precisa ser rapidamente combatida”

“Quando a gente está falando de vacina, a gente não está falando de discriminação. Discriminação seria ofertar vacinas de modo desigual para pessoas diferentes a partir de determinadas características. Neste caso, não é discriminação, mas de proteger um bem público que tem sido ignorado, ou pior, deliberadamente distorcido, que é a saúde das pessoas”, explica a especialista.

5. Perder a vida?

No mesmo anúncio, Queiroga ainda afirmou: “Às vezes é melhor perder a vida do que perder a liberdade”, disse o ministro, que afirmou estar parafraseando o presidente Jair Bolsonaro. A infectologista Miriam Dal Ben explica que para combater uma pandemia de modo efetivo não é possível olhar as pessoas individualmente, só no coletivo.

“Essa decisão não diz respeito só ao direito dela. Diz sobre o direito do outro também”, explica Dal Ben. As decisões individuais de se vacinar ou não interferem diretamente no coletivo no controle da transmissão do vírus. “Pessoas vacinas podem pegar e transmitir o vírus da Covid, mas esse risco é menor. O risco delas transmitirem a Covid, de acordo com alguns estudos, é 60% e até 70% menor quando comparado com alguma pessoa não vacinada”, diz Dal Ben. G1